segunda-feira, 16 de abril de 2018

Origem das religiões


ORIGEM DAS RELIGIÕES



Introdução        
Quem sou? De onde venho? Para onde vou?

As crianças logo se tornam  curiosas.  Uma  criança  de  três anos pode fazer perguntas que os adultos não conseguem responder. Uma de cinco anos pode refletir sobre os mesmos enigmas que um idoso.
A necessidade de se orientar na vida é fundamental para os seres humanos. Não precisamos apenas de comida e bebida, de calor,compreensão e contatos físicos; precisamos também descobrir  por  que estamos vivos.
Nós perguntamos:
*             Quem sou eu?
*             Como foi que o mundo passou a existir?
*             Que forças governam a história?
*             Deus existe?
*             O que acontece conosco quando morremos?

Essas são as chamadas questões existenciais, pois dizem  respeito a nossa própria existência.
Muitas questões existenciais são bastante  gerais  e  surgem em todas as culturas. Embora nem sempre  sejam  expressas  de  maneira tão sucinta, elas formam a base de todas as religiões. Não existe nenhuma raça ou tribo de que haja registro que não tenha tido algum tipo de religião.
Em certos períodos da história, houve gente que colocou questões existenciais numa base puramente humana, não religiosa.  Mas foi só há pouco tempo que grandes grupos de  pessoas pararam  de pertencer a qualquer religião reconhecida. Isso não implica necessariamente que tenham perdido o interesse pelas relevantes questões existenciais.
Alguém já disse que viver é escolher. Muitas pessoas fazem es- colhas sem pensar com seriedade se estas são  congruentes,  ou  se  existe alguma coerência em sua atitude com relação à vida. Outras sentem necessidade de moldar a atitude delas de maneira mais abrangente e estável.
Cada um de nós tem uma visão  da  vida.  A  questão  é:  até que ponto fomos nós mesmos que a escolhemos, até que ponto ela é nossa própria visão? Até que ponto estamos conscientes de  nossa visão?

Face a face com a morte

Duas histórias reais demonstram como a vida cotidiana pode estar interligada a profundas questões existenciais. A primeira se passou durante a Segunda Guerra Mundial; a outra, na América  Central de nossos dias.
Quando Kim Malthe Bruun tinha dezessete anos, a guerra estourou e ele testemunhou a profanação de importantes valores humanos por parte de uma potência estrangeira invasora. Após um ano, em 1941, Kim foi ser marinheiro, mas no outono de 1944 desembarcou na Dinamarca e entrou no movimento ilegal de resistência. Alguns meses depois acabou preso pelos alemães, e  em abril de 1945 foi condenado à morte e fuzilado.
Não era raro os jovens assumirem a luta contra a ditadura nazista. Se ela acontecesse hoje, talvez você e seus amigos também se envolvessem nessa luta. Como você acha que reagiria se fosse  condenado a morte? O que escreveria quando os guardas da prisão lhe dessem lápis e papel para que você deixasse uma última carta a seus parentes mais próximos?
O que Kim escreveu, nós sabemos. A última  carta  para  sua  mãe contém a seguinte passagem:
Hoje Jörgen, Niels, Ludvig e eu nos  apresentamos  diante  de  um tribunal militar. Fomos condenados à morte. Sei que você é uma mulher forte e conseguirá suportar tudo isso, mas quero que compreenda. Eu sou apenas uma coisa insignificante,  e  como  pessoa logo serei esquecido; mas a idéia, a vida, a inspiração de que estou imbuído continuarão a viver. Você as verá em  todo  lugar  — nas árvores na primavera, nas pessoas que encontrar, num sorriso carinhoso.
Em março de 1983, Marianella Garcia Villas foi assassinada pelos militares na república centro-americana de El Salvador. Fazia vários anos que as forças do governo e os guerrilheiros  rebeldes  travavam uma feroz guerra civil. Durante essa guerra, uma facção do Exército, juntamente com extremistas, havia raptado e assassinado milhares de pessoas. A jovem advogada Marianella formou um comitê de direitos humanos para investigar casos de desaparecimento e tortura. Em decorrência, acabou indo para a "lista  negra"  dos  terroristas.  Ela  sabia que sua vida corria perigo.
Como você teria reagido a uma ameaça desse tipo? A reação de Marianella foi continuar a luta. No início de  1983, ela  visitou uma  das zonas de guerra, numa missão do  Comitê de Direitos Humanos. Ela nunca mais voltou. Porém, uma carta que escreveu em 1980 nos conta qual era o impulso que a movia:
Eu luto pela vida: um trabalho real, que vale  a  pena.  Não  tenho nenhum desejo de morrer, mas já vivi tão perto da morte e  de  suas consequências que a vejo agora como algo natural. Todos nós devemos morrer um dia, mas a morte sempre virá cedo demais para o homem ou a mulher que tem uma intensa sede de viver. Cada minuto que passa tem um significado, uma profundidade maior  do  que qualquer outra coisa, mesmo que pareça comum e  rotineiro.  Cada rajada de vento, cada canto da cigarra, cada revoada de pombos é como um poema.
Sei que os que trabalham pela justiça sempre terão o direito  a  seu lado e receberão a ajuda de  Deus;  estes  irão  prevalecer,  e  a verdade resplandecerá.
É melhor ser rico de espírito do que em bens materiais.


Alegria de viver

Marianella e Kim lutaram por idéias e valores em que acreditavam. Chegaram até a sacrificar a vida pelo que consideravam certo. Contudo, uma filosofia de vida não se manifesta somente em guerras e situações de tensão. Não se associa apenas a feitos heróicos     e a grandes idéias. Nossa visão da  vida  também  trata  de  coisas íntimas — como nossa atitude para com a família e os amigos, para com o trabalho e o lazer. Nossa perspectiva está ligada ao  próprio  modo como desfrutamos a vida. "Cada revoada de pombos é como um poema", escreveu Marianella em sua carta. E  Kim,  sentado  em  sua  cela à espera da morte, escreveu sobre as árvores na primavera e um sorriso carinhoso.
Se esses dois defensores da liberdade  tinham  alguma  coisa  em comum, era a experiência de que a vida é algo infinitamente precioso. As cartas de Kim e Marianella irradiam a experiência de valores fundamentais que para nós, na nossa vida diária, podem por vezes passar despercebidos.
Será que precisamos enfrentar a morte cara a cara antes de podermos experimentar  a vida?  Será que precisamos ver nossas idéias  e nossos ideais ameaçados e pisoteados para que possamos compreendê-los?
"Os que nunca vivem o momento presente são  os  que  não  vivem nunca — e o que dizer de você?", escreve o poeta dinamarquês Piet Hein, num de seus poemas. O pintor e escritor finlandês Henrik Tikkanen expressa uma idéia semelhante na seguinte máxima, ou aforismo, que nos dá o que pensar: "A vida começa  quando  descobrimos que estamos vivos".

