Introdução
Quem sou? De onde venho? Para onde vou?
As crianças logo se tornam curiosas.
Uma criança de
três anos pode fazer perguntas que os adultos não conseguem responder.
Uma de cinco anos pode refletir sobre os mesmos enigmas que um idoso.
A necessidade de se orientar na
vida é fundamental para os seres humanos. Não precisamos apenas de comida e
bebida, de calor,compreensão e contatos físicos; precisamos também
descobrir por que estamos vivos.
Nós perguntamos:
* Quem
sou eu?
* Como
foi que o mundo passou a existir?
* Que
forças governam a história?
* Deus
existe?
* O
que acontece conosco quando morremos?
Essas são as chamadas questões
existenciais, pois dizem respeito a
nossa própria existência.
Muitas questões existenciais são
bastante gerais e
surgem em todas as culturas. Embora nem sempre sejam
expressas de maneira tão sucinta, elas formam a base de
todas as religiões. Não existe nenhuma raça ou tribo de que haja registro que
não tenha tido algum tipo de religião.
Em certos períodos da história,
houve gente que colocou questões existenciais numa base puramente humana, não
religiosa. Mas foi só há pouco tempo que
grandes grupos de pessoas pararam de pertencer a qualquer religião reconhecida.
Isso não implica necessariamente que tenham perdido o interesse pelas
relevantes questões existenciais.
Alguém já disse que viver é
escolher. Muitas pessoas fazem es- colhas sem pensar com seriedade se estas
são congruentes, ou
se existe alguma coerência em sua
atitude com relação à vida. Outras sentem necessidade de moldar a atitude delas
de maneira mais abrangente e estável.
Cada um de nós tem uma visão da
vida. A questão
é: até que ponto fomos nós mesmos
que a escolhemos, até que ponto ela é nossa própria visão? Até que ponto
estamos conscientes de nossa visão?
Face a face com a morte
Duas histórias reais demonstram
como a vida cotidiana pode estar interligada a profundas questões existenciais.
A primeira se passou durante a Segunda Guerra Mundial; a outra, na América Central de nossos dias.
Quando Kim Malthe Bruun tinha
dezessete anos, a guerra estourou e ele testemunhou a profanação de importantes
valores humanos por parte de uma potência estrangeira invasora. Após um ano, em
1941, Kim foi ser marinheiro, mas no outono de 1944 desembarcou na Dinamarca e
entrou no movimento ilegal de resistência. Alguns meses depois acabou preso
pelos alemães, e em abril de 1945 foi
condenado à morte e fuzilado.
Não era raro os jovens assumirem
a luta contra a ditadura nazista. Se ela acontecesse hoje, talvez você e seus
amigos também se envolvessem nessa luta. Como você acha que reagiria se
fosse condenado a morte? O que
escreveria quando os guardas da prisão lhe dessem lápis e papel para que você
deixasse uma última carta a seus parentes mais próximos?
O que Kim escreveu, nós sabemos.
A última carta para
sua mãe contém a seguinte
passagem:
Hoje Jörgen, Niels, Ludvig e eu
nos apresentamos diante
de um tribunal militar. Fomos
condenados à morte. Sei que você é uma mulher forte e conseguirá suportar tudo
isso, mas quero que compreenda. Eu sou apenas uma coisa insignificante, e
como pessoa logo serei esquecido;
mas a idéia, a vida, a inspiração de que estou imbuído continuarão a viver.
Você as verá em todo lugar
— nas árvores na primavera, nas pessoas que encontrar, num sorriso
carinhoso.
Em março de 1983, Marianella
Garcia Villas foi assassinada pelos militares na república centro-americana de
El Salvador. Fazia vários anos que as forças do governo e os guerrilheiros rebeldes
travavam uma feroz guerra civil. Durante essa guerra, uma facção do
Exército, juntamente com extremistas, havia raptado e assassinado milhares de
pessoas. A jovem advogada Marianella formou um comitê de direitos humanos para
investigar casos de desaparecimento e tortura. Em decorrência, acabou indo para
a "lista negra" dos
terroristas. Ela sabia que sua vida corria perigo.
Como você teria reagido a uma
ameaça desse tipo? A reação de Marianella foi continuar a luta. No início
de 1983, ela visitou uma
das zonas de guerra, numa missão do
Comitê de Direitos Humanos. Ela nunca mais voltou. Porém, uma carta que
escreveu em 1980 nos conta qual era o impulso que a movia:
Eu luto pela vida: um trabalho
real, que vale a pena.
Não tenho nenhum desejo de
morrer, mas já vivi tão perto da morte e
de suas consequências que a vejo
agora como algo natural. Todos nós devemos morrer um dia, mas a morte sempre
virá cedo demais para o homem ou a mulher que tem uma intensa sede de viver.
Cada minuto que passa tem um significado, uma profundidade maior do que
qualquer outra coisa, mesmo que pareça comum e
rotineiro. Cada rajada de vento,
cada canto da cigarra, cada revoada de pombos é como um poema.
Sei que os que trabalham pela
justiça sempre terão o direito a seu lado e receberão a ajuda de Deus;
estes irão prevalecer,
e a verdade resplandecerá.
É melhor ser rico de espírito do
que em bens materiais.
Alegria de viver
Marianella e Kim lutaram por
idéias e valores em que acreditavam. Chegaram até a sacrificar a vida pelo que
consideravam certo. Contudo, uma filosofia de vida não se manifesta somente em
guerras e situações de tensão. Não se associa apenas a feitos heróicos e a grandes idéias. Nossa visão da vida
também trata de
coisas íntimas — como nossa atitude para com a família e os amigos, para
com o trabalho e o lazer. Nossa perspectiva está ligada ao próprio
modo como desfrutamos a vida. "Cada revoada de pombos é como um
poema", escreveu Marianella em sua carta. E Kim,
sentado em sua
cela à espera da morte, escreveu sobre as árvores na primavera e um
sorriso carinhoso.
Se esses dois defensores da
liberdade tinham alguma
coisa em comum, era a experiência
de que a vida é algo infinitamente precioso. As cartas de Kim e Marianella
irradiam a experiência de valores fundamentais que para nós, na nossa vida
diária, podem por vezes passar despercebidos.
Será que precisamos enfrentar a
morte cara a cara antes de podermos experimentar a vida?
Será que precisamos ver nossas idéias
e nossos ideais ameaçados e pisoteados para que possamos compreendê-los?
"Os que nunca vivem o
momento presente são os que
não vivem nunca — e o que dizer
de você?", escreve o poeta dinamarquês Piet Hein, num de seus poemas. O
pintor e escritor finlandês Henrik Tikkanen expressa uma idéia semelhante na
seguinte máxima, ou aforismo, que nos dá o que pensar: "A vida começa quando
descobrimos que estamos vivos".
Conhecimento
religioso
O que é religião? É o batismo
numa igreja cristã. É a adoração num templo budista. São os judeus com o rolo
da Torá
diante do Muro das Lamentações em
Jerusalém. São os peregrinos reunindo-se diante da Caaba em Meca.
