LAUSANNE
O Congresso Internacional
de Evangelização Mundial, ocorrido na cidade de Lausanne, Suíça, entre os dias
16 e 25 de julho de 1974, tornou-se o mais importante referencial dos evangelicais espalhados pelo mundo.
"Um foro formidável, possivelmente a reunião mais global já realizada
pelos cristãos''", foi o
comentário da "Revista Time" sobre o encontro, como lembra René
Padilla em seu livro, "Missão Integral".
Lausanne 74 foi,
indubitavelmente, o maior evento da história do evangelicalismo, demonstrando
que a Igreja encontrava-se em perfeita harmonia com sua época. Evidencia-se tal
assertiva ao ser observado o leque de temas propostos, encabeçado pela evangelização
e tratado pelos congressistas. Alguns deles merecem destaque: a questão cultural,
a realidade da pobreza que vem atingindo milhões de pessoas, a responsabilidade
social cristã, a batalha espiritual, dentre outros. Estas sintonia e preocupação com a realidade
foram um dos fatores que tornaram o referido encontro tão significativo e
contundente para as décadas que se seguiram.
É preciso, todavia,
compreender o que motivou a realização do
Congresso de Lausanne. Assim sendo, imperioso historiar e analisar o contexto
no qual se deu o congresso, a fim de que seja possível verificar a proposta
nele apresentada sobre a responsabilidade social da Igreja.
O Congresso Internacional
de Evangelização Mundial foi convocado pela Associação Evangelística Billy
Graham e cerca de 4000 líderes do mais amplo espectro denominacional, oriundos
de151 países, acorreram ao magno congraçamento que apresentou como tema: "Que
o Mundo Ouça a Sua Voz". A Igreja, espalhada pelo mundo, estava sendo
desafiada a reafirmar a sua vocação, no intuito de considerar estratégias c
programas para cumprir a grande
comissão. Em outras palavras, procurava-se visualizar desafios e recursos, visando à evangelização de todo o mundo.
O congresso pretendia
reunir evangélicos desejosos de afirmar a autoridade da Bíblia. John Stott
afirma que a razão para tanto foi, pelo menos cm parte, a existência de uma
crise de confiança em relação ao Conselho Mundial de Igrejas -CMI. A existência
de uma tensão entre os evangelicais (como eram chamados) e os ecumênicos era
evidente à época, até porque, segundo o CMI, aos primeiros faltava um
envolvimento social mais relevante.5
Billy Graham, cm sua
mensagem de abertura do Congresso de Lausanne, fez e respondeu à
seguinte pergunta: Por que Lausanne? Para
que o mundo ouça a Sua voz! Na ótica
de Graham, nunca tantas pessoas estiveram tão sensíveis à mensagem do evangelho
de Jesus quanto nos últimos tempos, mas, ao mesmo tempo, nunca se viu uma
influência do secularismo tão presente no
seio da Igreja como nos últimos dias. Sendo assim, revela-se necessário que a
Igreja una-se para proclamar a divindade de
Jesus, bem como a salvação que Ele oferece. Graham afirmou que sua esperança e
sua oração eram ver a Igreja, ainda que não política ou sociologicamente, voltar
teologicamente às visões e aos conceitos
das grandes conferências do início do século XX, dentre elas a de Nova Iorque
em 1900 e a de Edimburgo, na Escócia, em 1910. Isto porque, sob o prisma de Billy
Graham, a Igreja vem perdendo muito da sua visão e do seu fervor por três
razões elementares:
1 - Perda
de autoridade da mensagem do Evangelho;
2 - Preocupação com problemas político-sociais;
3 - Preocupação com a unidade
organizacional da igreja.6
Na mesma mensagem
ainda, Grahan esboçou quatro convicções que deveriam caracterizar Lausanne:
·
A autoridade das Escrituras;
·
O homem, fora de Jesus Cristo, está perdido;
·
Só há salvação em Jesus
Cristo;
·
O testemunho cristão deve englobar tanto a palavra, como
também as obras.7
Lausanne 1974 nasceu num
contexto muito amplo. Desde a década de 1920, os cristãos têm-se inclinado à
polarização. Enquanto uma ala da Igreja experimenta um crescente declínio do
seu ímpeto evangelizador, a ala fundamentalista experimenta uma grande
vitalidade e faz um significativo investimento na obra evangelizadora. Enquanto
a primeira preocupa-se com o social, a segunda imagina que a necessidade
fundamental do ser humano é ouvir uma mensagem evangelizadora que lhe apresente
o céu como destino último, por isso sua mensagem inclina-se numa única direção,
a evangelização. Stott lembra que, durante cerca de cinqüenta anos (1920-1970)
os evangélicos, tentando defender a fé histórica bíblica contra os ataques do
liberalismo, reagiram em oposição ao seu "evangelho social",
concentrando-se na evangelização. O capítulo 3 preocupa-se mais sobre esta
questão histórica em particular.
A partir
do Congresso sobre a Missão Mundial da Igreja, ocorrido em Wheaton, entre os
dias de 9 a 16 de abril de 1966, os evangelicais reafirmaram que a mais urgente
necessidade da Igreja é a evangelização e a implantação de novas igrejas. O
tema, crescimento da Igreja, entrou na pauta e tornou-se a bandeira de uma
parcela mais fundamentalista da Igreja. Wheaton foi marcado por freqüentes
ataques ao movimento ecumênico, acusado de liberalismo teológico, perda da
convicção evangélica, universalismo da teologia, substituição da evangelização
pela ação social e a busca da unidade em preterição da verdade
bíblica.8 No entanto, o congresso deu um
passo significativo em direção a uma visão holística do evangelho, visto que
nele foi possível discutir a relação entre evangelização e ação social. Foi
também uma inegável oportunidade para ouvir outras vozes evangélicas, provenientes
de outros países que não os Estados Unidos da América. Naquele mesmo ano de
1966, entre os dias de 24 de outubro e 4 de novembro, realizou-se o Congresso
Mundial de Evangelização de Berlim, patrocinado pela Christianity Today, que
trouxe à tona, novamente, a urgência da evangelização. O congresso estava
comprometido com a autoridade última da Bíblia e rejeitava todo pensamento
sobre evangelização que não houvesse encontrado esteio nas Sagradas Escrituras.
O esforço evangelístico foi reafirmado
como tarefa primordial da Igreja, ao mesmo tempo em que se evidenciou uma
sensível preocupação com a relação evangelização-ação social. Berlim indagou
acerca do racismo, fazendo-lhe uma severa crítica e entendendo-o como empecilho
ao testemunho evangelístico. Talvez uma das principais atitudes ali ressaltadas
foi destinar maior visibilidade à causa evangelical. Luiz Longuini Neto afirma
que o citado congresso deu início ao movimento evangelical contemporâneo.9
David
M. Howard, Secretário da Aliança Evangélica Mundial apresentou, na Conferência
de Wheaton, uma palestra intitulada "De Wheaton 66 a Wheaton 83".
Neste trabalho ele traçou a história do esforço do evangelicalismo pata definir
a natureza e a missão da igreja. Enquanto em Wheaton 66 e Berlim 66 a tendência
foi definir a missão da Igreja quase que exclusivamente em termos de
evangelismo, Lausanne
74
representou uma compreensão mais ampla ao enfatizar tanto o evangelismo como a
responsabilidade social, enquanto dava primazia ao evangelismo.10
Lausanne
sofreu grande influência de Wheaton e de Berlim. A investigação indica,
contudo, que Lausanne nasceu com o objetivo de encontrar um equilíbrio entre
evangelização e ação social, mas onde a evangelização deveria receber
prioridade, sem que isto significasse uma
alienação quanto à questão social. Neste sentido o congresso suíço foi um
formidável avanço em relação aos encontros evangelicais anteriores que,
conquanto tenham abordado o tema, não conseguiram ampliar a visão da missão da Igreja.
O
congresso foi significativo em três sentidos principais. Primeiro, como com as
reuniões do Concilio Mundial de Igrejas, a partir dos anos sessenta, o Terceiro
Mundo manteve presença em Lausanne. Metade dos participantes, dos oradores e do
comitê de planejamento era do Terceiro Mundo. Além disso, alguns dos documentos
pronunciados mais provocativos e influentes foram de dois latino- americanos,
Samuel Escobar e René Padilla.