                Conhecimento religioso              

O que é religião? É o batismo numa igreja cristã. É a adoração num templo budista. São os judeus com o rolo da  Torá  diante  do Muro das Lamentações em Jerusalém. São os peregrinos reunindo-se diante da Caaba em Meca.
Em seguida podemos perguntar: será  que  essas  atividades  têm alguma coisa em comum? Será que seus participantes compartilham algum sentimento semelhante a respeito do que fazem? E por que fazem o que fazem? O que isso significa para eles? E como afeta a sociedade em que vivem?
São essas as questões que as ciências da religião procuram responder.  O  pesquisador  investiga de  uma  perspectiva externa todas as religiões, buscando semelhanças e diferenças, e tenta descrever o que   vê.   A   descrição   dele   nem   sempre   é   plena   e   exaustiva,   se comparada aos sentimentos de um crente acerca de sua  religião.  É  como o que acontece com a música. Um especialista em teoria musical pode explicar de que maneira uma composição foi construída, e descrever suas tonalidades e seus instrumentos, mas jamais conseguirá recriar a experiência que a música transmite. Isso é ainda mais óbvio quando se trata de comida. Um nutricionista pode explicar que certo alimento consiste numa dada mistura de componentes orgânicos,  e que, se for resfriado a uma determinada temperatura, terá um gosto doce e fresco ao entrar em contato com o palato humano; mas isso nunca será a mesma coisa que tomar de fato um sorvete.

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 Isso não quer dizer que o estudioso das religiões não possa ser religioso. O escritor italiano Umberto Eco, falando  das  relações  entre  os  estudos  de  literatura  comparada  e  a  própria

literatura, fez a seguinte observação: "Até os ginecologistas podem  se  apaixonar".  O  importante  é  não  deixar que durante a pesquisa   as   crenças   e   os   sentimentos   pessoais   influenciem   o material que está sendo estudado. Esse distanciamento permite ao pesquisador divulgar informações sobre a religião que são valiosas tanto para o indivíduo como para a sociedade.
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Por que ler sobre as religiões?

Um rápido olhar para o mundo ao redor mostra que a religião desempenha um papel bastante significativo na vida social e política de todas as partes do globo. Ouvimos falar de católicos e protestantes em conflito na Irlanda do Norte, cristãos contra muçulmanos nos Bálcãs, atrito entre muçulmanos e hinduístas na Índia, guerra entre hinduístas e budistas no Sri Lanka. Nos Estados Unidos e no Japão há seitas religiosas extremistas que já praticaram atos de terrorismo. Ao mesmo tempo, representantes de diversas religiões promovem ajuda humanitária aos pobres e destituídos do Terceiro Mundo. É difícil adquirir uma compreensão adequada da política internacional sem que se esteja consciente do fator religião.
Um conhecimento religioso sólido também é útil num mundo que se torna cada vez mais multicultural. Muitos de nós viajam para o exterior, entrando em contato com sociedades que têm diferentes valores e modos de vida, ao mesmo tempo que imigrantes e refugiados chegam a nossa própria porta, confrontando-se com um sistema social que lhes é totalmente estranho.
Além disso, o estudo das religiões pode ser importante para o  desenvolvimento   pessoal   do   indivíduo.   As   religiões   do   mundo  podem responder a perguntas que o homem vem fazendo desde tempos imemoriais.

Tolerância

 Tolerância, ou seja,  respeito  pelas  pessoas  que têm pontos  de  vista
 diferentes do nosso, é uma palavra-chave no estudo das religiões. Não significa necessariamente o desaparecimento das diferenças e das contradições, ou que não importa no que você acredita, se é  que  acredita  em  alguma  coisa. Uma  atitude tolerante pode   perfeitamente coexistir com uma sólida fé  e  com  a  tentativa de  converter os outros.
Porém, a tolerância não é compatível com atitudes como zombar das opiniões               alheias  ou reutilizar       da           força                e             de          ameaças.            A             tolerância não  limita o  direito de  fazer propaganda, mas exige que  esta seja feita com respeito pela opinião dos outros.
Os registros da história mostram inúmeros exemplos de fana- tismo e intolerância. Já houve lutas de uma religião contra outra e se travaram diversas guerras em nome da religião. Muitas pessoas  já  foram perseguidas por causa de suas convicções, e isso continua acontecendo nos dias de hoje.
Com frequência, a intolerância é resultado do conhecimento insuficiente de um assunto. Quem vê de fora uma religião, enxerga ape-nas suas manifestações, e não o que elas significam para o  indivíduo que a professa.
Para os cristãos, a sagrada comunhão tem um significado especial. No entanto, uma descrição objetiva do  ato  da  comunhão  não poderia oferecer uma visão real do que a  comunhão  representa para um cristão.
 O respeito pela vida religiosa dos outros, por suas opiniões e  seus pontos de vista, é um pré-requisito para a coexistência humana. Isto não significa que devemos aceitar tudo como igualmente correto, mas que cada um tem o direito de ser respeitado em seus pontos de vista, desde que estes não violem os direitos humanos básicos.

Como começaram as religiões?
Foram registradas várias formas de religião durante toda a história. Já houve muitas tentativas de explicar como surgiram as religiões. Uma das explicações é que o homem logo começou a ver as coisas a seu redor como animadas. Ele acreditava que os animais, as plantas, os rios, as montanhas, o sol, a lua e as estrelas continham espíritos,  os  quais  era  fundamental  apaziguar.  O  antropólogo  E. B. Tylor (1832-1917) batizou essa crença de animismo. Tylor foi influenciado  pela  teoria  de  Darwin  sobre  a  evolução.  Segundo  ele, o desenvolvimento  religioso  caminhou  paralelamente  ao  avanço  geral da humanidade, tanto cultural como tecnológico, primeiro em direção ao politeísmo (crença em diversos deuses) e depois ao monoteísmo (crença num só deus). Tylor concluiu que os povos tribais não haviam ido além do estágio da Idade da Pedra e, portanto, praticavam esse mesmo  tipo  de  animismo.  Hoje  essa  teoria  do  desenvolvimento foi rejeitada,   e   há   um   consenso   geral   de   que   animismo   não   é   uma caracterização adequada para a religião dos povos tribais.
Alguns pesquisadores vêem a religião como um produto de fatores sociais e psicológicos. Essa explicação é conhecida como um modelo reducionista, pois reduz a religião a apenas um elemento das condições sociais ou da vida espiritual do homem. Karl Marx, por exemplo, sustentava que a religião, assim como a arte, a filosofia, as idéias e a moral, não passava de um dossel por cima da base, que é econômica. O que dirige a  história, de acordo com ele, é o modo como  a produção se organiza e quem possui os meios de produção, as  fábricas e as máquinas. A religião simplesmente refletiria essas condições básicas.
 Nas  modernas ciências da  religião predomina a  idéia de  que a religião é um elemento independente, ligado ao elemento social e ao elemento psicológico, mas que tem sua própria estrutura. Os ramos mais importantes das ciências da religião são a sociologia da religião,   a   psicologia   da   religião,   a  filosofia  da   religião   e   a fenomenologia religiosa.

