segunda-feira, 16 de abril de 2018

Novas religiões e novas perspectivas




Novas religiões e novas perspectivas


Secularização e nova espiritualidade

Com o avanço da industrialização e da ciência no  último século, surgiram novas explicações não religiosas para o curso dos eventos. Embora as religiões se mantenham vivas, áreas cada vez maiores da  vida social e cultural têm saído de sua influência. E além  de os princípios religiosos terem perdido influência na vida social, também os conceitos éticos ensinados pelas  religiões  não  afetam  mais as questões sociais. Este processo é conhecido  como  secularização.
Tais fatos vêm tendo efeitos diversos sobre as pessoas. Alguns mantêm sua crença religiosa, mas traçam uma linha divisória entre a religião e a ciência. Outros rejeitam a religião e se tornam ateus ou agnósticos. Outros, ainda, incorporam a consciência científica a sua fé religiosa.
Será que somos menos religiosos hoje  do  que  éramos cinquenta anos atrás? Não é fácil responder. Na Europa,  durante  muito tempo a religião pareceu desempenhar um papel menos influente na vida das pessoas. Porém, na esteira da descristianização, apareceram novos movimentos religiosos.
Hoje as igrejas cristãs têm de lutar não só contra a descristianização, mas também contra uma série de diferentes tendências religiosas, entre elas algo que pode ser chamado de esoterismo.
Tornou-se comum falar de uma "nova espiritualidade". Por exemplo, na Dinamarca há mais líderes em tempo integral dentro dos vários movimentos religiosos novos do que padres na Igreja cristã dinamarquesa.
A expressão "nova espiritualidade" é muito abrangente. Ela compreende:
*             novas    campanhas        missionárias       de          religiões              antigas como    o hinduísmo e o budismo;
*             novas seitas cristãs;
*             novas seitas religiosas não cristãs,  que  adotam  ideias  de  uma ou de mais de uma das principais religiões do mundo;
*             antigas noções esotéricas, e
*             novo "conhecimento", que com freqüência é uma mistura de ciência moderna com antigos conceitos religiosos.
Além dessas denominações de constituição mais ou menos permanente, há uma grande quantidade de novos traços na abordagem que as pessoas têm da vida em geral, que nada têm a ver com a nova religiosidade.
Em meio a essa abundância de novas direções filosóficas, é útil distinguir entre:
*             novas tendências religiosas;
*             tendências esotéricas, e
*             movimentos alternativos.

Parte do contexto histórico desses novos movimentos foi a "revolução da juventude" da década de 1960. Naquela época foram lançadas as bases para novos grupos religiosos, bem como para um renovado interesse pelo esoterismo e pelos movimentos hoje conhecidos como alternativos.

Novos tendências religiosas
Sincretismo
Hare Krishna, Igreja da Unificação do reverendo Moon (os Moonies), Meninos de Deus: eis alguns exemplos de novos movimentos      religiosos            internacionais   que        cresceram duranteas últimas décadas.
Em termos históricos, o surgimento de novas  religiões  não  é um fenômeno desconhecido. As grandes religiões mundiais que estudamos aqui sofreram muitas divisões ao longo dos séculos. Em alguns casos, isso levou à fundação de religiões totalmente novas, ao passo que em outros se fundaram apenas novas comunidades, novas igrejas, seitas ou tendências religiosas que mantiveram o contato com suas raízes e tradições.
Uma característica típica das diversas orientações religiosas novas que vêm surgindo é o que se conhece como sincretismo: a seita  ou comunidade religiosa contém elementos de várias religiões diferentes. Também nisso não há nada de novo.
A época romana nos dá um bom exemplo de fusão religiosa. Através de todo o Império romano, idéias vindas da África, da Ásia e   da Europa se fundiram para criar uma série de novos movimentos religiosos. Geralmente eles adotavam conceitos de outras religiões, como a egípcia, a persa, a babilônica, a judaica, a grega e a romana.
Durante o século XIX, muitos líderes religiosos na Índia proclamaram que todas as grandes religiões do  mundo  são compatíveis entre si e que, no fundo, expressam a mesma coisa. Tais ideias devem igualmente ser chamadas de sincretistas.

Características comuns dos novos movimentos religiosos
Todas as religiões têm características comuns em termos de conceitos, culto e organização. As novas religiões também têm  inúmeras semelhanças com as grandes religiões mundiais.  Mas será que existem outros aspectos típicos dos novos movimentos, que os diferenciam como um grupo especial? Vejamos alguns elementos que aparecem em muitos dos novos movimentos religiosos.
*             Normalmente   foram   fundados            por         alguém com       forte