Em seguida podemos perguntar:
será que
essas atividades têm alguma coisa em comum? Será que seus participantes
compartilham algum sentimento semelhante a respeito do que fazem? E por que
fazem o que fazem? O que isso significa para eles? E como afeta a sociedade em
que vivem?
São essas as questões que as
ciências da religião procuram responder.
O pesquisador investiga de
uma perspectiva externa todas as
religiões, buscando semelhanças e diferenças, e tenta descrever o que vê.
A descrição dele
nem sempre é
plena e exaustiva,
se comparada aos sentimentos de um crente acerca de sua religião.
É como o que acontece com a
música. Um especialista em teoria musical pode explicar de que maneira uma
composição foi construída, e descrever suas tonalidades e seus instrumentos,
mas jamais conseguirá recriar a experiência que a música transmite. Isso é
ainda mais óbvio quando se trata de comida. Um nutricionista pode explicar que
certo alimento consiste numa dada mistura de componentes orgânicos, e que, se for resfriado a uma determinada temperatura,
terá um gosto doce e fresco ao entrar em contato com o palato humano; mas isso
nunca será a mesma coisa que tomar de fato um sorvete.
****
Isso não quer dizer que o estudioso das
religiões não possa ser religioso. O escritor italiano Umberto Eco,
falando das relações
entre os estudos
de literatura comparada
e a própria
literatura, fez a seguinte
observação: "Até os ginecologistas podem
se apaixonar". O importante é
não deixar que durante a
pesquisa as crenças
e os sentimentos
pessoais influenciem o material que está sendo estudado. Esse
distanciamento permite ao pesquisador divulgar informações sobre a religião que
são valiosas tanto para o indivíduo como para a sociedade.
***
Por que ler sobre as religiões?
Um rápido olhar para o mundo ao
redor mostra que a religião desempenha um papel bastante significativo na vida
social e política de todas as partes do globo. Ouvimos falar de católicos e
protestantes em conflito na Irlanda do Norte, cristãos contra muçulmanos nos
Bálcãs, atrito entre muçulmanos e hinduístas na Índia, guerra entre hinduístas
e budistas no Sri Lanka. Nos Estados Unidos e no Japão há seitas religiosas
extremistas que já praticaram atos de terrorismo. Ao mesmo tempo, representantes
de diversas religiões promovem ajuda humanitária aos pobres e destituídos do
Terceiro Mundo. É difícil adquirir uma compreensão adequada da política
internacional sem que se esteja consciente do fator religião.
Um conhecimento religioso sólido
também é útil num mundo que se torna cada vez mais multicultural. Muitos de nós
viajam para o exterior, entrando em contato com sociedades que têm diferentes
valores e modos de vida, ao mesmo tempo que imigrantes e refugiados chegam a
nossa própria porta, confrontando-se com um sistema social que lhes é
totalmente estranho.
Além disso, o estudo das
religiões pode ser importante para o desenvolvimento pessoal
do indivíduo. As
religiões do mundo
podem responder a perguntas que o homem vem fazendo desde tempos
imemoriais.
Tolerância
Tolerância, ou seja, respeito
pelas pessoas que têm pontos de
vista
diferentes do nosso, é uma palavra-chave no
estudo das religiões. Não significa necessariamente o desaparecimento das
diferenças e das contradições, ou que não importa no que você acredita, se
é que
acredita em alguma
coisa. Uma atitude tolerante
pode perfeitamente coexistir com uma
sólida fé e com
a tentativa de converter os outros.
Porém, a tolerância não é
compatível com atitudes como zombar das opiniões alheias ou reutilizar da força e de ameaças. A tolerância
não limita o direito de
fazer propaganda, mas exige que
esta seja feita com respeito pela opinião dos outros.
Os registros da história mostram
inúmeros exemplos de fana- tismo e intolerância. Já houve lutas de uma religião
contra outra e se travaram diversas guerras em nome da religião. Muitas
pessoas já foram perseguidas por causa de suas
convicções, e isso continua acontecendo nos dias de hoje.
Com frequência, a intolerância é
resultado do conhecimento insuficiente de um assunto. Quem vê de fora uma
religião, enxerga ape-nas suas manifestações, e não o que elas significam para
o indivíduo que a professa.
Para os cristãos, a sagrada
comunhão tem um significado especial. No entanto, uma descrição objetiva
do ato
da comunhão não poderia oferecer uma visão real do que
a comunhão representa para um cristão.
O respeito pela vida religiosa dos outros, por
suas opiniões e seus pontos de vista, é
um pré-requisito para a coexistência humana. Isto não significa que devemos
aceitar tudo como igualmente correto, mas que cada um tem o direito de ser
respeitado em seus pontos de vista, desde que estes não violem os direitos
humanos básicos.
Como começaram as religiões?
Foram registradas várias formas
de religião durante toda a história. Já houve muitas tentativas de explicar
como surgiram as religiões. Uma das explicações é que o homem logo começou a
ver as coisas a seu redor como animadas. Ele acreditava que os animais, as
plantas, os rios, as montanhas, o sol, a lua e as estrelas continham
espíritos, os quais
era fundamental apaziguar.
O antropólogo E. B. Tylor (1832-1917) batizou essa crença
de animismo. Tylor foi influenciado
pela teoria de
Darwin sobre a
evolução. Segundo ele, o desenvolvimento religioso
caminhou paralelamente ao
avanço geral da humanidade, tanto
cultural como tecnológico, primeiro em direção ao politeísmo (crença em
diversos deuses) e depois ao monoteísmo (crença num só deus). Tylor concluiu
que os povos tribais não haviam ido além do estágio da Idade da Pedra e,
portanto, praticavam esse mesmo
tipo de animismo.
Hoje essa teoria
do desenvolvimento foi
rejeitada, e há
um consenso geral
de que animismo
não é uma caracterização adequada para a religião
dos povos tribais.
Alguns pesquisadores vêem a
religião como um produto de fatores sociais e psicológicos. Essa explicação é
conhecida como um modelo reducionista, pois reduz a religião a apenas um
elemento das condições sociais ou da vida espiritual do homem. Karl Marx, por
exemplo, sustentava que a religião, assim como a arte, a filosofia, as idéias e
a moral, não passava de um dossel por cima da base, que é econômica. O que
dirige a história, de acordo com ele, é
o modo como a produção se organiza e
quem possui os meios de produção, as
fábricas e as máquinas. A religião simplesmente refletiria essas
condições básicas.
Nas
modernas ciências da religião
predomina a idéia de que a religião é um elemento independente,
ligado ao elemento social e ao elemento psicológico, mas que tem sua própria
estrutura. Os ramos mais importantes das ciências da religião são a sociologia
da religião, a psicologia
da religião, a
filosofia da religião
e a fenomenologia religiosa.
Definindo a religião
Muitas pessoas já tentaram
definir religião, buscando uma fórmula que se adequasse a todos os tipos de
crenças e atividades religiosas — uma espécie de mínimo denominador comum.