Definindo a religião

Muitas pessoas já tentaram definir religião, buscando uma fórmula que se adequasse a todos os tipos de crenças e atividades religiosas — uma espécie de mínimo denominador comum. Existe, naturalmente, até um risco nessa tentativa, já que ela  parte  do princípio de que as religiões podem ser comparadas. Esse é um ponto  em que nem todos os crentes concordam: eles podem dizer, por exemplo,  que  sua  fé  se  distingue  de  todas  as  outras  por  ser  a única
 religião verdadeira, ao passo que todas as outras não passam  de  ilusão, ou, na melhor das hipóteses, são incompletas. Há também pesquisadores cuja opinião é que o único método construtivo de estudar  as  religiões  é  considerar  cada  uma  em  seu  próprio  contexto  histórico e cultural. Contudo, há mais de um século os estudiosos da religião tentam   encontrar   traços   comuns   entre   as   religiões.   O  problema       é             que        eles interpretam             as           semelhanças     de                maneiras diferentes. Alguns as consideram resultado do contato  e  do  intercâmbio entre grupos raciais; segundo eles, as diferentes  fés  e  ideias se espalharam do mesmo modo que outros fenômenos culturais, como a roda e o arado.  Outros  pesquisadores  fazem  comparações  a fim de descobrir o que caracteriza o conceito de religião em si. E aí que as definições entram em cena. Vamos começar por algumas das mais famosas:

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A religião é um sentimento ou uma sensação de absoluta dependência.
Friedrich Schleiermacher (1768-1834)

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Religião significa a relação entre o homem e o poder sobre-

humano no qual ele acredita ou do qual se sente dependente. Essa relação se ex-pressa em emoções especiais (confiança, medo), conceitos (crença) e ações (culto e ética).
C. P. Tiele (1830-1902)

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A religião é a convicção de que existem, poderes transcendentes, pessoais ou impessoais, que atuam no mundo, e se expressa por insight, pensamento, sentimento, intenção e ação.
Helmuth von Glasenapp (1891-1963)
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O sagrado

Nos primeiros anos do século XX, o sueco Nathan Söderblom (1866-1931), arcebispo e estudioso das religiões,  ofereceu  uma  definição baseada nos sentimentos humanos: "Religiosa ou piedosa é a pessoa para quem algo é sagrado".
Sagrado se tornou uma palavra-chave para os pesquisadores da religião no século XX: descreve a natureza da religião e o que ela tem de especial. Esse termo ganhou realce numa obra sobre psicologia da religião, A idéia do sagrado, de Rudolf Otto, publicada em 1917. O sagrado é das ganz  Andere,  o  "inteiramente outro", ou seja, aquilo que é totalmente diferente de tudo o mais e que, portanto, não pode ser descrito  em  termos comuns. Otto fala de uma  dimensão especial da existência, a que chama de misterium tremendum et fascinosum (em latim, "mistério tremendo e fascinante"). É uma força  que  por um lado engendra  um  sentimento   de  grande  espanto, quase de temor, mas por outro  lado  tem  um  poder  de  atração ao qual é difícil resistir.
Otto já foi criticado, refutado, plagiado e ampliado. Um dos que adotaram essa noção de sagrado foi o romeno Mircea Eliade, estudioso de religiões, em seu livro O sagrado e o profano. Ele elogia Otto e diz que seu sucesso como estudioso de religiões se deve a essa nova perspectiva que passou  a abraçar.  Em vez de estudar termos como Deus e religião, Eliade analisou vários tipos de "experiência religiosa" dos seres humanos. Ele começa com uma definição muito simples do que é o sagrado: é o oposto do profano. Em  seguida,  põe-se  a  considerar  o significado original dessas palavras. Sagrado indica algo que é separado e consagrado;  profano  denota aquilo que  está  em frente ou do lado de fora do templo.
Eliade acredita que o  homem obtém seu conhecimento do  sagrado   porque   este   se   manifesta   como   algo  totalmente  diferente do profano. Ele chama isso de hierofani, palavra grega que significa, literalmente, "algo  sagrado  está  se  revelando   para  nós". E o que sempre acontece, não importa se o sagrado se manifesta numa pedra, numa árvore ou em  Jesus  Cristo.   Alguém que  adora uma  pedra não  está prestando homenagem   à pedra em si. Venera a pedra porque esta  é  um  hierofani, ou seja,  ela  aponta  o  caminho  para  algo  que  é  mais  do  que  uma simples pedra: é "o sagrado". Neste livro, em vez de darmos uma definição fixa e universal de religião, nós a estudaremos  de quatro ângulos:
*          conceito (crença);
*             cerimônia;
*             organização, e
*             experiência.

Conceito (crença)
A religião sempre teve um aspecto intelectual. O crente tem idéias bem definidas sobre como a humanidade e o mundo vieram a existir, sobre a divindade e o sentido da vida. Esse é o repertório de idéias da religião, que se expressam por cerimônias religiosas (ritos) e pela arte, mas em primeiro lugar pela linguagem. Tais expressões lingüísticas podem ser escrituras  sagradas,  credos,  doutrinas  ou  mitos.
MITOS
Um mito é uma história que geralmente acompanha um rito.O rito com freqüência reitera um ato em que o mito se baseia. Assim, o mito religioso tem um significado mais profundo do que a lenda e os contos folclóricos. O mito procura explicar alguma coisa. E uma resposta metafórica para as questões fundamentais: de onde viemos e para onde vamos? Por que estamos vivos e por que morremos? Como foi que a humanidade e o mundo passaram a existir? Quais são as forças que controlam o desenvolvimento do mundo?
Muitas vezes os mitos elucidam algo que aconteceu  no  princípio dos tempos, quando o mundo ainda era jovem. Por exemplo,   a maioria das religiões tem  seus  mitos de  criação, que explicam como o mundo surgiu. O objetivo principal deles não é revelar fatos geral da existência.
Os conceitos religiosos, que também encontram sua expressão em mitos, podem ser divididos, de modo geral, em três tipos: conceitos sobre um deus ou vários deuses, conceitos sobre o mundo e conceitos sobre o homem.

Conceitos de divindade

MONOTEÍSMO
A crença que prevalece na maioria das grandes religiões ocidentais é o monoteísmo, isto é, a convicção de que existe  um  só deus. Há exemplos em muitas religiões de que o monoteísmo nasceu como reação à adoração de vários deuses (politeísmo). O islã tem suas raízes numa renovação ou reforma da antiga religião dos nômades árabes, a qual possuía numerosos deuses tribais.

MONOLATRIA
A monolatria é uma crença situada a meio caminho entre o politeísmo e o monoteísmo. Implica a adoração de  um  único  deus, sem negar a existência de outros. Um deus é escolhido entre vários —  por exemplo, na religião germânica se podia escolher entre Tor ou Odin, aquele em que se tivesse total confiança. Aqui a teoria fica em segundo lugar. O importante não é saber se determinado deus existe ou não, mas se ele é cultuado. Existem hoje exemplos de monolatria no hinduísmo.

