Novas religiões e novas
perspectivas
Secularização e nova espiritualidade
Com o avanço da industrialização
e da ciência no último século, surgiram
novas explicações não religiosas para o curso dos eventos. Embora as religiões
se mantenham vivas, áreas cada vez maiores da
vida social e cultural têm saído de sua influência. E além de os princípios religiosos terem perdido
influência na vida social, também os conceitos éticos ensinados pelas religiões
não afetam mais as questões sociais. Este processo é
conhecido como secularização.
Tais fatos vêm tendo efeitos
diversos sobre as pessoas. Alguns mantêm sua crença religiosa, mas traçam uma
linha divisória entre a religião e a ciência. Outros rejeitam a religião e se
tornam ateus ou agnósticos. Outros, ainda, incorporam a consciência científica
a sua fé religiosa.
Será que somos menos religiosos
hoje do
que éramos cinquenta anos atrás?
Não é fácil responder. Na Europa,
durante muito tempo a religião
pareceu desempenhar um papel menos influente na vida das pessoas. Porém, na
esteira da descristianização, apareceram novos movimentos religiosos.
Hoje as igrejas cristãs têm de
lutar não só contra a descristianização, mas também contra uma série de
diferentes tendências religiosas, entre elas algo que pode ser chamado de
esoterismo.
Tornou-se comum falar de uma
"nova espiritualidade". Por exemplo, na Dinamarca há mais líderes em
tempo integral dentro dos vários movimentos religiosos novos do que padres na
Igreja cristã dinamarquesa.
A expressão "nova
espiritualidade" é muito abrangente. Ela compreende:
* novas campanhas missionárias de religiões antigas como o hinduísmo e o
budismo;
* novas
seitas cristãs;
* novas
seitas religiosas não cristãs, que adotam
ideias de uma ou de mais de uma das principais
religiões do mundo;
* antigas
noções esotéricas, e
* novo
"conhecimento", que com freqüência é uma mistura de ciência moderna
com antigos conceitos religiosos.
Além dessas denominações de
constituição mais ou menos permanente, há uma grande quantidade de novos traços
na abordagem que as pessoas têm da vida em geral, que nada têm a ver com a nova
religiosidade.
Em meio a essa abundância de
novas direções filosóficas, é útil distinguir entre:
* novas
tendências religiosas;
* tendências
esotéricas, e
* movimentos
alternativos.
Parte do contexto histórico
desses novos movimentos foi a "revolução da juventude" da década de
1960. Naquela época foram lançadas as bases para novos grupos religiosos, bem
como para um renovado interesse pelo esoterismo e pelos movimentos hoje
conhecidos como alternativos.
Novos tendências religiosas
Sincretismo
Hare Krishna, Igreja da
Unificação do reverendo Moon (os Moonies), Meninos de Deus: eis alguns exemplos
de novos movimentos religiosos internacionais que cresceram
duranteas últimas décadas.
Em termos históricos, o
surgimento de novas religiões não é
um fenômeno desconhecido. As grandes religiões mundiais que estudamos aqui sofreram
muitas divisões ao longo dos séculos. Em alguns casos, isso levou à fundação de
religiões totalmente novas, ao passo que em outros se fundaram apenas novas
comunidades, novas igrejas, seitas ou tendências religiosas que mantiveram o
contato com suas raízes e tradições.
Uma característica típica das
diversas orientações religiosas novas que vêm surgindo é o que se conhece como
sincretismo: a seita ou comunidade
religiosa contém elementos de várias religiões diferentes. Também nisso não há
nada de novo.
A época romana nos dá um bom
exemplo de fusão religiosa. Através de todo o Império romano, idéias vindas da
África, da Ásia e da Europa se fundiram
para criar uma série de novos movimentos religiosos. Geralmente eles adotavam
conceitos de outras religiões, como a egípcia, a persa, a babilônica, a
judaica, a grega e a romana.
Durante o século XIX, muitos
líderes religiosos na Índia proclamaram que todas as grandes religiões do mundo
são compatíveis entre si e que, no fundo, expressam a mesma coisa. Tais ideias
devem igualmente ser chamadas de sincretistas.
Características comuns dos novos movimentos religiosos
Todas as religiões têm
características comuns em termos de conceitos, culto e organização. As novas
religiões também têm inúmeras
semelhanças com as grandes religiões mundiais.
Mas será que existem outros aspectos típicos dos novos movimentos, que
os diferenciam como um grupo especial? Vejamos alguns elementos que aparecem em
muitos dos novos movimentos religiosos.