Existe, naturalmente, até um risco nessa tentativa, já que ela parte
do princípio de que as religiões podem ser comparadas. Esse é um
ponto em que nem todos os crentes
concordam: eles podem dizer, por exemplo,
que sua fé
se distingue de
todas as outras
por ser a única
religião verdadeira, ao passo que todas as
outras não passam de ilusão, ou, na melhor das hipóteses, são
incompletas. Há também pesquisadores cuja opinião é que o único método
construtivo de estudar as religiões
é considerar cada
uma em seu
próprio contexto histórico e cultural. Contudo, há mais de um
século os estudiosos da religião tentam
encontrar traços comuns
entre as religiões.
O problema é que eles interpretam as semelhanças de maneiras
diferentes. Alguns as consideram resultado do contato e
do intercâmbio entre grupos
raciais; segundo eles, as diferentes
fés e ideias se espalharam do mesmo modo que outros
fenômenos culturais, como a roda e o arado.
Outros pesquisadores fazem
comparações a fim de descobrir o
que caracteriza o conceito de religião em si. E aí que as definições entram em
cena. Vamos começar por algumas das mais famosas:
***
A religião é um sentimento ou uma
sensação de absoluta dependência.
Friedrich Schleiermacher
(1768-1834)
****
Religião significa a relação
entre o homem e o poder sobre-
humano no qual ele acredita ou do
qual se sente dependente. Essa relação se ex-pressa em emoções especiais
(confiança, medo), conceitos (crença) e ações (culto e ética).
C. P. Tiele (1830-1902)
***
A religião é a convicção de que
existem, poderes transcendentes, pessoais ou impessoais, que atuam no mundo, e
se expressa por insight, pensamento, sentimento, intenção e ação.
Helmuth von Glasenapp (1891-1963)
***
O sagrado
Nos primeiros anos do século XX,
o sueco Nathan Söderblom (1866-1931), arcebispo e estudioso das religiões, ofereceu
uma definição baseada nos
sentimentos humanos: "Religiosa ou piedosa é a pessoa para quem algo é
sagrado".
Sagrado se tornou uma palavra-chave
para os pesquisadores da religião no século XX: descreve a natureza da religião
e o que ela tem de especial. Esse termo ganhou realce numa obra sobre
psicologia da religião, A idéia do sagrado, de Rudolf Otto, publicada em 1917.
O sagrado é das ganz Andere, o
"inteiramente outro", ou seja, aquilo que é totalmente
diferente de tudo o mais e que, portanto, não pode ser descrito em
termos comuns. Otto fala de uma
dimensão especial da existência, a que chama de misterium tremendum et
fascinosum (em latim, "mistério tremendo e fascinante"). É uma
força que por um lado engendra um
sentimento de grande
espanto, quase de temor, mas por outro
lado tem um
poder de atração ao qual é difícil resistir.
Otto já foi criticado, refutado,
plagiado e ampliado. Um dos que adotaram essa noção de sagrado foi o romeno
Mircea Eliade, estudioso de religiões, em seu livro O sagrado e o profano. Ele
elogia Otto e diz que seu sucesso como estudioso de religiões se deve a essa
nova perspectiva que passou a abraçar. Em vez de estudar termos como Deus e
religião, Eliade analisou vários tipos de "experiência religiosa" dos
seres humanos. Ele começa com uma definição muito simples do que é o sagrado: é
o oposto do profano. Em seguida, põe-se
a considerar o significado original dessas palavras.
Sagrado indica algo que é separado e consagrado; profano
denota aquilo que está em frente ou do lado de fora do templo.
Eliade acredita que o homem obtém seu conhecimento do sagrado
porque este se
manifesta como algo
totalmente diferente do profano.
Ele chama isso de hierofani, palavra grega que significa, literalmente,
"algo sagrado está
se revelando para nós". E o que sempre acontece, não
importa se o sagrado se manifesta numa pedra, numa árvore ou em Jesus
Cristo. Alguém que adora uma
pedra não está prestando
homenagem à pedra em si. Venera a pedra
porque esta é um
hierofani, ou seja, ela aponta
o caminho para
algo que é
mais do que
uma simples pedra: é "o sagrado". Neste livro, em vez de
darmos uma definição fixa e universal de religião, nós a estudaremos de quatro ângulos:
* conceito (crença);
* cerimônia;
* organização,
e
* experiência.
Conceito (crença)
A religião sempre teve um aspecto
intelectual. O crente tem idéias bem definidas sobre como a humanidade e o
mundo vieram a existir, sobre a divindade e o sentido da vida. Esse é o
repertório de idéias da religião, que se expressam por cerimônias religiosas
(ritos) e pela arte, mas em primeiro lugar pela linguagem. Tais expressões
lingüísticas podem ser escrituras
sagradas, credos, doutrinas
ou mitos.
MITOS
Um mito é uma história que
geralmente acompanha um rito.O rito com freqüência reitera um ato em que o mito
se baseia. Assim, o mito religioso tem um significado mais profundo do que a
lenda e os contos folclóricos. O mito procura explicar alguma coisa. E uma
resposta metafórica para as questões fundamentais: de onde viemos e para onde
vamos? Por que estamos vivos e por que morremos? Como foi que a humanidade e o
mundo passaram a existir? Quais são as forças que controlam o desenvolvimento
do mundo?
Muitas vezes os mitos elucidam
algo que aconteceu no princípio dos tempos, quando o mundo ainda
era jovem. Por exemplo, a maioria das
religiões tem seus mitos de
criação, que explicam como o mundo surgiu. O objetivo principal deles
não é revelar fatos geral da existência.
Os conceitos religiosos, que
também encontram sua expressão em mitos, podem ser divididos, de modo geral, em
três tipos: conceitos sobre um deus ou vários deuses, conceitos sobre o mundo e
conceitos sobre o homem.
Conceitos de divindade
MONOTEÍSMO
A crença que prevalece na maioria
das grandes religiões ocidentais é o monoteísmo, isto é, a convicção de que
existe um só deus. Há exemplos em muitas religiões de
que o monoteísmo nasceu como reação à adoração de vários deuses (politeísmo). O
islã tem suas raízes numa renovação ou reforma da antiga religião dos nômades
árabes, a qual possuía numerosos deuses tribais.
MONOLATRIA
A monolatria é uma crença situada
a meio caminho entre o politeísmo e o monoteísmo. Implica a adoração de um
único deus, sem negar a existência
de outros. Um deus é escolhido entre vários —
por exemplo, na religião germânica se podia escolher entre Tor ou Odin,
aquele em que se tivesse total confiança. Aqui a teoria fica em segundo lugar.
O importante não é saber se determinado deus existe ou não, mas se ele é
cultuado. Existem hoje exemplos de monolatria no hinduísmo.