POLITEÍSMO
Em religiões que possuem diversos deuses, é comum  estes  terem funções distintas, bem como esferas definidas de responsabilidade. A criação de animais e a pesca, o comércio e os diferentes ofícios, o amor e  a  guerra, podem ter seus próprios deuses.  O mundo dos deuses com frequência é organizado da mesma maneira que o dos homens, numa família ou num Estado.
Alguns pesquisadores acreditam que as divindades indo- européias (isto é, indianas, gregas, romanas e germânicas) se estruturam em três classes baseadas na sociedade da época:
*             o monarca (que muitas vezes era também sacerdote);
*             a aristocracia (os guerreiros), e
*             os artesãos, agricultores e comerciantes.

Era comum as pessoas venerarem o deus que  ocupava  o mesmo lugar que elas na escala social.
Geralmente o deus supremo é o deus do céu. Isso não implica que ele habite o céu, mas que se revele no firmamento e nos  fenômenos associados à abóbada celeste.
Em muitas religiões o deus do céu faz par com uma divindade feminina. A imagem do casal Céu e Mãe Terra é de  fácil  compreensão para uma sociedade agrária. A terra é fértil e dá o alimento ao homem, mas só depois de receber sol e chuva do céu.
Além     dos   "deuses-reis",        familiares            para       nós        porque se encontram na mitologia clássica e na germânica, há uma grande quantidade de deuses menores e espíritos em volta de nós que são patronos de determinadas doenças ou de certas profissões.

PANTEÍSMO
O panteísmo é uma crença que difere tanto do monoteísmo como do politeísmo. Aqui a principal convicção é que Deus, ou a força divina, está presente no mundo e permeia tudo o que nele existe. O divino também pode ser experimentado como algo impessoal, como a  alma do mundo, ou um sistema do mundo. O panteísmo costuma ser associado ao misticismo, no qual o objetivo do mortal é alcançar  a união com o divino.

ANIMISMO E CRENÇA NOS ESPÍRITOS
Em muitas culturas prevalece a crença de que a natureza é povoada de espíritos. Isso se chama animismo, da palavra latina
 animus, que significa "alma", "espírito". Em certa época os historiadores da religião pensavam  que  o animismo havia sido a base de toda a religião e que mais tarde ele se transformou, via politeísmo, em monoteísmo. Mas essa é apenas uma teoria. O que é certo é que o animismo impera em várias sociedades.
 Em  nossa  própria  cultura  a  noção  de  espírito  está  presente  em   muitas  criaturas  relacionadas  com   as   forças   naturais: espíritos  das águas, duendes, fantasmas e sereias.
Os espíritos dos mortos também continuam a  desempenhar  um importante papel na África, na América Latina, na China e no Japão.
Normalmente   as           características   dos        deuses são         mais  individualizantes e definidas com mais clareza que as dos espíritos. E   as divindades em geral têm nome. Mas em inúmeros casos é difícil distinguir de imediato entre deuses, antepassados e  espíritos.  Todos são expressões da força sobrenatural que banha a  existência. A  idéia  de uma força ou um poder que regula todos os relacionamentos na vida   humana   e   na   natureza   predomina   sobretudo   nas  religiões  primais. Os historiadores da religião costumam usar o vocábulo polinésio mana para descrever essa força, que precisa ser controlada  ou aplacada.
Conceito de mundo
Um conceito de mundo bastante comum é que a Terra foi cria- da ou formada por um ser primordial ou por uma matéria primordial.   A mitologia nórdica conta a história dos  deuses que  mataram Ymer,  o gigante da montanha, e do seu corpo formaram o mundo.
Os gregos imaginavam o mundo como uma confusa  massa  (caos) que foi organizada por um poder divino e se transformou no mundo ordenado que hoje conhecemos (cosmos).
A criação pode ser vista ainda como uma espécie  de  nascimento, semelhante ao dos seres humanos e animais. No Egito antigo, circulava a idéia de que o mundo tinha saído de um ovo, ao passo que a religião xintó explica que as ilhas japonesas são os filhos    do divino casal que criou o mundo.
A história da criação contada aos judeus e cristãos no Livro do Gênesis não menciona nenhum material ou substância primordial: conta de uma criação feita do  nada. É  por  meio da  palavra falada que a criação ocorre. Deus disse: "Haja luz", e a luz se fez.
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Muitas religiões também têm crenças a respeito do fim do mundo, que a mitologia nórdica chama de  ragnarok.  A Terra,  que  foi criada e organizada, está sob a constante ameaça das forças do mal, as quais querem destruir o sistema do mundo e um dia irão imperar. O cristianismo e o islã vêem o fim do mundo como algo intimamente relacionado ao julgamento divino.
As religiões da Índia, da mesma forma, adotam a idéia  de que o mundo teve um início e um dia vai perecer, mas esse é um processo   que  se   repete    perpetuamente,   num   ciclo   eterno   sem começo  nem  fim,  assim  como  o dia  se torna  noite  e depois, outra vez, dia.

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Conceito de homem

A CRIAÇÃO DO HOMEM
A maioria das religiões acredita que o homem foi criado por Deus, que suas origens são divinas. Nesse contexto, com freqüência se fala da alma do homem, termo que tem conotações diferentes em culturas diferentes.
Costuma-se apresentar a alma em contraste com o corpo, e muitas religiões mostram um dualismo (a convicção de que algo é dividido em dois), ensinando que o corpo é temporal,  e  a  alma, divina. Um conceito diz que a alma desce de um mundo superior e passa a habitar um corpo. Aí ela se sente trancada, aprisionada pela matéria, e anseia por retornar a suas origens etéreas.
Na história que o Antigo Testamento conta, a saber, que Deus criou o homem do barro e soprou a vida em suas narinas, encontramos outro conceito: na antiga tradição judaica, o homem é visto como um todo; corpo e alma estão intimamente ligados, e ambos são obra de Deus.

MORTE
Assim como as origens do homem requerem uma explicação, a maioria das pessoas se preocupa em saber o que acontecerá com elas quando morrerem.
As sepulturas dos vikings, nas  quais  os  mortos  eram enterrados  com  armas,  ornamentos e  comida, mostram que  a   idéia da vida após a morte não é nova. Os gregos antigos acreditavam no Hades, onde os que partiram passavam a levar uma existência tênue, feita de sombras. O ideal guerreiro da era dos vikings se espelha na crença  que  tinham  no  Valhala,  onde  os  heróis lutam suas  batalhas e morrem durante o  dia,  voltando novamente  à  vida  durante  a   noite.