Em segundo lugar, como aconteceu com o
catolicismo romano no Segundo Concilio Vaticano, a atitude anterior
dos evangélicos de "triunfalismo" foi substituída por uma atitude de
arrependimento. Lausanne representa a importância e influência crescente do
Evangelicalismo universal, mas isto tem sido acompanhado por um reconhecimento
de que nem tudo foi saudável no passado e que lições podem ser aprendidas com
os outros.
Em
terceiro lugar, este arrependimento é manifesto, especialmente na área de
responsabilidade social cristã. Enquanto os evangélicos estavam em primeiro
plano na preocupação social no século passado, este século tem visto uma
inversão e, em muitos casos, uma total retirada do campo.11
O Pacto de Lausanne
destaca-se entre as muitas contribuições significativas do congresso.
Formulou-se esta declaração, dividida em quinze parágrafos, a qual, ainda hoje
é lida com todo o respeito, já que, de certa maneira, ousou posicionar-se
contra um evangelho mutilado e um conceito estreito de missão cristã. Dentre os
vários temas contemplados pelo pacto, talvez o de maior melindre haja sido a
questão da responsabilidade social da Igreja. Robinson Cavalcanti, referindo-se
ao pacto, afirmou que, por excelência, ele é uma confissão de fé para os dias hodiernos.12
Loguini Neto menciona
outras reações ao Pacto, demonstrando que houve um significativo boicote ao mesmo.
Não obstante as reações
haverem sido tão diversas contra o Pacto de Lausanne, ele continua sendo um
documento de constante leitura e
releitura, pois conseguiu visitar e tratar, com absoluta seriedade, temas
presentes na agenda da Igreja. Entendo que, para uma melhor compreensão do
Pacto, cabe citá-lo, não integralmente, mas de maneira sucinta, dando ênfase
aos seus parágrafos, numa adaptação do comentário ao Pacto feito por John
Stott. Abaixo, é transcrito o termo de abertura do Pacto de Lausanne e, em
seguida, uma síntese do mesmo, enfatizando especialmente o quinto parágrafo que trata sobre a responsabilidade social
da Igreja.
Nós,
membros da igreja de Jesus Cristo, procedentes de 150 nações, participantes do
Congresso Internacional de Evangelização Mundial, em Lausanne, louvamos a Deus
por sua grande salvação, e regozijamo-nos com a comunhão que, por graça dele
mesmo, podemos ter com ele e uns com os outros. Estamos profundamente tocados
pelo que Deus vem fazendo em nossos dias, movidos ao arrependimento por nossos
pecados e desafiados pela tarefa inacabada da evangelização. Acreditamos que o
evangelho são as boas novas de Deus para todo o mundo e, por sua graça,
decidimo-nos a obedecer ao mandamento de Cristo de proclamá-lo a toda a
humanidade e fazer discípulos de todas as nações. Desejamos, público o nosso pacto.17
A RESPONSABILIDADE SOCIAL CRISTÃ NO PACTO
DE LAUSANNE
1. A RELAÇÃO ENTRE RESPONSABILIDADE SOCIAL E EVANGELIZAÇÃO
Na primeira parte deste
trabalho, foi apresentada a proposta de responsabilidade social do Pacto de
Lausanne. Posteriormente, revelou-se a dificuldade em reconhecer-se a relação
entre evangelização e responsabilidade social, o que inevitavelmente gerou um
certo conflito no Congresso Suíço. Indaga-se, porém qual dos dois seria mais
importante. Será que evangelização exclui a ação social da Igreja? Ou será que
a ação social é que exclui a ação evangelizadora?
Cada época tem conhecido controvérsias e debates no
campo da teologia, alguns de difícil aplicação para o cotidiano, como o
clássico debate sobre o "sexo dos anjos" na Igreja Bizantina, outros
de caráter mais relevante como "para que serve a Igreja?", ou seja,
qual a natureza de sua missão? Uma influência
platônica tem estado presente ao longo da História do Cristianismo,
separando corpo e alma, matéria e metafísica.
Em nossos tempos essa
influência tem sua face visível naqueles cristãos apenas preocupados com a "alma'1,
a "vida espiritual" (contrastada com a vida material), o "outro
mundo", a vida após a morte, de tendência ascética, separatista e
alienada. Para essas pessoas, a missão da Igreja é resgatar indivíduos
isolados, garantindo-lhes a vida abençoada após a morte, enquanto aqui deve se
separar do mundo, cultivar uma religiosidade intimista, lutando contra a
"carne", manifestada em usos e costumes. O mundo não tem futuro, nada
nos resta fazer por ele, e não nos devemos meter em questões políticas, sociais
e econômicas. A vida do homem deve se resumir a ir para o trabalho, para a
igreja e para sua casa... e que
tudo o mais vá para o inferno...
Por ora,
discorre-se detalhadamente sobre a controvérsia acima referida, a qual
indubitavelmente despertou os mais significativos entraves para os
participantes de Lausanne. As respostas às questões acima verificam o que de
fato afirmou o mencionado congresso, levantando-se um apanhado de posições que
encontram uma enorme dificuldade em relacionar a evangelização com a
responsabilidade social.
O assunto em questão leva
inevitavelmente a definições, mesmo sabendo que
a conceituação importa
enclausurar os termos
"Evangelização" e "Responsabilidade Social". Paralelamente,
analisa-se o que o Pacto de
Lausanne afirmou sobre
a questão, bem como o que a
Consulta de Grand Rapids, concluiu sobre o assunto, buscando entender como os dois elementos relacionam-se.
Falar sobre responsabilidade
social encontra, ainda hoje, certa
resistência de alguns, porque existe considerável receio de que a ação social engendre algum tipo de
alienação evangelística. Peter Wagner afirma que vários grupos de trabalho
foram nomeados pelas sete maiores denominações nos Estados Unidos da América, onde a maioria dos
membros é branca (a Igreja Metodista Unida, a Igreja Evangélica Luterana, a
Igreja Presbiteriana, a Igreja Luterana — Sínodo de
Missouri — a Igreja
Episcopal, a Igreja de Cristo Unida e as Igrejas Batistas), para verificar a
razão do decréscimo ocorrido em sua membresia no período entre 1946 a 1996,
quando perderam dois terços de seus membros. Os relatórios concluíram que a
forte preocupação com o social, em detrimento da obediência ao mandamento
evangelístico, tem sido uma das principais causas do declínio das igrejas.23
A impressão é de que a resistência de certa ala da Igreja à
questão social está diretamente relacionada com a influência do evangelho
social, sendo este um tema defendido
pelos liberais e que suscitou, da
parcela conservadora da Igreja, o que ficou conhecido como os fundamentos, os
quais eram artigos escritos por conservadores americanos de
todas as denominações históricas que se coligaram para
defender a fé cristã da intrusão do liberalismo nos seus seminários e igrejas.
Os fundamentos deram origem ao termo Fundamentalismo, conforme o conhecemos,
embora, hodiernamente, haja se tornado um conceito pejorativo.
Por um lado, se os
fundamentalistas, como ficaram
conhecidos aqueles que produziram e
acolheram esse documento, resgataram a importância das Escrituras (inspiração,
infalibilidade e inerrância), a divindade de Cristo, o nascimento virginal de
Cristo e os milagres, o sacrifício propiciarório de Cristo e sua ressurreição
literal e física e seu retorno, por outro lado, radicalizaram, chegando mesmo a
atingir extremos tão perigosos quanto o liberalismo de que tentavam
defender-se. Numa tentativa de rechaçar a teologia liberal com todos os seus
"perigos" resolveram também repelir o que de melhor havia nos
teólogos liberais, especialmente quanto à sua visão holística do ser humano e
sobre a responsabilidade social da Igreja.