POLITEÍSMO
Em religiões que possuem diversos
deuses, é comum estes terem funções distintas, bem como esferas
definidas de responsabilidade. A criação de animais e a pesca, o comércio e os
diferentes ofícios, o amor e a guerra, podem ter seus próprios deuses. O mundo dos deuses com frequência é
organizado da mesma maneira que o dos homens, numa família ou num Estado.
Alguns pesquisadores acreditam
que as divindades indo- européias (isto é, indianas, gregas, romanas e
germânicas) se estruturam em três classes baseadas na sociedade da época:
* o
monarca (que muitas vezes era também sacerdote);
* a
aristocracia (os guerreiros), e
* os
artesãos, agricultores e comerciantes.
Era comum as pessoas venerarem o
deus que ocupava o mesmo lugar que elas na escala social.
Geralmente o deus supremo é o
deus do céu. Isso não implica que ele habite o céu, mas que se revele no
firmamento e nos fenômenos associados à
abóbada celeste.
Em muitas religiões o deus do céu
faz par com uma divindade feminina. A imagem do casal Céu e Mãe Terra é de fácil
compreensão para uma sociedade agrária. A terra é fértil e dá o alimento
ao homem, mas só depois de receber sol e chuva do céu.
Além dos "deuses-reis", familiares para nós porque se
encontram na mitologia clássica e na germânica, há uma grande quantidade de
deuses menores e espíritos em volta de nós que são patronos de determinadas
doenças ou de certas profissões.
PANTEÍSMO
O panteísmo é uma crença que
difere tanto do monoteísmo como do politeísmo. Aqui a principal convicção é que
Deus, ou a força divina, está presente no mundo e permeia tudo o que nele
existe. O divino também pode ser experimentado como algo impessoal, como a alma do mundo, ou um sistema do mundo. O
panteísmo costuma ser associado ao misticismo, no qual o objetivo do mortal é
alcançar a união com o divino.
ANIMISMO E CRENÇA NOS ESPÍRITOS
Em muitas culturas prevalece a
crença de que a natureza é povoada de espíritos. Isso se chama animismo, da
palavra latina
animus, que significa "alma",
"espírito". Em certa época os historiadores da religião pensavam que o
animismo havia sido a base de toda a religião e que mais tarde ele se
transformou, via politeísmo, em monoteísmo. Mas essa é apenas uma teoria. O que
é certo é que o animismo impera em várias sociedades.
Em
nossa própria cultura
a noção de
espírito está presente em
muitas criaturas relacionadas
com as forças
naturais: espíritos das águas,
duendes, fantasmas e sereias.
Os espíritos dos mortos também
continuam a desempenhar um importante papel na África, na América
Latina, na China e no Japão.
Normalmente as características dos deuses são mais
individualizantes e definidas com mais
clareza que as dos espíritos. E as
divindades em geral têm nome. Mas em inúmeros casos é difícil distinguir de
imediato entre deuses, antepassados e
espíritos. Todos são expressões
da força sobrenatural que banha a
existência. A idéia de uma força ou um poder que regula todos os
relacionamentos na vida humana e
na natureza predomina
sobretudo nas religiões primais. Os historiadores da religião costumam
usar o vocábulo polinésio mana para descrever essa força, que precisa ser
controlada ou aplacada.
Conceito de mundo
Um conceito de mundo bastante
comum é que a Terra foi cria- da ou formada por um ser primordial ou por uma
matéria primordial. A mitologia nórdica
conta a história dos deuses que mataram Ymer,
o gigante da montanha, e do seu corpo formaram o mundo.
Os gregos imaginavam o mundo como
uma confusa massa (caos) que foi organizada por um poder divino
e se transformou no mundo ordenado que hoje conhecemos (cosmos).
A criação pode ser vista ainda
como uma espécie de nascimento, semelhante ao dos seres humanos e
animais. No Egito antigo, circulava a idéia de que o mundo tinha saído de um
ovo, ao passo que a religião xintó explica que as ilhas japonesas são os
filhos do divino casal que criou o
mundo.
A história da criação contada aos
judeus e cristãos no Livro do Gênesis não menciona nenhum material ou
substância primordial: conta de uma criação feita do nada. É
por meio da palavra falada que a criação ocorre. Deus
disse: "Haja luz", e a luz se fez.
***
Muitas religiões também têm
crenças a respeito do fim do mundo, que a mitologia nórdica chama de ragnarok.
A Terra, que foi criada e organizada, está sob a constante
ameaça das forças do mal, as quais querem destruir o sistema do mundo e um dia
irão imperar. O cristianismo e o islã vêem o fim do mundo como algo intimamente
relacionado ao julgamento divino.
As religiões da Índia, da mesma
forma, adotam a idéia de que o mundo
teve um início e um dia vai perecer, mas esse é um processo que
se repete perpetuamente, num
ciclo eterno sem começo
nem fim, assim
como o dia se torna
noite e depois, outra vez, dia.
***
Conceito de homem
A CRIAÇÃO DO HOMEM
A maioria das religiões acredita
que o homem foi criado por Deus, que suas origens são divinas. Nesse contexto,
com freqüência se fala da alma do homem, termo que tem conotações diferentes em
culturas diferentes.
Costuma-se apresentar a alma em
contraste com o corpo, e muitas religiões mostram um dualismo (a convicção de
que algo é dividido em dois), ensinando que o corpo é temporal, e
a alma, divina. Um conceito diz
que a alma desce de um mundo superior e passa a habitar um corpo. Aí ela se
sente trancada, aprisionada pela matéria, e anseia por retornar a suas origens
etéreas.
Na história que o Antigo
Testamento conta, a saber, que Deus criou o homem do barro e soprou a vida em
suas narinas, encontramos outro conceito: na antiga tradição judaica, o homem é
visto como um todo; corpo e alma estão intimamente ligados, e ambos são obra de
Deus.
MORTE
Assim como as origens do homem
requerem uma explicação, a maioria das pessoas se preocupa em saber o que
acontecerá com elas quando morrerem.
As sepulturas dos vikings,
nas quais os
mortos eram enterrados com
armas, ornamentos e comida, mostram que a
idéia da vida após a morte não é nova. Os gregos antigos acreditavam no
Hades, onde os que partiram passavam a levar uma existência tênue, feita de
sombras. O ideal guerreiro da era dos vikings se espelha na crença que
tinham no Valhala,
onde os heróis lutam suas batalhas e morrem durante o dia,
voltando novamente à vida
durante a noite.
Certas tribos indígenas da
América do Norte ainda têm fé na existência dos "eternos campos de
caça", com uma profusão de caça de
todos os tipos.
Em várias sociedades, os mortos
continuam existindo sob a forma de espíritos ancestrais, em íntima proximidade
com os vivos. Eles oferecem aos vivos
segurança e proteção, e em troca exigem
que se façam sacrifícios em seus túmulos.
Quando se pergunta o que continua
vivo, obtêm-se diversas respostas. Em geral, diz-se que é algo chamado de alma,
mas em
muitas tribos africanas não existe a divisão corpo e alma. Mesmo no
cristianismo, a "vida eterna" não é associada a uma "alma eterna".