Certas tribos indígenas da América do Norte ainda têm fé  na  existência dos "eternos campos de caça", com  uma  profusão de  caça  de todos os tipos.
Em várias sociedades, os mortos continuam existindo sob a forma de espíritos ancestrais, em íntima proximidade com os  vivos. Eles oferecem aos vivos segurança e proteção, e em  troca exigem que se façam sacrifícios em seus túmulos.
Quando se pergunta o que continua vivo, obtêm-se diversas respostas. Em geral, diz-se que é algo chamado de alma, mas  em  muitas tribos africanas não existe a divisão corpo e alma. Mesmo no cristianismo, a "vida eterna" não é associada a uma "alma eterna". Menciona-se a "ressurreição do corpo", ou, em outras palavras, a reconstituição da pessoa inteira. E verdade que o cristianismo  fala num  "corpo espiritual", porém isso serve para enfatizar a idéia de que   o homem, após a ressurreição, não se tornará um espírito indefinido.
As religiões costumam ter idéias diferentes sobre a salvação. Algumas crêem que o homem pode ser salvo por um poder divino, ao passo que outras afirmam que ele deve resgatar a si mesmo — e para isso indicam uma variedade de métodos.
O conceito de transmigração ocupa uma posição única. Os hinduístas acreditam que a alma se liga a este mundo pelos pensamentos, pelas palavras e ações humanas, e que quando um indivíduo morre, sua alma passa para o corpo de outra pessoa ou de   um animal. Portanto, a alma está presa nesse eterno ciclo, até  que venha a salvação.

A RELAÇÃO DO HOMEM COM O DIVINO
No islã e no judaísmo o homem cumpre suas obrigações religiosas se submetendo aos mandamentos de Deus; nas religiões africanas e indianas, seguindo as regras tribais estabelecidas pelos ancestrais, e na religião  chinesa,  alcançando  uma  harmonia,  ou uma consonância, com as forças básicas da existência, yin e yang.
Em certas religiões, sobretudo na Índia, um dos objetivos é atingir a união com a divindade. Para os gregos antigos isso seria o equivalente a uma blasfêmia, um sacrilégio. Romper as barreiras que separam o humano do divino era algo conhecido como hybris (arrogância). Uma idéia semelhante se expressa na história  do  Antigo Testamento sobre a queda do homem. A harmonia original do homem com Deus foi destruída porque o homem tentou imitá-lo.

Cerimônia
A cerimônia religiosa desempenha um papel importante em todas       as           religiões.  
Nessas                 ocasiões,                            segundo              certas                   regras redeterminadas,  invoca-se ou louva-se  um  deus  ou  vários  deuses, ou ainda manifesta-se gratidão a ele ou a eles. Tais cerimônias religiosas, ou ritos, tendem a seguir um padrão bem distinto, ou ritual.
O            conjunto                             das         cerimônias         religiosas             de          uma       religião é conhecido como culto ou liturgia. A palavra culto (do verbo latino colere, "cultivar") é empregada em geral para significar "adoração", mas na ciência das religiões é um termo coletivo que designa todas as formas de rito religioso.
O culto promove o contato com o sagrado, e por isso costuma ser realizado em lugares sagrados (templos, mesquitas, igrejas), nos quais há objetos sagrados (fetiches, árvores sagradas, altares). As pessoas que lideram o culto religioso também podem ser sagradas, ou pelo menos especialmente consagradas a esse trabalho.
As palavras sagradas exercem no culto uma função relevante: orações, invocações, trechos de textos sagrados e os  mitos,  muitas  vezes associados a ritos específicos.
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Antes de olharmos mais de perto os  diferentes  ritos, falemos um pouco da magia.
Magia ê uma tentativa de controlar os poderes e as forças que operam na natureza. Costuma-se encontrar a magia em contextos religiosos, e é difícil traçar uma linha divisória nítida  
entre a religião e a magia, entre uma reza e um encantamento. A distinção que mais sobressai é o fato de, na religião, o indivíduo se sentir totalmente dependente do poder divino. Ele pode fazer sacrifícios aos deuses ou se voltar para eles em oração; porém, em última análise, deve aceitar a vontade divina. Quando, por outro lado, o ser humano se vale dos ritos mágicos, ele está tentando  coagir as forças e potências a obedecer à sua ordem — que com freqüência consiste em atingir finalidades bem concretas. Desde que os rituais mágicos sejam realizados corretamente, o mago acredita que os resultados desejados decerto ocorrerão, por uma questão de lógica. Se ele falhar, irá culpar um erro em seu ritual,  ou o uso de um feitiço mais forte contra si.
A magia já foi interpretada por algumas pessoas como origem da ciência, ou um estágio inicial desta. O que faz o mago,  assim como o cientista, é tentar descobrir um elo entre causa e efeito. De qualquer maneira, ele é forçado a fazer observações da natureza e a adotar processos empíricos de raciocínio. Sem dúvida, os magos já fizeram numerosas observações detalhadas sobre as relações naturais, e muitas das plantas  e ervas usadas pelos curandeiros podem ser utilizadas também pela moderna ciência médica.
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ORAÇÃO
De certo modo o mais simples de todos os ritos, a oração já foi chamada de "casa de força da religião". Pode ser a comunicação espontânea de um indivíduo com Deus, e nesse caso não costuma ter uma forma definida, uma vez que é expressa em termos pessoais.
Já a oração coletiva normalmente obedece a um padrão bem definido. Pode ser lida, ou cantada em uníssono, ou entoada como uma antífona, na qual se alternam o que conduz a oração e a assembléia.
Determinados atos e gestos  estão  associados  à  oração. Muitas comunidades cristãs rezam ajoelhadas no genuflexório;alguns oram de mãos postas; os muçulmanos se inclinam até  o  chão na direção de Meca. A oração também pode se relacionar à dança. O objetivo da dança pode ser invocar a chuva, ou preparar seus participantes para a caça ou a guerra.  Os  dançarinos  usam  máscaras   e disfarces, e sua apresentação pode se assemelhar bastante a uma pantomima ou peça teatral. As palavras e a cerimônia estão intimamente ligadas. Aqui vemos como um  mito,  ou  narrativa  sagrada, se casa com certos ritos. Às vezes eles se fundem a ponto de produzir um drama.

SACRIFÍCIO
O sacrifício é um elemento central no culto  de  muitas  religiões. Um sacrifício, em geral algo que as pessoas consideram valioso, é oferecido aos deuses. Pode ser constituído  de  frutas, primícias das colheitas, um filhote de animal; em certas culturas existem até mesmo exemplos de sacrifício humano. O propósito da oferenda varia, e podemos distinguir entre vários tipos de sacrifício, dependendo daquilo que o sacrificante deseja  alcançar.  Em  todos  eles, é constante a experiência do contato e da fraternidade.

OFERENDA
A oferenda (do latim offerre, "trazer" ou "oferecer") é o tipo mais comum de sacrifício e provavelmente o mais antigo. Oferece-se um presente aos deuses e se espera outro em troca. O intuito do sacrifício  se  expressa na frase latina do ut des, ou seja, "dou para que  tu me retribuas o presente".
Uma oferenda de agradecimento deve ser vista no mesmo contexto. E uma retribuição a algo que os deuses proporcionaram, talvez algo pedido anteriormente.
A primeira vista, isso pode parecer uma forma  de  barganha, mas devemos considerar o contexto. O ato de dar e receber presentes implica um tipo de associação. Quem dá  e  quem  recebe ficam unidos; e o objetivo das oferendas é também, em parte, alcançar uma comunhão com os deuses.