* Normalmente foram fundados por alguém com forte
personalidade, que teve uma
revelação da divindade e se sente chamado a liderar uma Igreja. Pode ser uma
"figura messiânica" a quem as pessoas recorrem em épocas de crise
espiritual, cultural ou política. Mas também pode ser, como em vários
movimentos inspirados pelo hinduísmo, um
"guru" (mestre religioso) que exige a completa obediência e devoção
de seus discípulos. O guru em
si não é necessariamente divino,
mas representa o divino
e, portanto, pode receber
oferendas de seus seguidores.
* Os
novos movimentos religiosos afirmam que são universais e aplicáveis a todos, e
vêem a si mesmos como "a religião
das religiões". Costumam alegar que se trata de uma síntese de
todas as grandes religiões do mundo — e transformam Moisés, Jesus,
Maomé, Krishna e Buda em seus precursores. Com freqüência, a ideia é que as velhas religiões já esgotaram
seus papéis, pois cada uma, por si só, contém apenas uma fração da
verdade. A nova religião é a revelação final, a resposta
última, a verdade plena e completa. Em geral, as religiões anteriores não são
de todo repudiadas, mas vistas como uma
tradição antiga e vital que tem sua resolução ou consumação na nova religião.
* Dá-se
realce à experiência interior, considerada mais
importante do que o dogma ou
as formalidades externas.
Usualmente há nesses movimentos um elemento de revolta contra o status
quo religioso ou contra a liderança religiosa. Eles desafiam as normas
correntes e as práticas religiosas estabelecidas, e em casos extremos chegam
até a infringir a lei. A experiência interior, segundo eles, propicia uma
libertação total, que promove a tranquilidade, a harmonia e a felicidade. O
indivíduo pode encontrar a si mesmo. E justamente isso que a moderna sociedade
precisa; é a solução para todos os problemas internos e externos. Alguns grupos
ressaltam que não se trata de religião, mas de uma forma de conhecimento ou de
compreensão total e repentina. É uma questão de alcançar a experiência interior
correta.
* Os
membros do movimento costumam manifestar um fervor na fé e um zelo religioso
tais que são levados a devotar todas as suas
energias à seita ou movimento. Essas conversões em geral resultam na ruptura com a família. O
indivíduo pode deixar sua casa — para viver numa pequena comuna, por exemplo —,
assumir um novo nome ou abandonar seu emprego, seus estudos
etc.
Convicção ou lavagem cerebral?
A intervalos regulares a mídia dá
notícia de novos movimentos religiosos acusados de fazer
lavagem cerebral nos novos adeptos, os quais são comumente recrutados entre
jovens e adolescentes que estão em busca de sua identidade.
Uma característica importante dos
novos grupos religiosos é a exigência de que o indivíduo se entregue a eles por
inteiro — o que inclui um rompimento total com sua vida anterior. A pessoa
"morre" em sua vida antiga e "renasce" dentro da nova
seita. Não basta ser simpatizante. Com freqüência, o indivíduo deve doar a elas
tudo o que possui.
Muitos já se viram destituídos de suas posses depois de um encontro cora um desses novos movimentos
religiosos.
A seita começa apresentando
algumas questões existenciais bem conhecidas, em especial as que mais
intrigam as pessoas
no limiar da idade adulta, e
costuma fazer um diagnóstico
certeiro. Afirma que há muita
coisa errada com a sociedade moderna, que não vivemos uma vida
"autêntica" e "plena", que sentimos um vazio e não vemos
sentido para a existência. Numerosos membros, dizem eles, estavam
desestruturados pelo álcool ou pelas drogas quando foram recrutados. Mas há
algo capaz de trazer uma renovação de tudo: a nova religião. Basta apenas
aderir a ela e se comprometer. Se depois disso o novato tenta voltar para sua
vida anterior, seus "padrinhos" na seita podem dificultar
extremamente as coisas para ele.
Sobretudo nos Estados Unidos, há
associações especiais para pais que tentam reaver seus filhos e filhas. Alguns
pais chegaram a raptar os filhos de volta a fim de "desprogramá-los"
— ou seja, fazer uma espécie de lavagem cerebral ao contrário — com a ajuda de
ex-membros da seita. Essas atividades, naturalmente, levantam questões legais e
éticas consideráveis; por outro lado, há diversas "vítimas" de novos
grupos religiosos que ficaram gratas por terem sido trazidas de volta a seu
antigo ambiente. Entretanto, essas "aterrissagens forçadas" são
processos dolorosos e caros, que muitas vezes exigem os serviços de um psiquiatra ou psicólogo.
Tendências esotéricas
Esoterismo é um termo quase tão
abrangente quanto religião. Ele engloba a astrologia, o espiritismo, a
ufologia, a parapsicologia, várias formas de magia e clarividência, a teosofia
e a antroposofia.