Ás
vezes a diferença entre estes pontos de vista se evidencia não apenas em
tensão, mas até numa polarização estéril, geralmente ao longo das linhas
divisórias entre evangelicais e liberais, cada um deles manifestando uma reação
exagerada em relação à posição do outro. Os primeiros tendem a concentrar- se exclusivamente na
evangelização, negligenciando a necessidade social, seja ela comida para os
famintos ou libertação e justiça para os oprimidos. Os últimos vão para o
extremo oposto, tendendo a negligenciar a evangelização ou tentando
reinterpretá-la em termos de ação sócio-polítíca, tais como a humanização de
comunidades ou a libertação dos oprimidos. Assim o estereótipo evangelical tem
sido espiritualizar o evangelho, negando suas implicações sociais, enquanto que
o estereótipo ecumênico tem sido
politizado, negando sua oferta de salvação para os pecadores. Esta polarização
tem sido um desastre.24
Definindo Evangelização
Poder-se-ia esperar que a Igreja de Jesus estivesse habilitada a definir facilmente o significado
de evangelização, tendo em vista a primazia que ela sempre destinou ao tema. Curiosamente é possível perceber que existem maneiras
distintas de fazê-lo.
J. I. Packer, em seu
livro, "Evangelização e Soberania de Deus",
esclarece a definição de evangelização apresentada pela Comissão de Arcebispos
da Igreja Anglicana, em seu
relatório sobre a obra evangelística da Igreja em 1918, nos seguintes
termos: "Evangelizar é apresentar Cristo Jesus de tal modo que, no poder do
Espírito Santo, os homens venham a
depositar sua confiança em Deus através d'Ele, aceitando-O
como seu Salvador e servindo- O como
seu. Rei na comunhão de Sua
Igreja".25
Por sua vez,
Wadislau Martins Gomes afirma que "mais que pregar, evangelizar é fazer
discípulos, isto é, fazer seguidores de Jesus".26
O que causa maior
surpresa nas definições acima apresentadas
é perceber que evangelização acaba
confundindo-se com resultado. Sem resultados, conversão, discípulos, servos,
não houve evangelização. Os dois conceitos esquecem-se de que o papel da Igreja é evangelizar, é proclamar
as boas novas do reino de Deus, no entanto, o resultado não
depende dela, mas da ação soberana de Deus. O Espírito Santo é aquele que
convence o homem do pecado, da
justiça e do juízo.
Em Caruaru, cidade
do Estado de Pernambuco, foi possível verificar-se que a busca por resultados
levou as igrejas a se envolverem com o ministério de casais, na esperança de
que, ao atingir um casal em crise, abrir-se-iam portas bem maiores, posto que
os filhos, pais, sogros, parentes mais próximos que, de alguma forma
vivenciaram o problema familiar, igualmente seriam alcançados. Quando o
Encontro de casais com Cristo (E.C.C.) foi apresentado às igrejas evangélicas
da cidade, estas se sentiram motivadas a investir no projeto. A reboque,
implementaram encontros de jovens e de amigos, tentando, neste último caso, tratar de pessoas solitárias, solteiras,
viúvas e divorciadas.
Os encontros de
casais levaram inúmeras pessoas
para dentro das Igrejas. Infelizmente, porém, as pessoas que eram convidadas a participar dos
encontros não estavam concomitantemente repensando seus lares, mas sutilmente estavam sendo apenas evangelizadas. Tal
afirmação refere-se à idéia defendida
por alguns de que os fins justificariam os meios.
Os resultados surgiram com velocidade vertiginosa. Em muito pouco tempo,
as igrejas que introduziram os encontros puderam alegrar-se com os resultados,
com os frutos. Mas, sem que percebessem,
algo de errado estava acontecendo. Houve uma espécie de
"constantinização" no seio da igreja caruaruense. As pessoas que
foram chegando não estavam preparadas para o novo, até porque o ambiente dos
encontros era bem diferente daquilo que as igrejas ofereciam em seus cultos, o
que gerou um desconforto natural. Muitos dos que
se aproximaram das igrejas e tornaram-se membros não foram preparados,
discipulados, sequer acompanhados, mas passaram a integrar as respectivas
comunidades que promoviam os encontros como fruto dessa busca desesperada por
resultados por parte da liderança, gerando enorme mal estar e em seguida divisão nas igrejas.
Os encontros logo se
depararam com opositores que entenderam que a postura das igrejas, diante do
novo método evangelístico, limitava-se à busca de resultados imediatos, sem
interesse pela transformação de vidas. A crise familiar era a ponte usada para
a evangelização. A experiência em Caruaru reflete um pouco dos desvios que
podem surgir na busca por resultados.
Carlos Caldas Filho
apresenta ao menos quatro críticas, que julga as principais desse método que
busca resultados a qualquer preço.
1 - A preocupação
excessiva com quantidade, em detrimento da qualidade;
2 - Espiritualização da
tarefa missionária da igreja em detrimento de outros aspectos importantes, como
a luta pela justiça e o atendimento das necessidades humanas concretas;
3 - Uma
"jejuitização" da metodologia missionária, no sentido de que "os fins justificam os meios";
4 - Escassa (ou
nenhuma) base bíblica para justificar a metodologia empregada."
Não se pode ser injusto com
os encontros de casais, de jovens e de amigos. Em alguns casos, houve transformação social. Maridos que eram alcoólatras
experimentaram conversão e consequentemente tornaram-se melhores pais, maridos
e profissionais. Houve também no seio das igrejas uma maior conscientização da
sua tarefa evangelística. As comunidades evangélicas saíram do seu
"gueto" e começaram a perceber a crise de outros e não somente as crises da família da fé.
Evangelização é a
proclamação das boas novas da salvação em Jesus Cristo, visando a levar a
efeito a reconciliação entre o pecador e Deus Pai, mediante o poder regenerador
do Espírito Santo. Evangelização é parte essencial da missão da Igreja.
Originalmente o termo evangelizomai, significa
trazer ou anunciar o evangelion, as
boas novas. O Congresso sobre Evangelização realizado na cidade de Berlim em
1966 descreve, de maneira prática e
precisa, o que vem a ser
evangelização:
Evangelização
é a proclamação do Evangelho do Cristo crucificado e ressurreto, o único
redentor do homem, de acordo com as Escrituras, com o propósito de persuadir
pecadores condenados e perdidos a pôr sua confiança em Deus, recebendo e
aceitando a Cristo como Senhor em todos os aspectos da vida e na comunhão de
sua igreja, aguardando o dia de Sua volta gloriosa.2S
Existe uma lenda sobre a
volta de Jesus à glória, após o seu tempo na terra que reflete a responsabilidade
evangelística da Igreja. No céu, Ele continuava com as marcas de sua
peregrinação na terra e, inclusive, as marcas da cruz e sua vergonha,
Exatamente no céu tem lugar um diálogo entre o anjo Gabriel e Jesus.
"Mestre,
tu deves ter sofrido muito por causa dos homens na terra, disse Gabriel".
— "Sim, de fato",
respondeu Jesus.
"Jesus,
eles sabem tudo sobre o teu amor e sobre o que fizeste por eles?"
"Ó,
não", disse Jesus, "Ainda não. Neste
momento apenas um punhado de gente na Palestina sabe". Diante da resposta
de Jesus, Gabriel ficou admirado e perguntou:
— "O que fizeste para que
teu amor fosse conhecido?"
"Pedi
a Pedro, Tiago, João e alguns amigos para contarem sobre mim a outras pessoas.
Quem me conhecer, por sua vez, contará a outras pessoas, que contarão a outras,
até que toda a humanidade saiba do meu amor".
Gabriel, conhecendo a natureza humana, perguntou
com certo ceticismo:
"E
se aqueles a quem de tal tarefa foi incumbida se esquecerem de proclamar a
verdade? E se no século XX as pessoas não
contarem umas às outras acerca do teu amor? Não existe um plano de
emergência?"
"Não.
Estou contando com eles", respondeu Jesus."29
A evangelização
continua sendo a tarefa prioritária da Igreja de Jesus e Ele continua contando
com o Seu povo para proclamar as boas
novas do reino. As seguintes definições foram
adotadas pelo Comitê de Lausanne para a Evangelização Mundial:
Natureza: A
natureza da evangelização é a comunicação das boas-novas.
Propósito: O
propósito da evangelização é dar a indivíduos e grupos uma oportunidade válida
de aceitar a Jesus Cristo.