E comum oferecer os primeiros frutos da estação, uma fração  da carne que foi caçada ou da colheita do ano. Trata-se de uma expressão de gratidão aos deuses e, ao  mesmo tempo, do  desejo de  que essa proteção continue.
Vemos, assim, que o sacrifício é necessário tanto  para  os deuses como para o homem. Os deuses se tornam fortes com o sacrifício. Se não houver sacrifícios, eles se debilitam,  o  que  terá efeitos negativos sobre o mundo e a humanidade, possivelmente na forma de doenças e más colheitas.
Isso se evidencia nos sacrifícios encontrados na religião nórdica, cuja intenção era fortalecer os deuses bons, que favorecem o bem e a vida (Aesir e Wanes), para que conseguissem resistir às forças do mal (os Jotuns), que queriam destruir a ordem do universo.

SACRIFÍCIOS DE ALIMENTOS
O motivo principal para o sacrifício de um alimento é alcançar uma comunhão com os deuses. Quase sempre se trata de uma oferenda animal, que depois é  comida pelos  sacrificantes. Em  regra,  o sacrifício é oferecido aos deuses, mas pode acontecer de a oferenda representar o próprio deus.  Nesses casos, parte  do  poder  desse deus  é transmitida àquele que come a oferenda.

SACRIFÍCIOS DE EXPIAÇÃO
Se um indivíduo cometeu um crime contra os deuses e despertou sua ira, deve ser punido. Para apaziguar os deuses e evitar uma vingança, ele pode fazer um sacrifício de expiação. A oferenda —  por exemplo, um animal sacrificial — substitui o culpado e é punida      no lugar dele.

RITOS DE PASSAGEM
Os ritos de passagem se associam às grandes mudanças na condição do indivíduo. As principais transições marcadas por esses ritos são o nascimento, a entrada na idade adulta, o casamento e a morte.

Tais ritos costumam simbolizar uma iniciação. O nascimento é  a iniciação na vida, enquanto a morte é a iniciação numa  nova  condição no reino dos mortos, ou na vida eterna.
De uma forma ou de outra, todas as sociedades têm ritos de passagem, mesmo aquelas em que a  religião  não  desempenha  nenhum papel na vida pública. Em geral, é grande a importância deles nas culturas ágrafas, nas religiões primais. Nestas, os ritos  de  passagem estão claramente ligados às noções de tabu. Tabu é uma palavra polinésia adotada pelos historiadores da religião para indicar uma severa proibição, restrição ou exclusão, e se aplica a algo que é considerado perigoso ou impuro.

NASCIMENTO E MORTE
Um recém-nascido está fisicamente vivo, mas em muitas culturas só é aceito pela família e pela comunidade depois de passar   por  certas   cerimônias.   A   cerimônia  pode  consistir  num   único ato, como o batismo, a circuncisão ou a atribuição do nome. Entre os povos tribais, costuma ser um processo longo, que tem início já na época da concepção e termina pouco após o nascimento, quando a criança é admitida na tribo. A mãe, que se tornou impura com o ato de dar à luz, deve se submeter a uma série de ritos de  purificação  pata  poder  ser recebida na comunidade.
Assim como um bebê não está "propriamente vivo" antes dos ritos associados com o nascimento, um cadáver, em determinadas sociedades, não está "propriamente morto" antes de ser enterrado. Os ritos de sepultamento são necessários a fim de  que  o  falecido possa  ser aprovado e acolhido pela comunidade dos  mortos.  Alguém  que não seja enterrado de acordo com o costume está arriscado a ter uma existência errante, sem descanso, vagando entre o reino dos vivos e o dos mortos.
O significado de vários ritos de passagem se destaca nas comunidades cuja vida religiosa dá muita importância ao culto aos ancestrais. Um nascimento implica o prolongamento da linhagem familiar e a continuação do culto  aos  ancestrais.  O  casamento  une um homem e uma mulher vindos de duas  famílias  distintas,  e  é preciso que os ancestrais de ambos os lados aprovem o casamento e a união das duas famílias.
Quando um indivíduo morre, a tribo perde um de seus membros e advém uma crise. A vida e a tribo  são  ameaçadas  por  forças hostis, e devem se realizar cerimônias para restabelecer o equilíbrio normal da vida. Ao mesmo tempo, os ritos de sepultamento ajudam o falecido a chegar são e salvo ao reino dos mortos, onde ele continuará a viver juntamente com seus antepassados.

RITOS DE PUBERDADE
A puberdade indica a transição da  infância  para  a  idade adulta, do menino para o homem, da menina para a mulher. Ser sexualmente maduro, porém, nem sempre basta para garantir ao indivíduo o pleno status de membro da sociedade adulta. A confirmação, ou crisma, que é de origem religiosa, muitas vezes é considerada, no mundo ocidental, uma iniciação na idade adulta.
Os ritos de puberdade propriamente ditos são praticados com mais freqüência em sociedades tribais. A seguir, quatro aspectos relevantes desses ritos:
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É comum a circuncisão dos órgãos sexuais, tanto masculinos como femininos. Não se sabe ao certo a origem desse rito, mas em alguns casos ele pode ser associado à crença de que o ser humano originalmente era hermafrodita. O rito realça a diferença entre os sexos, e mostra aos homens e às mulheres o lugar que devem ocupar na sociedade. Enquanto nos meninos a circuncisão pode prevenir certas doenças, nas mulheres reduz a capacidade de desfrutar da atividade sexual. Em. conseqüência, existe hoje uma pressão para se banir a circuncisão feminina, mais corretamente chamada de excisão do clitóris, uma mutilação dos órgãos genitais femininos.

A iniciação implica  o ensino  de tradições  tribais,  leis religiosas, direitos e deveres, habilidades de  caça  e  pesca,  perícia na luta e nas tarefas práticas. O jovem deve aprender as narrativas sagradas e os ritos tradicionais. Homens e mulheres  podem  ter  seus respectivos segredos religiosos, que não devem ser revelados para o sexo oposto.
Em muitas tribos, os garotos têm que passar por testes de resistência para demonstrar  sua coragem  e força  física.  Sofrem espancamentos e tormentos  físicos  e psicológicos. Às vezes  se praticam mutilações, cortando dedos ou extraindo dentes.
Geralmente a iniciação é tida como  um  novo  nascimento. De fato, o simbolismo dos ritos vai ainda mais longe: a iniciação se torna uma morte seguida de um renascimento. A infância  terminou e a criança deve morrer, para que possa nascer novamente como adulto. Em alguns  casos,  os jovens  são  deitados em túmulos especiais ou são pintados de branco para ficar parecidos com os mortos.
As torturas que os jovens devem suportar também podem simbolizar a morte, e há exemplos em que a circuncisão  ê  vista  como um falecimento.
Do mesmo modo, o renascimento é simbolizado de várias maneiras. Pode-se dar ao jovem um outro nome, indicando assim que ele agora é um indivíduo totalmente novo. Outras vezes ele aprende uma nova língua, isto é, palavras secretas que  só  são compreendidas pelos iniciados. Ou ainda é alimentado  e tratado como se fosse um bebê.
Esse simbolismo do nascimento e da morte pode ser  visto  num contexto mais  amplo: ele reitera  a história  da criação  do mundo. A morte representa caos e confusão, enquanto um novo nascimento, ou nova criação, significa que a ordem, o equilíbrio e a harmonia foram restabelecidos. A transformação de um estado em outro, sempre uma fase crítica, foi realizada.
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 Ética — a relação entre os humanos