Em décadas recentes, o interesse
pelo esotérico cresceu enormemente em quase todo o mundo. Isso se explica,
pelo menos em parte, pela secularização generalizada.
Embora as tendências esotéricas nem sempre levem a criação de novos organismos
religiosos, as idéias ocultistas de diferentes tipos têm tamanha
importância para tantas pessoas, que formam uma grande parcela de sua filosofia
de vida.
O esoterismo está longe de ser um
fenômeno novo. Ele se estende, numa tradição contínua, desde
a Antiguidade, passando pela Idade Média, até os dias de
hoje.
Astrologia
A tradição esotérica mais
significativa na história européia é sem dúvida a astrologia. Ela é também a
mais difundida das tendências ocultistas de hoje.
As raízes da astrologia se
encontram na Mesopotâmia de 2000
a. C. Ela foi depois refinada
dentro das culturas babilônica, grega e romana, e teve sua idade de ouro no
início da época moderna, do século XIV ao XVI.
A astrologia se baseia, em resumo, na crença
de que há uma correlação entre a posição dos astros e a vida humana
individual. Hoje, assim como em
épocas medievais, muitas pessoas acreditam que sua vida e sua personalidade — e
até mesmo o curso dos acontecimentos mundiais —
são influenciados pelas
posições relativas das estrelas e
dos planetas no
céu. De particular relevância é o
mapa astral, isto é, o aspecto celestial
no momento do nascimento.
Nem todos os que leem o horóscopo
nos jornais ou mandam fazer seu mapa astral acreditam naquilo que leem.
Mas há pessoas
que têm uma fé tão forte "no que dizem as estrelas" que isso
se torna o próprio fundamento de sua visão da vida.
Os astrólogos afirmam estar
praticando uma ciência antiga, mas não existe nenhuma base científica para a
astrologia. Aqui, como em outros contextos, deve-se fazer uma distinção entre
crença e ciência.
Espiritismo
O espiritismo é a crença num
mundo dos espíritos e na possibilidade de os vivos entrarem em contato com os
espíritos dos mortos. Realizam-se sessões durante as quais os chamados médiuns
afirmam transmitir mensagens de um espírito. Isso também pode ser feito por
meio da chamada "escrita automática" ou "psicografia", em
que um espírito controla a caneta do médium e dessa forma se comunica com os
vivos.
A ideia de que os mortos
continuam a viver e que se pode estabelecer contato com eles é bastante antiga,
e teve representação
especialmente clara nas religiões que chamamos de primais. Muitas vezes
tal noção floresceu após as guerras, quando
tantos perderam seus entes queridos. Não existem provas
científicas dos fatos alegados pelo espiritismo, e muitas tentativas de
monitorar cientificamente as sessões espíritas constataram charlatanismo. Uma
teoria diz que,embora o médium atue com boa-fé, o "espírito" que fala
por meio dele é, na verdade, seu próprio
subconsciente. Assim considerada,
a sessão espírita pode ter mais a ver com a hipnose ou com casos de
personalidade dividida.
Em 1875, a russa Helena Blavatsky
fundou em Nova York a Sociedade Teosófica, fundamentada no espiritismo. A
teosofia de Blavatsky continha elementos de ocultismo misturados com as
doutrinas indianas do carma e da reencarnação.
Mais recentemente, ideias
espíritas ganharam força num estudo das chamadas experiências de
quase-morte. Muitas pessoas que já estiveram próximas da morte afirmam que sua
alma deixou o corpo (experiências extracorporais). Por
exemplo, enxergaram-se deitadas na mesa de operação e puxadas para um estado
espiritual, voltando depois ao corpo. Há quem considere que esses relatos dão
mais peso às crenças espíritas.
Ufologia
Uma tendência mais moderna dentro
do esoterismo é a
crença na existência de seres inteligentes em outros sistemas solares.
Esses seres visitariam continuamente nosso planeta em discos voadores, ou OVNIs
(Objetos Voadores Não Identificados, expressão do jargão dos pilotos americanos;
em inglês, a sigla é UFOs, Unidentified Flying Objects). Muitas
pessoas dizem que já viram OVNIs, e algumas afirmam que já viram seres do
espaço — ou seja, que tiveram um encontro imediato de terceiro grau. Outras
relatam que entraram em contato com seres do espaço sideral durante sessões
espíritas. Essa crença se tornou
tão forte, em especial nos Estados Unidos, que deve ser considerada um novo
movimento religioso. Existem igrejas dirigidas aos OVNIs também em outras
partes do mundo. Por exemplo, George Adamski é um profeta que viaja pelo mundo
contando suas conversas com seres de Vênus. Ele crê que o mundo esteja à beira
de uma guerra atômica e que algumas pessoas serão salvas e levadas para outra
estrela no universo, numa versão moderna
da história da Arca de Noé. Os livros de Erich von Däniken
se concentram mais no passado. Segundo
sua teoria, diversos enigmas históricos só
podem ser explicados se aceitarmos que a Terra foi visitada por
astronautas de civilizações mais
adiantadas vindos do espaço sideral.