Alvo: O
alvo mensurável da evangelização é persuadir homens e mulheres a aceitar Jesus
Cristo como Senhor e Salvador e servi-lo na comunhão de sua Igreja.30
O Pacto de Lausanne
conceituou evangelização nos seguintes termos:
Evangelizar
é difundir as boas novas de que Jesus Cristo morreu por nossos pecados e
ressuscitou segundo as Escrituras, e de que, como Senhor e Rei, ele agora
oferece perdão dos pecados e o dom libertador do Espírito Santo a todos os que
se arrependem e crêem. A nossa presença cristã no mundo é indispensável à
evangelização, e o mesmo se dá com aquele tipo de diálogo cujo propósito é
ouvir com sensibilidade, a fim de compreender. Mas a evangelização propriamente
e, assim, se reconciliarem com Deus. Ao fazermos o convite do evangelho, não
temos o direito de esconder o custo do discipulado. Jesus ainda convida todos
os que queiram segui-lo e negarem-se a si mesmos, a tomarem a sua cruz e a
identificarem-se com a sua nova comunidade. Os resultados da evangelização
incluem a obediência a Cristo, o ingresso em sua igreja e um serviço
responsável no mundo.31
Em sentido mais amplo, evangelização
pode ser vista como a obra integral da Igreja para proclamar o Reino de Deus
(Marcos 1.15). Ela compreende três amplas categorias:
♦ Evangelismo - proclamação do evangelho aos ainda
não alcançados dentro de nossa própria sociedade ou cultura;
♦ Atividade missionária - uma
proclamação que interage com a cultura do público-alvo;
♦ Atividade pastoral - ato de
prover e aprofundar o evangelho entre aqueles que já o aceitaram.32
É, no mínimo, interessante perceber que a Igreja tem discutido um tema, ao qual se lhe atribui ênfase e certa
primazia e, ao mesmo tempo, notar que a evangelização como ação proclamatória
limita-se aos púlpitos e ao nosso gueto. O "indo" de Jesus na grande
comissão parece não estar recebendo a importância
que nosso discurso delega a ele. Quiçá algum dia a Igreja brasileira seja mais
coerente com suas proposições. Se a evangelização deve ter primazia, que esta
atinja a nossa práxis e afete a nossa criatividade, para que a ação
proclamatória aconteça onde a Igreja está e não apenas onde o templo está. Para
que isto aconteça, é preciso fazer uma releitura da grande comissão, a fim de que o nosso agir seja transformado.
Restamos corroborar com Orlando Costas que, ao definir evangelização, diz:
Evangelizar
é participar de uma ação transformadora, isto é, as boas-novas da salvação.
Neste sentido, a evangelização não é um conceito, mas sim uma tarefa dinâmica,
encarnada na vida e ação salvifica de Jesus Cristo. Portanto, ela não pode ser
reduzida a uma fórmula verbal. Evangelizar pelo poder do Espírito Santo a
salvação que foi revelada em Jesus Cristo."
Definindo
responsabilidade social
Este tema reveste-se de
profundo significado, ao ser confrontado com as afirmações bíblicas e ao
voltar-se os olhos para a história da cristandade e ainda, ao
constatar-se a crise social, cujas
estruturas encontram-se marcadas e maculadas pelo pecado e pela injustiça.
Referir-se à
responsabilidade social não significa apenas destacar a filantropia, área muito
bem visitada pela Igreja. A Igreja consegue, com cestas básicas, serviço médico
ambulatorial, dentistas, tratar de questões que tocam à carência imediata
do povo. Numa tragédia é possível ver a
Igreja sendo solícita. Na região da mata pernambucana, depois de uma grande tragédia provocada pelas chuvas, foi
possível ver a Igreja Evangélica mobilizar-se e engajar-se no socorro às vitimas.
Toda essa ação, por mais saliente e importante, continua apenas no campo
da filantropia, não alcança as estruturas mais profundas que visem a uma grande
transformação. Ao falar sobre responsabilidade social precisamos ir mais
adiante. Insofismável abarcar os atos de misericórdias e os atos de justiça.
A fim de explicitar o
pensamento deste subscritor sobre responsabilidade social passo a delinear a
definição de Hélcio da Silva Lessa que dividiu
o tema em três categorias: Assistência Social, Serviço Social e Ação Social.
Para facilitar sua definição, Lessa tenta contextualizá-la com uma história:
Nos
idos do escravagismo, alguns cristãos, sensibilizados com os escravos
castigados e violentados no pelourinho, resolviam ajudá-los com água, pão ou
tratamento de suas feridas. Aquela atitude nobre, que não se relacionava com as
causas da escravatura e mantinha o escravo na mesma situação, exemplifica o que
se pode chamar de Assistência Social.
Na
assistência social existe compaixão e manifestações práticas dessa compaixão.
Existe coragem para, mesmo numa ínfima proporção, confrontar o erro, mas não
existe transformação histórica, o escravo continuará sendo escravo e
permanecerá sofrendo no pelourinho, esperando que uma alma caridosa venha
cuidar de suas necessidades mais urgentes.
Outros cristãos, com uma visão mais aberta, mais ampla,
vão além da assistência. De alguma forma, buscam assegurar a liberdade do
escravo, através de levantamento de recursos para que ele seja comprado e
libertado. Buscar-se-ão mecanismos para que o liberto encontre um trabalho e
possa sobreviver nessa nova condição. Esse tipo de atitude, por mais louvável
que seja, pode ser chamado de serviço social.
O problema neste tipo de ação, conquanto o senso de
misericórdia tenha ultrapassado em muito a assistência social, pois neste caso
se conseguiu a liberdade e um meio de
subsistência do livre, é que de fato não operou aqui uma transformação
histórica. Resolveu-se o problema de um escravo, mas a escravidão continuará a
passos rápidos atingindo a outros e estes continuarão a ser espancados, levados
ao pelourinho e muitas vezes violentados até à morte.
Alguns cristãos lançar-se-ão na luta contra a
escravatura, para que se elimine definitivamente a opressão sobre o ser humano.
Ação esta verdadeiramente eficaz, pois as estruturas serão alcançadas, a
instituição escravagista será afetada significativamente. Agora sim, a
possibilidade de uma transformação histórica se avizinha. Tal atitude pode ser
chamada de ação social.34
O
Comitê de Lausanne convocou uma consulta para discutir o tema da relação entre responsabilidade
social e evangelização. A consulta julgou mais fácil dividir a responsabilidade
social cristã em duas categorias, as
quais, para fins de simplificação, podem ser chamadas de "serviço
social" e "ação social"
e foram distinguidas da seguinte maneira:
SERVIÇO SOCIAL
|
AÇÃO SOCIAL
|
Socorrer o ser humano em suas necessidades
|
Eliminar as causas das necessidades
|
Atividades
filantrópicas
|
Atividades Políticas e econômicas
|
Procurar ministrar a indivíduos
e Famílias
|
Procurar transformar as estruturas da sociedade
|
Obras de caridade
|
Busca da Justiça 35
|
Pesa sobre
a Igreja a
responsabilidade de lutar
contra essas estruturas de pecado que continuam
oprimindo o ser
humano. Não é possível ser
Igreja e, ao mesmo tempo, alienar-se. A Igreja é o povo de Deus alerta às injustiças e que não se
cala diante delas, ao contrário, esforça-se para que se faça justiça, para que
o ser humano seja tratado com dignidade
e experimente qualidade de vida já, aqui na terra, pois no céu, sem dúvida
alguma, haverá plenitude de vida.
2. A RELAÇÃO ENTRE A EVANGELIZAÇÃO E RESPONSABILIDADE
SOCIAL
Não é
tarefa fácil estabelecer termos, mas tarefa mais complexa é relacionar os já
definidos, isto porque, nem sempre é fácil harmonizar palavras e ações;
pregação e prática; denúncia e ação transformadora. Além desta dificuldade, é
sabido que na caminhada da Igreja,
principalmente a partir do final do século XIX e início do século XX, em função
do temor da influência do liberalismo, tentou-se separar Evangelização de
Responsabilidade Social, entendendo-se com isso que a Igreja seria poupada
de todo e qualquer desvio de sua
responsabilidade precípua que é a evangelização.