As religiões com freqüência não fazem distinção entre o plano ético e o plano religioso. Os costumes da tribo, as regras ou  os  princípios morais da casta são tão religiosos quanto os sacrifícios e as orações. Entre os dez mandamentos que Moisés deu aos judeus havia   os que tratavam de religião — "Não terás outros deuses  diante  de  mim" — e os relativos à ética — "Não matarás". Incluem-se nos cinco pilares dos muçulmanos tanto o orar a Deus como o dar esmolas aos pobres. Não há aqui distinção entre a ética e  a  religião. A  noção do  ser humano como uma criação divina implica que ele é responsável perante Deus por tudo o que faz, ritual, moral, social e politicamente.
Pregadores religiosos muitas vezes iniciaram debates sobre assuntos especificamente éticos. Os profetas do antigo  Israel  atacavam os ricos e poderosos que observavam fielmente os rituais, mas pisoteavam os pobres. O ponto de vista moral desses profetas  tinha, porém, uma justificativa religiosa.
As sociedades onde coexistem várias religiões e vários pontos  de vista consideram mais difícil vincular a ética exclusivamente à religião. A sociedade precisa ter  suas  linhas  mestras  éticas,  e algumas delas são preservadas nas leis. Os romanos  foram  os  primeiros a tentar de maneira sistemática criar  um  arcabouço  legal que pudesse ser usado por todos os povos, independentemente da religião. O direito romano se tornou a base para todos os sistemas legais subseqüentes nos Estados seculares modernos. Em certos países muçulmanos há dois sistemas agindo em paralelo: um baseado no Corão, outro no direito romano. Hoje muitos países aceitam a Declaração dos Direitos Humanos, proclamada pelas Nações Unidas, como uma afirmação ética comum, seja qual for a religião ou a perspectiva geral do país.

Organização

Um aspecto importante em todas as religiões é a irmandade entre seus seguidores. Formam-se tipos específicos de comunidades regulamentadas e são nomeados representantes para dirigir o culto religioso.
No caso dos povos tribais, existe pouca,  ou  até  mesmo  inexiste, divisão funcional especificamente religiosa. A tribo constitui uma estrutura social, política e religiosa, e com freqüência o próprio chefe é o sacerdote. Contudo, há sociedades sagradas das quais só podem participar pessoas selecionadas — em geral homens.
No Egito antigo, na Grécia clássica e  na  Noruega dos  vikings, a relação era simples: a religião era parte de uma cultura comum. Situação semelhante se vivia na Europa medieval, quando a Igreja católica tinha poder absoluto, ou então, nos dias de hoje, em certos países muçulmanos, onde todo o poder religioso e político pertence a um líder nacional (por exemplo, o rei do Marrocos).
Nos lugares onde várias convicções religiosas devem conviver lado a lado, a questão da organização se torna mais complicada. Quando se funda uma nova religião, rompendo com  as  tradições  locais de culto, forma-se uma nova congregação que estará em  minoria, pelo menos no início. Foi essa a situação dos seguidores do Buda, de Maomé e de Jesus, e através da história tem sido o destino     de todos os grupos que se libertaram das grandes religiões e criaram suas próprias igrejas ou seitas.  Nessas  comunidades  o  vínculo  entre os membros por vezes é mais forte do que nas religiões estatais ou locais.
Uma cerimônia realizada logo após o nascimento é  o  passaporte para todas as religiões estatais. Há também religiões tradicionais, nas quais a pessoa já nasce, ou seja, é incluída sem nenhuma formalidade particular. Já em outras comunidades eclesiásticas, é necessário que o aspirante solicite sua admissão.
Muitas religiões têm ordens especiais que impõem regras estritas a seus membros. As mais comuns são as ordens de monges e freiras, cujos noviços e noviças devem prometer guardar o celibato e aceitar a pobreza pessoal.
Excetuando-se certas religiões primais, a maioria possui "funcionários" próprios, com responsabilidade exclusiva pelas formalidades do culto e por outras tarefas religiosas. Os padres, os líderes de culto e os curandeiros têm deveres  religiosos  diferentes,  mas todos eles desfrutam de um status superior  especial.  Os  sacerdotes também costumam agir como líderes da organização de seu rebanho e podem pertencer a uma  entidade  maior,  comandada  por um bispo ou arcebispo. Determinadas organizações (como a Igreja católica romana) são rigidamente estruturadas em linhas internacionais e contam com um líder absoluto. Outras igrejas podem atuar no plano nacional (como a da Noruega) ou no plano da congregação local (como o pentecostalismo).

Experiência

A religião nunca é vinculada apenas ao intelecto. Ela envolve igualmente as emoções, que são tão essenciais na  vida  humana  quanto o intelecto e a capacidade de pensar. A música, o canto e a dança apelam para as emoções. Na maioria das religiões, as pessoas extravasam a tristeza ou a alegria pela música instrumental e pelo  canto; em algumas, também pela dança, que é um meio bastante  antigo de expressão religiosa. Nos rituais cristãos, os hinos cantados em coro e a música de órgão são parte importante da  experiência  geral. Muitas igrejas e templos contêm, ainda, obras de arte —  pinturas, esculturas e  peças de  altar —  que acendem a imaginação e  as emoções.
 Misticismo

A EXPERIÊNCIA MÍSTICA
A experiência mística pode ser caracterizada, resumidamente, como uma sensação direta de  ser um  só  com Deus ou  com  o  espírito
 do universo. Apesar de a oração e o sacrifício implicarem uma grande distância entre Deus e o homem — ou entre Deus e o mundo —, o místico tenta transpor esse abismo. Em outras palavras: o místico não sente a existência desse abismo. Ele é "absorvido" em Deus, "se perde" em Deus, ou "desaparece" em Deus. Isso porque aquilo a que normalmente nos referimos como "eu" não é nosso eu real. O místico experimenta, pelo menos por instantes, a sensação  de  ser  indivisível de um eu maior — não importa que ele dê a isso o nome de Deus,
 espírito universal, o eu, o vazio, o universo ou qualquer outra coisa. (Um místico indiano disse certa vez: "Quando eu existia, não existia Deus — agora Deus existe, e eu não existo mais". Ele "se perdeu" em Deus.)
No entanto, uma experiência dessas não acontece espontaneamente.    O     místico    deve    percorrer    "o    caminho    da purificação e da iluminação" até seu encontro com Deus. E esse caminho — que pode ter uma série de níveis ou  estágios  —  muitas vezes inclui  o ascetismo,  exercícios respiratórios e  técnicas  complexas de meditação. É então que, de súbito, o místico alcança seu objetivo e pode exclamar: "Eu sou Deus!", ou: "Glória a mim! Como é grande minha majestade!".
O incentivo de um místico com freqüência é um amor ardente por Deus. Assim como o amante se esforça para se unir com o objeto   de seu amor, o místico se esforça para se tornar  um só com Deus. Há  um anseio que permeia o mundo todo. Essa radiância divina que se encontra no homem, anseia por se libertar de sua existência individual.  Pois  aquele  que  anseia  por  Deus,  anseia  simplesmente por  aquilo que  Deus anseia. É  nesse êxtase místico — ou união mística —que se dá o encontro com Deus. "Eu sou aquilo que amo", exultava um místico persa, "e Aquele a quem amo sou eu!"