Embora vários astrônomos e
físicos acreditem que
possa existir vida em outros
planetas, por enquanto não há nenhuma prova conclusiva disso. Assim, não
existem provas científicas para as
alegações da ufologia, como, aliás, para qualquer outro conceito
religioso. Novamente, devemos aqui fazer uma distinção entre crença e ciência.
Movimentos alternativos
Uma série de diferentes
movimentos chamados "alternativos" surgiu nas últimas décadas como
reação às igrejas estabelecidas, à ciência oficial e ao status quo. Muitos
deles têm um novo ponto de vista sobre a vida, tão forte e
predominante que não podemos deixar de considerá-los num levantamento de novas
correntes filosóficas.
Existem incontáveis movimentos
alternativos, e suas idéias
são tão díspares que é difícil abranger a todos sob um só título.
Contudo, certas características são claras:
* Há
uma profunda desconfiança do materialismo. Trata-se de uma reação ao ponto de
vista materialista e também à ciência aplicada, que levou ao acúmulo de armas
atômicas e ã ameaça ambiental para a vida na Terra. O materialismo é
prejudicial ao corpo e à mente, a nosso ambiente físico e a nossa cultura como
um todo.
* Dá-se
ênfase a valores espirituais mais profundos, muitos inspira dos pela filosofia
oriental. Mais e mais pessoas estão se
voltando para o carma e a reencarnação {p. 42) ou para a interação entre yin e yang, de maneira totalmente
independente de sua formação religiosa. Da mesma forma, o interesse pela
meditação e pela ioga cresceu bastante nas últimas décadas — mais ou
menos isoladamente de seu próprio
contexto religioso. Os astrólogos creem que estamos rumando para uma "nova
era' (a Era de Aquário), a qual se caracterizará por uma orientação mais
espiritual. Tais ideias, originalmente
enraizadas num contexto religioso, permitem- nos falar de uma nova
"espiritualidade universal".
* Muitas
pessoas também são estimuladas por um novo
conhecimento. Várias ciências tradicionais entraram em crise neste
século, entre elas a física atômica, que rompeu, de
diversas maneiras, com a física
clássica e a física materialista {p. 242). Contudo, em gerai as conclusões que
as pessoas tiram desse "novo conhecimento" vão muito além do que os
especialistas achariam aceitável. O movimento da "Nova Era", que
surgiu na Califórnia, acredita que todo o nosso processo científico de
pensamento está prestes a passar por uma "mudança de paradigma", isto
é, uma mudança fundamental para a própria natureza do pensamento científico.
Tentativas de encontrar novos
canais para o pensamento se manifestaram ainda na área da medicina e saúde.
Alega-se que a "medicina acadêmica" deve, pelo menos em certo grau,
ser substituída pela "homeopatia" ou "naturopatia". O
interesse pela acupuntura, pelas curas espirituais, pela análise da aura etc.
também aumentou consideravelmente nos últimos anos.
* E
comum a uma área do movimento alternativo o interesse pela parapsicologia. Esta
se concentra em fenômenos extra-sensoriais, como a telepatia {transmissão de
pensamento), clarividência, levitação ou telecinesia (movimento de objetos
físicos pela energia psíquica). Em várias regiões do mundo a parapsicologia é
hoje uma disciplina científica séria, mas é ponto pacífico que também há muita
fraude nessa área. O fato é que o cotidiano de um bom número de pessoas está
tão impregnado da parapsicologia que esta pode determinar toda a visão que elas
têm da vida.
* Muitos
movimentos alternativos creem que a nova mentalidade científica será
caracterizada pelo "holismo" {da palavra grega holos,
"total", "inteiro").
Ressalta-se que, em
diversos casos, o
todo afeta as partes. Cada órgão dentro do corpo é influenciado
pelo indivíduo como um todo; o indivíduo
é parte
de um sistema ecológico, e nosso planeta tem uma relação orgânica com o
resto do universo. Essa filosofia também tem raízes bem antigas na história
humana.
* Os
movimentos alternativos não apenas se preocupam em alterar nossa maneira de pensar, mas se
empenham também na
implantação de um novo estilo de vida, já que
há algo fundamentalmente errado com a civilização ocidental de modo
geral.
FONTE: GAARDER, Josteins; HELLERN , Victor; NOTAKER, Henry. Livros das
Religiões.
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