Talvez a única tarefa mais
urgente de missões hoje seja relacionar evangelização e ação social. Os
cristãos do movimento ecumênico tendem a desconsiderar ou então redefinir a
evangelização de tal maneira que a necessidade de um relacionamento novo,
pessoal com Deus por meio de Cristo fica diminuída. Outros se inclinam a manter
as duas tarefas
totalmente separadas, considerando que
apenas a evangelização tem valor eterno.
Os cristãos de muitas
nações são missionários no mundo hoje
- cruzando fronteiras culturais com o amor de Deus. A obra missionária é agora
mais extensa e mais internacional do que nunca.
Essa obra não está isenta do fracasso de solucionar as questões atualmente
debatidas. Mas sem dúvida os missionários cristãos serão mais bem equipados
para a tarefa do seu Senhor e Mestre quando se chegar a um equilíbrio adequado
entre os diversos aspectos de missões. Em particular:
1 - O evangelho deve ser
proclamado tanto em palavras como em ação;
2 - Precisamos tanto
identificar-nos com os não- cristãos em suas necessidades, quanto lhes contar
as "boas novas" cristãs;
3 - A igreja não está
envolvida apenas com a própria expansão, também é o agente da missão de Deus.36
Diante das conclusões do
Pacto de Lausanne, que não conseguiu relacionar os dois temas, ação
evangelizadora e ação social, conquanto, para ser fiel ao Pacto, em seu sexto
parágrafo, faça menção da relação entre os dois temas, afirmando que "o
serviço de evangelização abnegada figura como a tarefa mais urgente da
igreja" 37. Mesmo assim, James Scherer
lembra que algumas questões padeceram de respostas, face às várias alternativas
ou opções que interligaram os dois temas. Senão, vejamos:
4 - A de que a
responsabilidade social é um afastamento, ou mesmo uma traição da
evangelização;
5 - A
de que responsabilidade social é evangelização;
6 - A de que a
responsabilidade social é uma manifestação - ou uma consequência - ou uma
parceira da evangelização etc;
7 - A de que responsabilidade
social e evangelização são componentes distintos, mas iguais do ministério da Igreja.38
Adiante se
encontram delineadas alternativas ou opções que
tentam relacionar evangelização e responsabilidade social, conforme
Scherer e Nascimento. Num primeiro momento, mais precisamente nos dois
primeiros tópicos, são tratadas as reações negativas a tal relacionamento,
fruto de uma visão radical
daqueles que acreditam que a ação social é uma traição ao evangelismo.
Posteriormente, nos tópicos seguintes, são apresentadas as opções que tentam
relacionar positivamente os dois
temas.
Ação social é um alheamento do
evangelismo
Cristãos conservadores, que
sustentam uma visão dispensasionalista, portanto destituída de esperança para o
mundo, a qual se restringe ao céu, pois o mundo caminha rapidamente de
mal a pior e ainda, que consideram a ação
evangelizadora a única tarefa da Igreja, entendem que o envolvimento da Igreja
com ações sociais é um ato de alheamento do evangelismo.
Ação social é uma traição ao evangelismo
Neste
sentido, a reação contra a ação social certamente tem uma relação com o
liberalismo defendido pelo evangelho social. Para poupar a Igreja de qualquer
desvio da verdade, de qualquer associação com as heresias liberais,
desprezou-se a ação social, crendo que tal envolvimento seria, na prática, uma
traição ao chamado da Igreja para fazer discípulos.
Ação social
como evangelismo
Para alguns, ação social e
evangelismo andam juntos,
um não existe sem o outro.
Nascimento cita Emílio Castro em seu livro, "Liberation
Development and Evangelism: Must we Choose
in Mission" em que afirma
que "o evangelismo existe somente onde há preocupação social, sem ela pode
haver propaganda, proselitismo, mas dificilmente boa-nova" 39
Esta opção se torna
perigosa, pois acredita que se não houve ação social não houve evangelização,
no entanto é possível perceber que, na caminhada da Igreja e mesmo
em textos bíblicos, como na parábola do Samaritano, houve ação social sem
necessariamente haver evangelização como proclamação.
Ação social como um meio para o evangelismo
Dentre as várias opções
sobre o relacionamento evangelização-ação social está aquela que acredita que a ação
social pode ser um instrumento, um meio para a evangelização. Na
Consulta de Grand Rapids, a ação social foi vista como ponte para a
evangelização. Ela pode ser um mecanismo facilitador, derrubando preconceitos,
desconfianças e abrindo portas para que a verdade do Evangelho fale ao coração do ser humano.
Como é sabido, as pessoas vêem os cristãos evangélicos como uma Igreja alheia à
tragédia humana. Sendo assim, a ação
abriria o ser humano para ouvir o que o Evangelho tem a dizer. A leitura da história
das missões modernas apresentar-nos-á missionários que, v.g., investiram na saúde pública para facilitar a comunicação com
aqueles que deveriam ser alcançados pelo evangelho.
Ação social como uma
manifestação do evangelismo
Os defensores desta opção
acreditam no envolvimento social como uma demonstração do evangelho. A ação
social dá visibilidade à
evangelização. Conforme Nascimento, "a analogia da fé e obra na epístola
de Tiago é muitas vezes usada para explicar este ponto de vista".40 Esta leitura utiliza-se do ministério de Jesus para
mostrar que, com Ele, palavra e ação andavam
de mãos dadas, como irmãs gêmeas.
Ação social como
um resultado ou consequência do evangelismo
A Consulta de Grand Rapids
afirma que a ação social é uma conseqüência da evangelização, ou seja, a
evangelização é o meio pelo qual Deus produz nas pessoas um novo nascimento e este novo nascer manifesta-se no serviço
prestado aos outros. A definição vai mais adiante e assevera que mais do que simples
consequência da evangelização, a responsabilidade social é um dos seus
principais objetivos. Nesse sentido, entende-se que a resposta natural de uma
pessoa alcançada pelo evangelho será o seu envolvimento em ações sociais
transformadoras. Parece tratar-se de
postura bastante perigosa, visto que se verifica, (ao voltar os olhos para a
Igreja, mesmo sabendo que aqueles que a ela pertencem foram alcançados pelo
evangelho), a falta de uma ação social séria e radicalmente transformadora.
Parece, ainda, que o grande perigo revela-se na perpetuação do status quo,
fruto de uma alienação, posto
que a Igreja, em sua trajetória, muitas vezes
se preocupa com assuntos periféricos, como construção de templo,
modernização do som, aquisições de veículo
para a comunidade, de terreno
para o acampamento da igreja - que não dispõe de tempo, nem de condições
financeiras para se envolver com o problema social alheio.
Obviamente
não se pretende ser pessimista ao realizar tal critica, posto que teoricamente
parece que a teoria alberga congruência com a visão bíblica. Povo transformado
deveria ser povo engajado, mas, na prática, percebe-se
exatamente o contrário. A Igreja tem exercitado o "ensimesmamento" e
toda a sua estrutura parece voltar-se para o benefício da própria comunidade, o
que, de alguma maneira, a conduz à alienação quanto à tragédia
do outro.
Ação social como parceira do evangelismo
Grand
Rapids revelou também que a ação social foi vista igualmente como parceira do
evangelismo e, no intuito de ilustrar essa parceria fez-se a seguinte comparação: elas são como as duas lâminas de uma tesoura, ou como
as duas asas de um pássaro.41
Essa parceria aplica-se
tanto ao cristão, individualmente, como à igreja local. Obviamente, cada
cristão recebe um dom e um chamado diferente que o habilita a concentrar-se em
ministérios específicos, assim como os doze foram chamados para um ministério
pastoral e os sete para um ministério social. É igualmente óbvio que diferentes
cristãos encontram-se em diferentes situações de necessidade, e que cada uma
requer uma resposta específica. Nós nãos estamos acusando o "bom
samaritano", por atar as feridas do viajante sem indagar sobre o seu estado espiritual, nem Filipe por
compartilhar o evangelho sem inquirir as suas necessidades sociais. Estes
foram, no entanto, chamados específicos e situações específicas. Falando em
termos gerais, todos os seguidores de Jesus Cristo tem a responsabilidade de
testemunhar e de servir, de acordo com as oportunidades que lhes forem dadas.42
Ação social e evangelismo como igualmente
importantes
Esta, que se traduz na
oitava idéia, trata da valorização eqüitativa entre ação social e evangelismo.