Menciona-se a "ressurreição do corpo", ou, em outras palavras, a
reconstituição da pessoa inteira. E verdade que o cristianismo fala num
"corpo espiritual", porém isso serve para enfatizar a idéia de
que o homem, após a ressurreição, não
se tornará um espírito indefinido.
As religiões costumam ter idéias
diferentes sobre a salvação. Algumas crêem que o homem pode ser salvo por um
poder divino, ao passo que outras afirmam que ele deve resgatar a si mesmo — e
para isso indicam uma variedade de métodos.
O conceito de transmigração ocupa
uma posição única. Os hinduístas acreditam que a alma se liga a este mundo
pelos pensamentos, pelas palavras e ações humanas, e que quando um indivíduo
morre, sua alma passa para o corpo de outra pessoa ou de um animal. Portanto, a alma está presa nesse
eterno ciclo, até que venha a salvação.
A RELAÇÃO DO HOMEM COM O DIVINO
No islã e no judaísmo o homem
cumpre suas obrigações religiosas se submetendo aos mandamentos de Deus; nas
religiões africanas e indianas, seguindo as regras tribais estabelecidas pelos
ancestrais, e na religião chinesa, alcançando
uma harmonia, ou uma consonância, com as forças básicas da
existência, yin e yang.
Em certas religiões, sobretudo na
Índia, um dos objetivos é atingir a união com a divindade. Para os gregos
antigos isso seria o equivalente a uma blasfêmia, um sacrilégio. Romper as
barreiras que separam o humano do divino era algo conhecido como hybris
(arrogância). Uma idéia semelhante se expressa na história do
Antigo Testamento sobre a queda do homem. A harmonia original do homem
com Deus foi destruída porque o homem tentou imitá-lo.
Cerimônia
A cerimônia religiosa desempenha
um papel importante em todas as religiões.
Nessas ocasiões, segundo certas regras redeterminadas, invoca-se ou louva-se um
deus ou vários
deuses, ou ainda manifesta-se gratidão a ele ou a eles. Tais cerimônias
religiosas, ou ritos, tendem a seguir um padrão bem distinto, ou ritual.
O conjunto das cerimônias religiosas de uma religião
é conhecido como culto ou liturgia. A palavra culto (do verbo latino colere,
"cultivar") é empregada em geral para significar
"adoração", mas na ciência das religiões é um termo coletivo que
designa todas as formas de rito religioso.
O culto promove o contato com o
sagrado, e por isso costuma ser realizado em lugares sagrados (templos,
mesquitas, igrejas), nos quais há objetos sagrados (fetiches, árvores sagradas,
altares). As pessoas que lideram o culto religioso também podem ser sagradas,
ou pelo menos especialmente consagradas a esse trabalho.
As palavras sagradas exercem no
culto uma função relevante: orações, invocações, trechos de textos sagrados e
os mitos, muitas
vezes associados a ritos específicos.
***
Antes de olharmos mais de perto
os diferentes ritos, falemos um pouco da magia.
Magia ê uma tentativa de
controlar os poderes e as forças que operam na natureza. Costuma-se encontrar a
magia em contextos religiosos, e é difícil traçar uma linha divisória nítida
entre a religião e a magia, entre
uma reza e um encantamento. A distinção que mais sobressai é o fato de, na
religião, o indivíduo se sentir totalmente dependente do poder divino. Ele pode
fazer sacrifícios aos deuses ou se voltar para eles em oração; porém, em última
análise, deve aceitar a vontade divina. Quando, por outro lado, o ser humano se
vale dos ritos mágicos, ele está tentando
coagir as forças e potências a obedecer à sua ordem — que com freqüência
consiste em atingir finalidades bem concretas. Desde que os rituais mágicos
sejam realizados corretamente, o mago acredita que os resultados desejados
decerto ocorrerão, por uma questão de lógica. Se ele falhar, irá culpar um erro
em seu ritual, ou o uso de um feitiço
mais forte contra si.
A magia já foi interpretada por
algumas pessoas como origem da ciência, ou um estágio inicial desta. O que faz
o mago, assim como o cientista, é tentar
descobrir um elo entre causa e efeito. De qualquer maneira, ele é forçado a
fazer observações da natureza e a adotar processos empíricos de raciocínio. Sem
dúvida, os magos já fizeram numerosas observações detalhadas sobre as relações
naturais, e muitas das plantas e ervas
usadas pelos curandeiros podem ser utilizadas também pela moderna ciência
médica.
***
ORAÇÃO
De certo modo o mais simples de
todos os ritos, a oração já foi chamada de "casa de força da
religião". Pode ser a comunicação espontânea de um indivíduo com Deus, e
nesse caso não costuma ter uma forma definida, uma vez que é expressa em termos
pessoais.
Já a oração coletiva normalmente
obedece a um padrão bem definido. Pode ser lida, ou cantada em uníssono, ou
entoada como uma antífona, na qual se alternam o que conduz a oração e a
assembléia.
Determinados atos e gestos estão
associados à oração. Muitas comunidades cristãs rezam
ajoelhadas no genuflexório;alguns oram de mãos postas; os muçulmanos se
inclinam até o chão na direção de Meca. A oração também pode
se relacionar à dança. O objetivo da dança pode ser invocar a chuva, ou
preparar seus participantes para a caça ou a guerra. Os
dançarinos usam máscaras
e disfarces, e sua apresentação pode se assemelhar bastante a uma
pantomima ou peça teatral. As palavras e a cerimônia estão intimamente ligadas.
Aqui vemos como um mito, ou
narrativa sagrada, se casa com
certos ritos. Às vezes eles se fundem a ponto de produzir um drama.
SACRIFÍCIO
O sacrifício é um elemento
central no culto de muitas
religiões. Um sacrifício, em geral algo que as pessoas consideram
valioso, é oferecido aos deuses. Pode ser constituído de
frutas, primícias das colheitas, um filhote de animal; em certas
culturas existem até mesmo exemplos de sacrifício humano. O propósito da
oferenda varia, e podemos distinguir entre vários tipos de sacrifício,
dependendo daquilo que o sacrificante deseja
alcançar. Em todos
eles, é constante a experiência do contato e da fraternidade.
OFERENDA
A oferenda (do latim offerre,
"trazer" ou "oferecer") é o tipo mais comum de sacrifício e
provavelmente o mais antigo. Oferece-se um presente aos deuses e se espera
outro em troca. O intuito do sacrifício
se expressa na frase latina do ut
des, ou seja, "dou para que tu me
retribuas o presente".
Uma oferenda de agradecimento
deve ser vista no mesmo contexto. E uma retribuição a algo que os deuses
proporcionaram, talvez algo pedido anteriormente.
A primeira vista, isso pode
parecer uma forma de barganha, mas devemos considerar o contexto.
O ato de dar e receber presentes implica um tipo de associação. Quem dá e
quem recebe ficam unidos; e o
objetivo das oferendas é também, em parte, alcançar uma comunhão com os deuses.