TENDÊNCIAS MÍSTICAS
Podemos encontrar tendências místicas em todas as grandes religiões do mundo. E as descrições que os místicos nos fornecem da experiência mística demonstram uma notável uniformidade,  apesar  das fronteiras sociais, culturais e religiosas, e de enormes diferenças cronológicas e geográficas. Isso nos permite falar de uma dimensão mística em todas as religiões, e foi por essa razão  que  o  filósofo  alemão Leibniz chamou o misticismo de philosophia perennis: a "filosofia perene".

CARACTERÍSTICAS DO ESTADO MÍSTICO
Com base nos relatos de místicos de várias épocas e culturas, normalmente são atribuídas as seguintes características à experiência mística:

*             O místico sente uma unidade em todas as coisas. Há apenas uma consciência — ou um Deus — que permeia tudo.
*             Embora o místico já venha se preparando há muito tempo para seu encontro com Deus, ou com o espírito universal, sente-se passivo quando isso acontece. É como se ele fosse tomado por uma força externa.
*             Essa condição se caracteriza pela intemporalidade. O místico se sente arrancado para fora da existência normal de quatro dimensões.
*             O êxtase em si é transitório, e em geral não dura mais que alguns minutos.
*             Mas ele possibilita um novo insight, que permanece com o místico depois da experiência.
*             Essa compreensão é inexprimível, não pode ser comunicada a outros.
*             Como a experiência é paradoxal em si mesma, o místico vaiusar paradoxos ao tentar descrever o estado que experimentou. Assim, pode definir o ser encontrado como "abundância e vazio", "escuridão ofuscante" ou algo parecido.

É somente quando o místico apresenta uma interpretação religiosa ou filosófica de sua experiência mística que o seu contexto cultural entra em foco. Especialmente no misticismo ocidental (cristianismo, judaísmo e islã), o místico irá  ressaltar  que  seu encontro foi com um Deus pessoal. Mesmo que tenha sido "absorvido em Deus", ele costuma dar ênfase ao fato de que havia uma certa distância entre Deus e o mundo. Algo  da  relação eu-tu, ou  eu-Deus, se  mantém. Esse  tipo  de  misticismo já  foi  chamado de   misticismo
 teísta, No misticismo oriental (hinduísmo, budismo e taoísmo)  é  mais comum afirmar uma identidade total entre o indivíduo e a divindade, ou o espírito universal. Poderíamos  dizer  que  esse  encontro do místico com a divindade ocorre como uma relação eu- eu. Sim, pois Deus não está presente como uma mera  centelha na alma do homem. O divino existe em todas as coisas deste mundo, é  uma realidade imanente. Já se denominou esse tipo de misticismo de misticismo panteísta.
Também para o homem moderno a dimensão mística pode desempenhar um papel decisivo. Muitas pessoas reconhecem que tiveram experiências místicas, sem atribuí-las a nenhuma religião específica. É típico desses "místicos modernos" o fato de que, de modo geral, não tomaram nenhuma atitude ativa para se transportar a um estado místico. De repente, no meio da agitação rotineira da vida diária, experimentaram aquilo que chamam de "consciência
 cósmica", "sensação oceânica" ou "osmose mental".
Tipos de religião

RELIGIÕES E TIPOS DE SOCIEDADE
As ciências da religião tentam dividir as religiões em três categorias, que de certa forma coincidem com três tipos distintos de sociedade.

RELIGIÕES PRIMAIS
São aquelas que os estudiosos  costumavam  chamar  de  "religiões primitivas" e que se encontram, ou se encontravam, em culturas ágrafas, entre os povos tribais da África, Ásia, América do Norte e do Sul e Polinésia. A marca  mais  característica  dessas  religiões é a crença numa miríade de forças, deuses e espíritos que controlam a vida cotidiana. O culto aos antepassados e os ritos de passagem desempenham um papel  importante.  A  comunidade religiosa não se separa da vida social, e o sacerdócio normalmente é sinônimo de liderança política da tribo.

 RELIGIÕES NACIONAIS
Estas incluem grande número de religiões históricas que não são mais praticadas: germânica, grega, egípcia e  assírio-babilônica.  Hoje podemos encontrar vestígios delas, por exemplo, no xintoísmo japonês.
É típico das religiões nacionais adotar o politeísmo, uma série de deuses organizados num sistema de hierarquia e funções especializadas. Elas têm também um sacerdócio permanente, encarregado dos deveres rituais em templos construídos para esse fim. Há sempre uma mitologia bem desenvolvida, o culto sacrificial é básico, e os deuses é que escolhem o líder da  nação  (monarquia  sacra).

AS RELIGIÕES MUNDIAIS
 As religiões mundiais pretendem ter uma  validade  mundial,  ou, em outras palavras, uma validade para todas as pessoas. São para todos. São conhecidas também como religiões universais.
A principal característica das religiões universais surgidas no Oriente Médio é o monoteísmo: elas têm um só Deus. Dá-se grande peso à relação do indivíduo com Deus e à sua salvação. O papel do sacrifício é bem menos proeminente nelas do que nas religiões nacionais, ao passo que o da oração e da meditação é mais importante. As religiões universais foram criadas por profetas fundadores cujos nomes são conhecidos: Moisés, Buda,  Lao-Tse,  Jesus, Maomé.
Por último, devemos ressaltar que os limites entre esses três tipos de religião são fluidos. As religiões nacionais muitas vezes constituem evoluções que acompanharam o desenvolvimento geral da sociedade (ao passar de uma sociedade tribal para  um  Estado  nacional). Assim também, certas religiões mundiais emergiram de religiões nacionais, como um protesto  contra  determinados  aspectos de seu culto e de suas concepções religiosas.


Religiões orientais e ocidentais

Já houve muitas tentativas  de  classificar  as  religiões mundiais em orientais e ocidentais. Consideram-se ocidentais o judaísmo, o islã e o cristianismo, enquanto as principais religiões orientais são o hinduísmo, o budismo e o taoísmo.


                         
Fonte: GAARDER, Josteins; HELLERN , Victor; NOTAKER, Henry. Livros das Religiões. - 



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