Nascimento apresenta, como alguns dos expoentes desta concepção, Ronald Síder,
Samuel Escobar e David Bosch. Se alguma palavra pode ser vista como adequada
para caracterizar a missão da Igreja, de acordo com Bosch, ela é o conceito
bíblico de martyria (testemunha), que
pode ser subdividida em kerigma (proclamação),
koinonia (comunhão), diakonia (serviço) e leitougia (liturgia).
Na história da Igreja é possível perceber esta inter-relação que valoriza tanto
a ação social, quanto a evangelização.
Ação social como parte da proclamação do evangelho
Sendo este o último
expediente de análise, afirmou-se que a
ação social é parte da proclamação do evangelho. Em outras palavras, os
defensores desta postura, advogam que a
ação social da Igreja é mais do que alimentar os famintos, curar os doentes
e providenciar recursos para que a sua tragédia seja minimizada. Entende-se que
ela exige uma ação social mais profunda que possa trazer justiça social. A
tarefa da Igreja continua sendo a de proclamar o Evangelho, no entanto, isto,
em hipótese alguma, poderá fazer com que a Igreja cale-se diante dos desmandos sociais.
Você deve lembrar que este
é um fenômeno um tanto novo. Os
velhos reavivamentos são mencionados com grande carinho pelos líderes
evangélicos. Contudo, parece que se esqueceram do que foram esses
reavivamentos. Sim, os velhos reavivamentos da Grã-Bretanha, Escandinávia, e
assim por diante, conclamavam com grande clareza e sem dúvida alguma, a uma
salvação pessoal. Mas conclamavam também a uma ação social resultante. Leia a
história dos grandes reavivamentos. Cada um deles seguiu este mesmo padrão, e
não há melhor exemplo do que os grandes avivamentos de John Wesley (1703-1791)
e George Whitefield (1714-1770).
Os reavivamentos de Wesley
e Whitefield foram tremendos no chamado para a salvação individual, e milhares
de milhares foram salvos. Contudo, até mesmo os historiadores seculares
reconhecem que os resultados sociais do avivamento wesleyano, salvaram a
Inglaterra de sua própria versão da Revolução Francesa. Devemos mencionar os
nomes de alguns dos nossos precursores
cristãos, com um grito de orgulho e gratidão a Deus: Lorde Schaftesbury
(1801-1855), que ousou defender a justiça para o pobre em meio à revolução
industrial; William Wilberforce (1759-1833), que foi a maior força pessoal
solitária a mudar a Inglaterra de um país escravocrata para um país que, muito antes
dos Estados Unidos, abandonou a escravatura legalmente e de fato. Estes homens
não realizaram estas coisas por acaso, mas porque viam tudo isso como parte das Boas Novas
cristãs. Deus usou pessoas envolvidas nos
avivamentos para produzir os resultados não só de salvação individual, mas
também de social."
Afinal, qual a relação
entre responsabilidade social e evangelização? Esta pergunta permanece no ar e
como lembra Stott:
Muitos
temem que quanto mais nós, os evangelicais, nos comprometermos com um, tanto
menos estaremos comprometidos com o outro, e que, caso nos comprometamos com
ambos, um dos dois com certeza sairá prejudicado; e, especialmente, que uma
preocupação com a responsabilidade social certamente acabará embotando nosso
zelo evangelístico.44
Ao contrário do que muitos
pensam, entendo que a tarefa da Igreja deve abarcar as duas ações, a
evangelizadora e a social. Ora, se houver fidelidade ao Evangelho de Jesus, a Igreja não cometerá o equívoco de
priorizar uma ação em detrimento da outra. No entanto, creio, ainda, que se
deve usar o bom senso ao decidir qual será a atividade a encabeçar o contato da
Igreja com dada comunidade. Conquanto devam andar juntas, a evangelização e a
ação social podem existir independentemente.
A consulta reafirmou que a
ação prioritária da Igreja é a evangelização, por duas razões elementares:
primeiro, referida prioridade não é temporal, mas lógica, pois existem
situações em que o ministério social precisará vir inicialmente. No entanto, em
alguns países, o progresso social tem sido obstaculizado devido à predominância
de uma cultura religiosa e somente a evangelização pode modificar este cenário;
em segundo e último lugar, a evangelização relaciona-se com o destino eterno das
pessoas. Raras serão as vezes em que a Igreja haverá de optar entre ação
social ou evangelização, mas em acontecendo, ela precisa lembrar- se de que a
necessidade suprema e máxima de todo ser humano é a graça salvadora do Senhor Jesus.45 id., p.22.
Concluindo este segundo
capítulo, quero citar aquilo que Manfred Grellert afirmou com muita
propriedade:
"A
evangelização pode ter prioridade na missão integral da igreja, conforme a
ênfase de Lausanne. Mas ela não será bem-sucedida sem o equilíbrio na missão
integral da mesma. Uma comunhão patológica, uma edificação anêmica, um culto
festivo e vazio e uma ação social ausente geralmente resultam numa elefantíase
evangelística e numa inchação das igrejas.46
3.
Perspectiva histórica sobre a responsabilidade social da igreja
Em trecho
de determinado artigo, abaixo transcrito, observa- se que o autor fez severa
crítica à falta de influencia da Igreja Evangélica Brasileira. Segundo este
mesmo autor, a Igreja se diz grande, mas essa superdimensão não transforma o
estado de miséria e desigualdade social presentes no país, Senão, vejamos:
Dizem que o total dos supostos evangélicos é de 30
milhões. Mas por que o padrão moral e a ética da sociedade degeneram-se a cada
dia? Onde está a influência dos supostos evangélicos? Será que a miséria, a
desigualdade social e os salários de fome não incomodam aqueles que deveriam
não se conformar com este século, mas transformá-lo pela renovação da mente? A
população não tem perspectiva de vida, as pessoas não têm mais rumo, onde estão
os padrões éticos, morais e religiosos que são a base da sociedade? A Reforma
Protestante abalou o mundo, os puritanos diziam que a ignorância é a maior
aliada de satanás. A diferença entre os protestantes do passado e os supostos
evangélicos de hoje é que: 1. Os do passado criam no verdadeiro evangelho que
necessariamente gera o não- conformismo com o mundo, e o desejo de
implantar os aspectos do Reino de Deus nesta sociedade: justiça, paz e
alegria. 2. Eram reformados de verdade, temiam verdadeiramente a Deus. É por
isso que as coisas estão desse jeito... dizem que creem no mesmo Evangelho de
nossos pais. Será?47
O texto acima comete o
equívoco de não fazer uma análise histórica dos fatos que influenciaram a
Igreja Evangélica no Brasil, tornando-a o que é hoje. Consubstancia-se fácil
colocar a Igreja na berlinda e atirar-lhe pedras. Essa posição reveste-se de
comodidade e simplismo, pois não detecta os fatores que a levaram a ser
o que ela é. Se, por um lado, o
artigo peca por desprezar a história, por outro, tem a virtude de enfatizar a necessidade
de coerência entre discurso e prática.
Neste capítulo, revisita-se
a história da Igreja, buscando entender porque uma Igreja como a evangélica
brasileira, com tanto potencial e que
continua a experimentar um crescimento tão expressivo, denominado por alguns de
avivamento, não consegue exercer uma influência mais significativa e
transformadora no contexto em que está inserida e ainda, porque contínua restringindo sua ação social à filantropia
e, muitas vezes, limitando-a à igreja local. Relendo a história, será possível
perceber o enorme desafio que pesa sobre a Igreja, isto porque, tanto na
história da Igreja Cristã, como na história da Igreja Evangélica no Brasil é
possível vislumbrar dados maravilhosos sobre o papel social da Igreja.
A Igreja Evangélica é filha
da Reforma Protestante do século XVI, movimento que havia algo a dizer, não
apenas sobre eclesiologia e espiritualidade, mas sobre questões políticas e sociais, mesmo assim, infelizmente, a
Igreja Evangélica distanciou- se da práxis e do discurso reformado. Afastamento
que parece encontrar influência em eventos históricos mais recentes, os quais
levam a Igreja à alienação
quanto aos aspectos
sociais.