E comum oferecer os primeiros
frutos da estação, uma fração da carne
que foi caçada ou da colheita do ano. Trata-se de uma expressão de gratidão aos
deuses e, ao mesmo tempo, do desejo de
que essa proteção continue.
Vemos, assim, que o sacrifício é
necessário tanto para os deuses como para o homem. Os deuses se
tornam fortes com o sacrifício. Se não houver sacrifícios, eles se debilitam, o
que terá efeitos negativos sobre
o mundo e a humanidade, possivelmente na forma de doenças e más colheitas.
Isso se evidencia nos sacrifícios
encontrados na religião nórdica, cuja intenção era fortalecer os deuses bons,
que favorecem o bem e a vida (Aesir e Wanes), para que conseguissem resistir às
forças do mal (os Jotuns), que queriam destruir a ordem do universo.
SACRIFÍCIOS DE ALIMENTOS
O motivo principal para o
sacrifício de um alimento é alcançar uma comunhão com os deuses. Quase sempre
se trata de uma oferenda animal, que depois é
comida pelos sacrificantes.
Em regra, o sacrifício é oferecido aos deuses, mas pode
acontecer de a oferenda representar o próprio deus. Nesses casos, parte do
poder desse deus é transmitida àquele que come a oferenda.
SACRIFÍCIOS DE EXPIAÇÃO
Se um indivíduo cometeu um crime
contra os deuses e despertou sua ira, deve ser punido. Para apaziguar os deuses
e evitar uma vingança, ele pode fazer um sacrifício de expiação. A oferenda
— por exemplo, um animal sacrificial —
substitui o culpado e é punida no
lugar dele.
RITOS DE PASSAGEM
Os ritos de passagem se associam
às grandes mudanças na condição do indivíduo. As principais transições marcadas
por esses ritos são o nascimento, a entrada na idade adulta, o casamento e a
morte.
Tais ritos costumam simbolizar
uma iniciação. O nascimento é a
iniciação na vida, enquanto a morte é a iniciação numa nova
condição no reino dos mortos, ou na vida eterna.
De uma forma ou de outra, todas
as sociedades têm ritos de passagem, mesmo aquelas em que a religião
não desempenha nenhum papel na vida pública. Em geral, é
grande a importância deles nas culturas ágrafas, nas religiões primais. Nestas,
os ritos de passagem estão claramente ligados às noções
de tabu. Tabu é uma palavra polinésia adotada pelos historiadores da religião
para indicar uma severa proibição, restrição ou exclusão, e se aplica a algo
que é considerado perigoso ou impuro.
NASCIMENTO E MORTE
Um recém-nascido está fisicamente
vivo, mas em muitas culturas só é aceito pela família e pela comunidade depois
de passar por certas
cerimônias. A cerimônia
pode consistir num
único ato, como o batismo, a circuncisão ou a atribuição do nome. Entre
os povos tribais, costuma ser um processo longo, que tem início já na época da
concepção e termina pouco após o nascimento, quando a criança é admitida na
tribo. A mãe, que se tornou impura com o ato de dar à luz, deve se submeter a
uma série de ritos de purificação pata
poder ser recebida na comunidade.
Assim como um bebê não está
"propriamente vivo" antes dos ritos associados com o nascimento, um
cadáver, em determinadas sociedades, não está "propriamente morto"
antes de ser enterrado. Os ritos de sepultamento são necessários a fim de que
o falecido possa ser aprovado e acolhido pela comunidade
dos mortos. Alguém
que não seja enterrado de acordo com o costume está arriscado a ter uma
existência errante, sem descanso, vagando entre o reino dos vivos e o dos
mortos.
O significado de vários ritos de
passagem se destaca nas comunidades cuja vida religiosa dá muita importância ao
culto aos ancestrais. Um nascimento implica o prolongamento da linhagem
familiar e a continuação do culto aos ancestrais.
O casamento une um homem e uma mulher vindos de duas famílias
distintas, e é preciso que os ancestrais de ambos os lados
aprovem o casamento e a união das duas famílias.
Quando um indivíduo morre, a
tribo perde um de seus membros e advém uma crise. A vida e a tribo são
ameaçadas por forças hostis, e devem se realizar cerimônias
para restabelecer o equilíbrio normal da vida. Ao mesmo tempo, os ritos de
sepultamento ajudam o falecido a chegar são e salvo ao reino dos mortos, onde
ele continuará a viver juntamente com seus antepassados.
RITOS DE PUBERDADE
A puberdade indica a transição
da infância para
a idade adulta, do menino para o
homem, da menina para a mulher. Ser sexualmente maduro, porém, nem sempre basta
para garantir ao indivíduo o pleno status de membro da sociedade adulta. A
confirmação, ou crisma, que é de origem religiosa, muitas vezes é considerada,
no mundo ocidental, uma iniciação na idade adulta.
Os ritos de puberdade
propriamente ditos são praticados com mais freqüência em sociedades tribais. A
seguir, quatro aspectos relevantes desses ritos:
***
É comum a circuncisão dos órgãos
sexuais, tanto masculinos como femininos. Não se sabe ao certo a origem desse
rito, mas em alguns casos ele pode ser associado à crença de que o ser humano
originalmente era hermafrodita. O rito realça a diferença entre os sexos, e
mostra aos homens e às mulheres o lugar que devem ocupar na sociedade. Enquanto
nos meninos a circuncisão pode prevenir certas doenças, nas mulheres reduz a capacidade
de desfrutar da atividade sexual. Em. conseqüência, existe hoje uma pressão
para se banir a circuncisão feminina, mais corretamente chamada de excisão do
clitóris, uma mutilação dos órgãos genitais femininos.
A iniciação implica o ensino
de tradições tribais, leis religiosas, direitos e deveres,
habilidades de caça e
pesca, perícia na luta e nas
tarefas práticas. O jovem deve aprender as narrativas sagradas e os ritos
tradicionais. Homens e mulheres podem ter
seus respectivos segredos religiosos, que não devem ser revelados para o
sexo oposto.
Em muitas tribos, os garotos têm
que passar por testes de resistência para demonstrar sua coragem
e força física. Sofrem espancamentos e tormentos físicos
e psicológicos. Às vezes se praticam
mutilações, cortando dedos ou extraindo dentes.
Geralmente a iniciação é tida
como um
novo nascimento. De fato, o
simbolismo dos ritos vai ainda mais longe: a iniciação se torna uma morte
seguida de um renascimento. A infância
terminou e a criança deve morrer, para que possa nascer novamente como
adulto. Em alguns casos, os jovens
são deitados em túmulos especiais
ou são pintados de branco para ficar parecidos com os mortos.
As torturas que os jovens devem
suportar também podem simbolizar a morte, e há exemplos em que a
circuncisão ê vista
como um falecimento.
Do mesmo modo, o renascimento é
simbolizado de várias maneiras. Pode-se dar ao jovem um outro nome, indicando
assim que ele agora é um indivíduo totalmente novo. Outras vezes ele aprende
uma nova língua, isto é, palavras secretas que
só são compreendidas pelos
iniciados. Ou ainda é alimentado e
tratado como se fosse um bebê.
Esse simbolismo do nascimento e
da morte pode ser visto num contexto mais amplo: ele reitera a história
da criação do mundo. A morte
representa caos e confusão, enquanto um novo nascimento, ou nova criação,
significa que a ordem, o equilíbrio e a harmonia foram restabelecidos. A
transformação de um estado em outro, sempre uma fase crítica, foi realizada.
***
Ética — a relação entre os humanos
As religiões com freqüência não
fazem distinção entre o plano ético e o plano religioso. Os costumes da tribo,
as regras ou os princípios morais da casta são tão religiosos
quanto os sacrifícios e as orações. Entre os dez mandamentos que Moisés deu aos
judeus havia os que tratavam de
religião — "Não terás outros deuses
diante de mim" — e os relativos à ética —
"Não matarás". Incluem-se nos cinco pilares dos muçulmanos tanto o
orar a Deus como o dar esmolas aos pobres. Não há aqui distinção entre a ética
e a
religião. A noção do ser humano como uma criação divina implica
que ele é responsável perante Deus por tudo o que faz, ritual, moral, social e
politicamente.
Pregadores religiosos muitas
vezes iniciaram debates sobre assuntos especificamente éticos. Os profetas do
antigo Israel atacavam os ricos e poderosos que observavam
fielmente os rituais, mas pisoteavam os pobres. O ponto de vista moral desses
profetas tinha, porém, uma justificativa
religiosa.
As sociedades onde coexistem
várias religiões e vários pontos de
vista consideram mais difícil vincular a ética exclusivamente à religião. A
sociedade precisa ter suas linhas
mestras éticas, e algumas delas são preservadas nas leis. Os
romanos foram os
primeiros a tentar de maneira sistemática criar um
arcabouço legal que pudesse ser
usado por todos os povos, independentemente da religião. O direito romano se
tornou a base para todos os sistemas legais subseqüentes nos Estados seculares
modernos. Em certos países muçulmanos há dois sistemas agindo em paralelo: um
baseado no Corão, outro no direito romano. Hoje muitos países aceitam a
Declaração dos Direitos Humanos, proclamada pelas Nações Unidas, como uma
afirmação ética comum, seja qual for a religião ou a perspectiva geral do país.
Organização
Um aspecto importante em todas as
religiões é a irmandade entre seus seguidores. Formam-se tipos específicos de
comunidades regulamentadas e são nomeados representantes para dirigir o culto
religioso.
No caso dos povos tribais, existe
pouca, ou até
mesmo inexiste, divisão funcional
especificamente religiosa. A tribo constitui uma estrutura social, política e
religiosa, e com freqüência o próprio chefe é o sacerdote. Contudo, há
sociedades sagradas das quais só podem participar pessoas selecionadas — em
geral homens.
No Egito antigo, na Grécia
clássica e na Noruega dos
vikings, a relação era simples: a religião era parte de uma cultura
comum. Situação semelhante se vivia na Europa medieval, quando a Igreja
católica tinha poder absoluto, ou então, nos dias de hoje, em certos países
muçulmanos, onde todo o poder religioso e político pertence a um líder nacional
(por exemplo, o rei do Marrocos).
Nos lugares onde várias
convicções religiosas devem conviver lado a lado, a questão da organização se
torna mais complicada. Quando se funda uma nova religião, rompendo com as
tradições locais de culto,
forma-se uma nova congregação que estará em
minoria, pelo menos no início. Foi essa a situação dos seguidores do
Buda, de Maomé e de Jesus, e através da história tem sido o destino de todos os grupos que se libertaram das
grandes religiões e criaram suas próprias igrejas ou seitas. Nessas
comunidades o vínculo
entre os membros por vezes é mais forte do que nas religiões estatais ou
locais.
Uma cerimônia realizada logo após
o nascimento é o passaporte para todas as religiões estatais.
Há também religiões tradicionais, nas quais a pessoa já nasce, ou seja, é
incluída sem nenhuma formalidade particular. Já em outras comunidades
eclesiásticas, é necessário que o aspirante solicite sua admissão.
Muitas religiões têm ordens
especiais que impõem regras estritas a seus membros. As mais comuns são as
ordens de monges e freiras, cujos noviços e noviças devem prometer guardar o
celibato e aceitar a pobreza pessoal.
Excetuando-se certas religiões
primais, a maioria possui "funcionários" próprios, com
responsabilidade exclusiva pelas formalidades do culto e por outras tarefas
religiosas. Os padres, os líderes de culto e os curandeiros têm deveres religiosos
diferentes, mas todos eles
desfrutam de um status superior
especial. Os sacerdotes também costumam agir como líderes
da organização de seu rebanho e podem pertencer a uma entidade
maior, comandada por um bispo ou arcebispo. Determinadas
organizações (como a Igreja católica romana) são rigidamente estruturadas em
linhas internacionais e contam com um líder absoluto. Outras igrejas podem
atuar no plano nacional (como a da Noruega) ou no plano da congregação local
(como o pentecostalismo).
Experiência
A religião nunca é vinculada
apenas ao intelecto. Ela envolve igualmente as emoções, que são tão essenciais
na vida
humana quanto o intelecto e a
capacidade de pensar. A música, o canto e a dança apelam para as emoções. Na
maioria das religiões, as pessoas extravasam a tristeza ou a alegria pela
música instrumental e pelo canto; em
algumas, também pela dança, que é um meio bastante antigo de expressão religiosa. Nos rituais
cristãos, os hinos cantados em coro e a música de órgão são parte importante
da experiência geral. Muitas igrejas e templos contêm,
ainda, obras de arte — pinturas,
esculturas e peças de altar —
que acendem a imaginação e as
emoções.
Misticismo
A EXPERIÊNCIA MÍSTICA
A experiência mística pode ser
caracterizada, resumidamente, como uma sensação direta de ser um
só com Deus ou com
o espírito
do universo. Apesar de a oração e o sacrifício
implicarem uma grande distância entre Deus e o homem — ou entre Deus e o mundo
—, o místico tenta transpor esse abismo. Em outras palavras: o místico não
sente a existência desse abismo. Ele é "absorvido" em Deus, "se
perde" em Deus, ou "desaparece" em Deus. Isso porque aquilo a
que normalmente nos referimos como "eu" não é nosso eu real. O
místico experimenta, pelo menos por instantes, a sensação de
ser indivisível de um eu maior —
não importa que ele dê a isso o nome de Deus,
espírito universal, o eu, o vazio, o universo
ou qualquer outra coisa. (Um místico indiano disse certa vez: "Quando eu
existia, não existia Deus — agora Deus existe, e eu não existo mais". Ele
"se perdeu" em Deus.)
No entanto, uma experiência
dessas não acontece espontaneamente.
O místico deve
percorrer "o caminho
da purificação e da iluminação" até seu encontro com Deus. E esse
caminho — que pode ter uma série de níveis ou
estágios — muitas vezes inclui o ascetismo,
exercícios respiratórios e
técnicas complexas de meditação.