Elementos inibidores
Entende-se que um dos
elementos inibidores da ação social da Igreja é a influência do
Fundamentalismo sobre ela, mas antes de demonstrá-la, necessário se faz
compreender o seu nascimento, o seu
contexto histórico e o seu desvirtuamento. A melhor compreensão do tema, porém,
requer o entendimento acerca da influência do liberalismo teológico.
A)
O liberalismo
teológico
O liberalismo teológico
teve sua origem na Alemanha, onde convergiam várias correntes teológicas e
filosóficas no século XIX. O pensamento alemão teve um impacto profundo sobre as
teologias britânica e norte-americana, mas movimentos autóctones nos
dois lugares, a tradição da igreja Ampla na Inglaterra e o Unitarismo nos
Estados Unidos, moldaram de modo significativo o desenvolvimento do liberalismo ali.48
A melhor maneira de
compreender a origem do Fundamentahsmo faz-se quando se entende que ele nasce tentando combater o crescimento do
liberalismo teológico radical nas principais denominações históricas dos
Estados Unidos ao final do século XIX e início do século XX.
Augustus Nicodemus Lopes
apresenta as principais doutrinas do liberalismo:
1 - O caráter de Deus é de puro amor, sem padrões morais;
2
- Existe uma centelha divina em cada
pessoa;
3 - Jesus Cristo é Salvador somente no sentido em que ele é o exemplo
perfeito do homem;
4 - O Cristianismo só é diferente das demais religiões quantitativamente
e não qualitativamente;
5 - A Bíblia não é o registro infalível e inspirado da revelação divina,
mas o testamento escrito da religião que os judeus e os cristãos praticavam;
6 - A doutrina ou declarações proposicionais, como as que encontramos nos
credos e confissões da Igreja, não são essenciais ou básicas para o
Cristianismo, visto que o que molda e forma a religião é a experiência e não a revelação.49
Se a teologia liberal
afetou alguns aspectos fundamentais da fé, não se pode esquecer que, de alguma
maneira, os liberais dispunham de uma visão sobre o ser humano que o aproximava do prisma bíblico.
Acredita-se que uma das virtudes daquele período foi estabelecer-se uma visão integral do ser humano.
Os teólogos liberais entendiam que Deus estava interessado no ser humano e em seu sofrimento. O que nos gera
inquietude é perceber que, se eles acertam na práxis, cometem um erro elementar
ao desprezar aquelas verdades essenciais da fé
cristã.
B)
O evangelho social
No final do século XIX e
início do século XX, os teólogos liberais desenvolveram o chamado 'evangelho
social' que nada mais era do que uma tentativa de construir o
reino de Deus na terra, por causa dessa
tentativa o 'evangelho social' foi visto como uma perversão do verdadeiro evangelho.
O termo, 'evangelho
social', com sua associação atual com o pensamento social protestante
teologicamente liberal e modernamente reformista, veio a ser usado por volta de
1900, para descrever aquele esforço protestante no sentido de aplicar
princípios bíblicos aos crescentes problemas urbano-industriais dos Estados Unidos emergindo durante as
décadas entre a Guerra Civil e a Primeira Guerra Mundial.50
O mais popular porta-voz do
chamado evangelho social foi Walter Rauschenbusch. Sua visão foi influenciada
pela experiência pessoal ao deparar-se com opressiva pobreza, essa experiência
determinou sua mensagem. John Stott cita duas afirmações de Rauschenbusch que
certamente significou uma reação de rejeição, por parte da ala mais ortodoxa da
Igreja evangélica a qualquer programa social. Ele contrastou:
1
— 'O antigo evangelho da salvação de almas com' 'o novo evangelho do
Reino de Deus.' 'Não se trata de levar indivíduos para o céu', escreve, 'mas
transformar a vida aqui na terra na harmonia do céu'.
2
- 'O propósito essencial do cristianismo' é 'transformar a sociedade
humana em Reino de Deus através da regeneração de todos os relacionamentos
humanos' 51
Como
a atitude de Rauschenbusch foi politizar o Reino de Deus, é compreensível e
lamentável que a reação dos evangélicos tenha sido concentrar-se na evangelização
e na filantropia pessoal, mantendo-se distantes da ação sócio-política.52
C)
O fundamentalismo
O
Fundamentalismo foi um movimento que surgiu nos Estados Unidos durante e
imediatamente após a Primeira Guerra Mundial e tinha por escopo reafirmar o
Cristianismo ortodoxo e defendê-lo contra os desafios e a influência da
teologia liberal, da alta crítica alemã, do darwinismo e de outros pensamentos
considerados danosos ao Cristianismo, mais precisamente no seio das principais
denominações históricas dos Estados Unidos
no final do século XIX e
início do século XX.
Segundo Lopes, o termo
"Fundamentalista' foi usado por três razões:
1 - Os conservadores insistiam
que o liberalismo atacava determinadas doutrinas bíblicas que eram fundamentais
do Cristianismo, e que, ao negá-las, transformava o Cristianismo em outra
religião, diferente do Cristianismo bíblico.
2 - A publicação cm 1910-1915
da série Os Fundamentos, 12 volumes de artigos, escritos por conservadores,
onde defendiam os pontos fundamentais do Cristianismo e atacavam o modernismo,
a teoria da evolução, etc. Foram publicadas 3 milhões de cópias e espalhadas
pelos Estados Unidos. Há artigos de eruditos conservadores como J. G. Machen,
John Murtay, B. B. Warfield, R. A. Torrey, Campbell Morgan e outros.
3 - Muito embora o conflito
entre os liberais e fundamentalistas envolvesse muito mais do que somente os
pontos abaixo, os mesmos foram considerados na época, pelos conservadores, como
os pontos fundamentais da fé e do Cristianismo evangélicos e acabaram se
tornando o slogan dos conservadores e
a bandeira do movimento fundamentalista:
- A inspiração, infalibilidade
e inerrância das Escrituras;
-
A divindade de Cristo;
-
O nascimento virginal de Cristo e os
milagres;
-
O sacrifício propiciatório de Cristo;
-
Sua ressurreição literal e física e seu retorno. 53
Discorre-se no
tópico seguinte sobre o desenvolvimento histórico e teológico do
fundamentalismo na Igreja Cristã nos Estados Unidos e no Brasil, dividindo-o em
quatros partes ou fases.
1ª FASE - Durante a década de 1920
A fase inicial englobou a
articulação daquilo que era fundamental ao Cristianismo e ao início de uma
batalha urgente almejando expulsar das fileiras das igrejas os inimigos do
protestantismo ortodoxo. Nesse período, os avessos à ortodoxia foram nominados
e dentre eles, encontram-se o romanismo, o socialismo., a filosofia moderna, o
ateísmo, o mormonismo, e, acima de tudo, a teologia liberal fulcrada numa
interpretação naturalista das doutrinas da fé.
Nessa
época, publicou-se a série Os
Fundamentos. O alvo era atacar o naturalismo, o liberalismo e todos os
males a eles associados. A inerrância das Escrituras é reafirmada como sendo
doutrina bíblica e fundamental. Ainda no mencionado período, gradativamente
começou-se a adotar o dispensacionalismo como um dos pontos fundamentais da fé
cristã, o que provocaria, na fase subsequente, uma importante divisão no
movimento.
2ª FASE - Fim da década de 1920 até o início dos
anos 1940
Até cerca de 1926, o
movimento fundamentalista percebe ter fracassado na tentativa de fazer uma
limpeza no arraial protestante dos modernistas. A época foi
gravada pelo divisionismo e o nascimento de novas igrejas, instituições e
associações. Foram formadas novas denominações como a Associação Geral de
Igrejas Batistas Regulares (1932), a Igreja Presbiteriana da América, ou PCA
(1936), Associação Batista Conservadora da América (1947), as Igrejas Fundamentalistas Independentes
da América (1930) entre outras.
Naquela fase, a
lição teológica mais marcante era a de que os fundamentalistas representavam o
Cristianismo verdadeiro, baseado numa interpretação literal das Escrituras, e
essa verdade devia ser expressa concretamente, desvinculada dos liberais e dos
modernistas. Chegou-se a estabelecer, nesse momento, uma prática carregada daquilo que eles
acreditavam ser puro na moralidade pessoal e na cultura norte-americana.