É então que, de súbito, o místico alcança seu objetivo e pode exclamar:
"Eu sou Deus!", ou: "Glória a mim! Como é grande minha
majestade!".
O incentivo de um místico com
freqüência é um amor ardente por Deus. Assim como o amante se esforça para se
unir com o objeto de seu amor, o
místico se esforça para se tornar um só
com Deus. Há um anseio que permeia o
mundo todo. Essa radiância divina que se encontra no homem, anseia por se
libertar de sua existência individual.
Pois aquele que
anseia por Deus,
anseia simplesmente por aquilo que
Deus anseia. É nesse êxtase
místico — ou união mística —que se dá o encontro com Deus. "Eu sou aquilo
que amo", exultava um místico persa, "e Aquele a quem amo sou
eu!"
TENDÊNCIAS MÍSTICAS
Podemos encontrar tendências
místicas em todas as grandes religiões do mundo. E as descrições que os
místicos nos fornecem da experiência mística demonstram uma notável
uniformidade, apesar das fronteiras sociais, culturais e
religiosas, e de enormes diferenças cronológicas e geográficas. Isso nos
permite falar de uma dimensão mística em todas as religiões, e foi por essa
razão que o
filósofo alemão Leibniz chamou o
misticismo de philosophia perennis: a "filosofia perene".
CARACTERÍSTICAS DO ESTADO MÍSTICO
Com base nos relatos de místicos
de várias épocas e culturas, normalmente são atribuídas as seguintes
características à experiência mística:
*
O místico sente uma unidade em todas as coisas. Há apenas uma consciência — ou
um Deus — que permeia tudo.
* Embora
o místico já venha se preparando há muito tempo para seu encontro com Deus, ou
com o espírito universal, sente-se passivo quando isso acontece. É como se ele
fosse tomado por uma força externa.
* Essa
condição se caracteriza pela intemporalidade. O místico se sente arrancado para
fora da existência normal de quatro dimensões.
*
O êxtase em si é transitório, e em geral não dura mais que alguns minutos.
* Mas
ele possibilita um novo insight, que permanece com o místico depois da
experiência.
* Essa
compreensão é inexprimível, não pode ser comunicada a outros.
* Como
a experiência é paradoxal em si mesma, o místico vaiusar paradoxos ao tentar
descrever o estado que experimentou. Assim, pode definir o ser encontrado como
"abundância e vazio", "escuridão ofuscante" ou algo
parecido.
É somente quando o místico
apresenta uma interpretação religiosa ou filosófica de sua experiência mística
que o seu contexto cultural entra em foco. Especialmente no misticismo
ocidental (cristianismo, judaísmo e islã), o místico irá ressaltar
que seu encontro foi com um Deus
pessoal. Mesmo que tenha sido "absorvido em Deus", ele costuma dar
ênfase ao fato de que havia uma certa distância entre Deus e o mundo. Algo da
relação eu-tu, ou eu-Deus,
se mantém. Esse tipo
de misticismo já foi
chamado de misticismo
teísta, No misticismo oriental (hinduísmo,
budismo e taoísmo) é mais comum afirmar uma identidade total entre
o indivíduo e a divindade, ou o espírito universal. Poderíamos dizer
que esse encontro do místico com a divindade ocorre
como uma relação eu- eu. Sim, pois Deus não está presente como uma mera centelha na alma do homem. O divino existe em
todas as coisas deste mundo, é uma
realidade imanente. Já se denominou esse tipo de misticismo de misticismo
panteísta.
Também para o homem moderno a
dimensão mística pode desempenhar um papel decisivo. Muitas pessoas reconhecem
que tiveram experiências místicas, sem atribuí-las a nenhuma religião
específica. É típico desses "místicos modernos" o fato de que, de
modo geral, não tomaram nenhuma atitude ativa para se transportar a um estado
místico. De repente, no meio da agitação rotineira da vida diária,
experimentaram aquilo que chamam de "consciência
cósmica", "sensação oceânica"
ou "osmose mental".
Tipos de religião
RELIGIÕES E TIPOS DE SOCIEDADE
As ciências da religião tentam
dividir as religiões em três categorias, que de certa forma coincidem com três
tipos distintos de sociedade.
RELIGIÕES PRIMAIS
São aquelas que os
estudiosos costumavam chamar
de "religiões
primitivas" e que se encontram, ou se encontravam, em culturas ágrafas,
entre os povos tribais da África, Ásia, América do Norte e do Sul e Polinésia.
A marca mais característica dessas
religiões é a crença numa miríade de forças, deuses e espíritos que
controlam a vida cotidiana. O culto aos antepassados e os ritos de passagem
desempenham um papel importante. A
comunidade religiosa não se separa da vida social, e o sacerdócio
normalmente é sinônimo de liderança política da tribo.
RELIGIÕES NACIONAIS
Estas incluem grande número de
religiões históricas que não são mais praticadas: germânica, grega, egípcia
e assírio-babilônica. Hoje podemos encontrar vestígios delas, por
exemplo, no xintoísmo japonês.
É típico das religiões nacionais
adotar o politeísmo, uma série de deuses organizados num sistema de hierarquia
e funções especializadas. Elas têm também um sacerdócio permanente, encarregado
dos deveres rituais em templos construídos para esse fim. Há sempre uma
mitologia bem desenvolvida, o culto sacrificial é básico, e os deuses é que
escolhem o líder da nação (monarquia
sacra).
AS RELIGIÕES MUNDIAIS
As religiões mundiais pretendem ter uma validade
mundial, ou, em outras palavras,
uma validade para todas as pessoas. São para todos. São conhecidas também como
religiões universais.
A principal característica das
religiões universais surgidas no Oriente Médio é o monoteísmo: elas têm um só
Deus. Dá-se grande peso à relação do indivíduo com Deus e à sua salvação. O
papel do sacrifício é bem menos proeminente nelas do que nas religiões
nacionais, ao passo que o da oração e da meditação é mais importante. As
religiões universais foram criadas por profetas fundadores cujos nomes são
conhecidos: Moisés, Buda, Lao-Tse, Jesus, Maomé.
Por último, devemos ressaltar que
os limites entre esses três tipos de religião são fluidos. As religiões
nacionais muitas vezes constituem evoluções que acompanharam o desenvolvimento
geral da sociedade (ao passar de uma sociedade tribal para um
Estado nacional). Assim também,
certas religiões mundiais emergiram de religiões nacionais, como um
protesto contra determinados
aspectos de seu culto e de suas concepções religiosas.
Religiões orientais e ocidentais
Já houve muitas tentativas de
classificar as religiões mundiais em orientais e ocidentais.
Consideram-se ocidentais o judaísmo, o islã e o cristianismo, enquanto as
principais religiões orientais são o hinduísmo, o budismo e o taoísmo.
Fonte: GAARDER, Josteins; HELLERN , Victor; NOTAKER, Henry. Livros das Religiões. -
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