Torna-se marcante a indiferença aos problemas sociais e o termo fundamentalismo
ganha uma conotação de 'divisionismo', intolerância' e de 'antiintelectualismo'.
3ª FASE - Fim da década de 1940 até à
década de 1970
No período acima
compreendido, o fundamentalismo continua
a batalha contra o liberalismo, de fora das denominações e contra um novo inimigo, o neo-evangelicalismo. O movimento
ganha repercussão internacional.
Em 1948 foi criado o
Concilio Internacional de Igrejas Cristãs, formado por denominações, igrejas e
indivíduos que se identificaram com a bandeira fundamentalista, em oposição ao
Concilio Mundial de Igrejas, que possuía uma visão ecumênica e liberal. Os
ataques fundamentalistas dirigiram-se aos neo- evangelicais ou evangelicais,
uma ala dentro do fundamentalismo que
deseja preservar os pontos fundamentais da fé, mas não havia interesse no
divisionismo da primeira geração, por julga-lo um grande perigo ao verdadeiro
Cristianismo, em virtude da sua abertura para outros cristãos e associação com
os liberais.
4ª FASE - Fim
da década de 1970 e a década de 1980
O fundamentalismo Norte Americano adentrou uma nova
fase, principalmente a partir
da campanha de
Ronald Reagan à presidência dos Estados Unidos, o que o fez ganhar novo
impulso, pois se dispôs a dar respostas para a
crise social, econômica,
moral e religiosa que se estabelecera no país. Percebeu-se, então, um
resgate dos princípios que marcaram a década de 1920.
Lopes
apresenta algumas características desta fase: - Surgem novos ministérios de uma nova
geração de fundamentalistas, utilizam-se da mídia, televisiva e impressa. Entre
eles: Jerry Falwell, Tim LaHaye, Hal Lindsey, James Dohson, Pat Robertson.
- O alvo principal dos
ataques fundamentalistas era o domínio do governo por humanistas e as
conseqüências disto para a nação, em termos de libertinagem e relaxamento dos
valores morais. O grande receio é de que o Cristianismo seja banido da América.
- Estes líderes e outros
mantinham os mesmos pontos doutrinários e a mesma visão separatista da primeira
geração de fundamentalistas, embora o inimigo fosse outro, nesse caso o humanismo.
- É formada a Maioria Moral
(1979) sob a liderança de Jerry Falwell, para combater o liberalismo moral e
social nos Estados Unidos,
- O fundamentalismo ganhou
maior torça com o ato de que o movimento evangelical começou a dar mostras de
que a política de boa vizinhança com liberais e católicos terminava em prejuízo
para a fé bíblica. 6 - Por outro lado, os escândalos na década de 1980,
envolvendo o casal Bakker, televangelístas fundamentalistas, causaram um grande
revés no movimento dentro dos Estados Unidos.54
Sem
dúvida alguma, o fundamentalismo, atualmente nos Estados Unidos continua sua
caminhada. Seu crescimento e sua influência não se fazem mais por meios
denominacionais, mas sim por intermédio da multiplicação de uma mentalidade
fundamentalista nos aspectos teológicos e apologéticos.
Parece que se pode concluir que, sem resquícios
duvidosos, o movimento fundamentalista teve seus aspectos positivos, como, por exemplo, a luta pela fidelidade às
Escrituras, uma busca contínua pelo resgate do Cristianismo histórico. No
entanto, é preciso lamentar o seu separatismo, seu preconceito, sua omissão
quanto à responsabilidade social, fruto de uma visão escatológica
dispensacionalista.
D)
O celeste porvir ou o protestantismo peregrino
O período do protestantismo
peregrino marcou o momento em que a Igreja perdeu o sentido sobre sua
vocação, "no mundo sem ser do
mundo". Ela tinha tanto medo de contaminar-se e perder seu real
significado, que preferiu olhar para o céu. Inevitavelmente constatou-se que a
alienação fez-se presente, afinal, somos apenas peregrinos, gente que não
tem residência aqui no mundo, mas tem um lar no céu,
preparado desde a eternidade. Ela se tornou a Igreja que não pode pensar o transitório porque tem a eternidade diante de
si. Antonio G. Mendonça afirma que:
Protestante
comum vive no provisório. Sua ética de negação do mundo o conduz à constante
expectação do porvir, do mundo ahistórico do além, muito melhor do que o
presente. Se essa expectação o leva a cantar as glórias e os prazeres de sua
futura e verdadeira pátria, leva-o, em contrapartida a recusar os valores do
presente. O mundo presente é um tempo de peregrinação. Ele não tem morada. Ele
não tem repouso e está rodeado de inimigos. Sente-se estrangeiro na terra, de
modo que o seu viver é um penoso caminhar para a pátria celestial. Repete-se a
velha alegoria puritana de João Bunyam. 55
Mendonça crê que o final do
século XIX e, em boa parte, o início do século XX, foram marcados pelo
sentimento de peregrinação, fato que, de algum modo, parece haver perdido sua
característica por causa das mudanças sociais muito acentuadas, ocorridas no
período da industrialização urbana.
Submetendo os hinários à
análise, percebe-se inegavelmente que aquilo que reflete muito bem essa postura
alienante, marca do protestantismo peregrino. Visão escatológica
Outro elemento que
alimentou essa alienação social pela Igreja
foi a sua visão escatológica pré-milenista. Embora não se pretenda fazer um
estudo escatológico, delineia-se apenas uma breve análise desse ponto de vista
para que se entenda a sua influência sobre a igreja brasileira.
Os
pré-milenistas crêem que Jesus voltará antes dos mil anos (milênio) em que
Cristo reinará sobre o mundo, o qual sobreviverá à destruição e ao julgamento que visitarão a terra na grande tribulação,
eliminando-se assim, todas as mazelas e injustiças sociais. A idéia elimina a
necessidade de preocupar-se com os problemas sociais de hoje, pois, quando
Jesus voltar, todos serão resolvidos.
Eu sei que alguns vêem as
tragédias mundiais com uma ponta de prazer, afinal isto é apenas o
prenuncio de que a volta de Jesus
para buscar sua Igreja é iminente. Nota-se que alguns crêem, sinceramente, que
tentar reverter o quadro social do mundo é lutar contra o inexorável, pois
entendem que a pobreza é algo a nos acompanhar em escala cada vez maior (Mt.
26.11), porque esta é a passada da humanidade em direção ao final dos tempos. O
Senhor Jesus, falando proféticamente, ensina-nos que o mundo caminha de
mal a pior — filhos estarão
contra os pais, pais contra os filhos, irmãos contra irmãos, guerra e rumores de
guerras, marcas comuns no final
dos tempos (Mt. 224.6, Mc. 13.7). Eles perguntam: "Como transformar aquilo
que é inevitável?"
"A
adoção da teologia fundamentalista, que quase sempre também é pré-milenista,
gera, na prática, alienação sócio-política, como se tem observado na maior
parte da comunidade evangélica brasileira". 58
F)
Adoção de uma política direitista
Como se não bastasse uma
teologia fundamentalista conservadora; que
abriu mão de uma ação social relevante e chegou ao Brasil na bagagem dos
missionários advindos da América do
Norte, a visão política de tais missionários era direitista e anticomunista,
sendo assim, tudo o que cheirasse a comunismo
ou a esquerda deveria ser veementemente combatido pela Igreja como sendo
algo que fatalmente afetaria a visão bíblica desta e não somente isto, ela
correria o risco de ver sua liberdade religiosa cerceada.
Nesse
pacote, a Teologia da Libertação tornou-se uma grande ameaça e uma revolução
como a de 1964 e foi vista como manifestação da bênção de Deus contra os
ameaçadores comunistas.
Depois de fazer uma visita
à história buscando entender o que levou a Igreja a uma clara alienação
quanto à questão social, segue-se a viagem pela história, verificando o
testemunho histórico da missão integral, entendendo-o como um desafio à Igreja.
Bibliografia
ROCHA, Clvino. Responsabilidade Social da Igreja. 1.ed. Descoberta Editora - Londrina - PR, 2004.