personalidade, que teve uma revelação da divindade e se sente chamado a liderar uma Igreja. Pode ser uma "figura messiânica" a quem as pessoas recorrem em épocas de crise espiritual, cultural ou política. Mas também pode ser, como em vários movimentos  inspirados pelo hinduísmo, um "guru" (mestre religioso) que exige a completa obediência e devoção de  seus discípulos. O  guru em  si  não é necessariamente divino, mas representa  o  divino  e,  portanto, pode receber oferendas de seus seguidores.
*             Os novos movimentos religiosos afirmam que são universais e aplicáveis a todos, e vêem a si mesmos como "a religião  das religiões". Costumam alegar que se trata de uma síntese de todas as grandes religiões do mundo — e transformam Moisés,  Jesus,  Maomé, Krishna e Buda em seus precursores. Com freqüência, a  ideia é que as velhas religiões já esgotaram seus papéis, pois cada uma, por si só, contém apenas uma fração da verdade.  A  nova religião é a revelação final, a resposta última, a verdade plena e completa. Em geral, as religiões anteriores não são de todo  repudiadas, mas vistas como uma tradição antiga e vital que tem sua resolução ou consumação na nova religião.
*             Dá-se realce à experiência interior, considerada mais  importante do que o dogma ou  as  formalidades  externas.  Usualmente há nesses movimentos um elemento de revolta contra o status quo religioso ou contra a liderança religiosa. Eles desafiam as normas correntes e as práticas religiosas estabelecidas, e em casos extremos chegam até a infringir a lei. A experiência interior, segundo eles, propicia uma libertação total, que promove a tranquilidade, a harmonia e a felicidade. O indivíduo pode encontrar a si mesmo. E justamente isso que a moderna sociedade precisa; é a solução para todos os problemas internos e externos. Alguns grupos ressaltam que não se trata de religião, mas de uma forma de conhecimento ou de compreensão total e repentina. É uma questão de alcançar a experiência interior correta.
*             Os membros do movimento costumam manifestar um fervor na fé e um zelo religioso tais que são levados a devotar todas as suas  energias à seita ou movimento. Essas conversões em geral  resultam na ruptura com a família. O indivíduo pode deixar sua casa — para viver numa pequena comuna, por exemplo —, assumir um  novo  nome ou abandonar seu emprego, seus estudos etc.
Convicção ou lavagem cerebral?
A intervalos regulares a mídia dá notícia  de  novos movimentos religiosos acusados de fazer lavagem cerebral nos novos adeptos, os quais são comumente recrutados entre jovens e adolescentes que estão em busca de sua identidade.
Uma característica importante dos novos grupos religiosos é a exigência de que o indivíduo se entregue a eles por inteiro — o que inclui um rompimento total com sua vida anterior. A pessoa "morre" em sua vida antiga e "renasce" dentro da nova seita. Não basta ser simpatizante. Com freqüência, o indivíduo deve doar a  elas  tudo  o que  possui.  Muitos já se viram destituídos de suas posses depois de  um encontro cora um desses novos movimentos religiosos.
A seita começa apresentando algumas questões  existenciais  bem conhecidas, em especial as que mais intrigam  as  pessoas  no  limiar da idade adulta, e costuma fazer um diagnóstico  certeiro.  Afirma que há muita coisa errada com a sociedade moderna, que não vivemos uma vida "autêntica" e "plena", que sentimos um vazio e não vemos sentido para a existência. Numerosos membros, dizem eles, estavam desestruturados pelo álcool ou pelas drogas quando foram recrutados. Mas há algo capaz de trazer uma renovação de tudo: a nova religião. Basta apenas aderir a ela e se comprometer. Se depois disso o novato tenta voltar para sua vida anterior, seus "padrinhos" na seita podem dificultar extremamente as coisas para ele.
Sobretudo nos Estados Unidos, há associações especiais para pais que tentam reaver seus filhos e filhas. Alguns pais chegaram a raptar os filhos de volta a fim de "desprogramá-los" — ou seja, fazer uma espécie de lavagem cerebral ao contrário — com a ajuda de ex-membros da seita. Essas atividades, naturalmente, levantam questões legais e éticas consideráveis; por outro lado, há diversas "vítimas" de novos grupos religiosos que ficaram gratas por terem sido trazidas de volta a seu antigo ambiente. Entretanto, essas "aterrissagens forçadas" são processos dolorosos e caros, que muitas vezes exigem os serviços    de um psiquiatra ou psicólogo.

Tendências esotéricas
Esoterismo é um termo quase tão abrangente quanto religião. Ele engloba a astrologia, o espiritismo, a ufologia, a parapsicologia, várias formas de magia e clarividência, a teosofia e a antroposofia.
Em décadas recentes, o interesse pelo esotérico cresceu enormemente em quase todo o mundo. Isso se  explica,  pelo  menos  em parte, pela secularização generalizada. Embora as tendências esotéricas nem sempre levem a criação de novos  organismos  religiosos, as idéias ocultistas de diferentes tipos têm tamanha importância para tantas pessoas, que formam uma grande parcela de sua filosofia de vida.
O esoterismo está longe de ser um fenômeno novo. Ele se estende, numa tradição contínua,  desde  a  Antiguidade,  passando pela Idade Média, até os dias de hoje.

Astrologia
A tradição esotérica mais significativa na história européia é sem dúvida a astrologia. Ela é também a mais difundida  das  tendências ocultistas de hoje.
As raízes da astrologia se encontram na Mesopotâmia de 2000
a. C. Ela foi depois refinada dentro das culturas babilônica, grega e romana, e teve sua idade de ouro no início da época moderna, do século XIV ao XVI.
 A astrologia se baseia, em resumo, na crença de que há uma correlação entre a posição dos astros e a vida  humana  individual.  Hoje, assim como em épocas medievais, muitas pessoas acreditam que sua vida e sua personalidade — e até mesmo o curso dos acontecimentos mundiais —  são  influenciados  pelas  posições relativas das estrelas e  dos  planetas  no  céu. De  particular relevância é o mapa astral, isto é, o aspecto celestial  no  momento  do nascimento.
Nem todos os que leem o horóscopo nos jornais ou mandam fazer seu mapa astral acreditam naquilo que  leem.  Mas    pessoas  que têm uma fé tão forte "no que dizem as estrelas" que isso se torna o próprio fundamento de sua visão da vida.
Os astrólogos afirmam estar praticando uma ciência  antiga,  mas não existe nenhuma base científica para a astrologia. Aqui, como em outros contextos, deve-se fazer uma distinção entre crença  e ciência.

Espiritismo
O espiritismo é a crença num mundo dos espíritos e na possibilidade de os vivos entrarem em contato com os espíritos dos mortos. Realizam-se sessões durante as quais os chamados médiuns afirmam transmitir mensagens de um espírito. Isso também pode ser feito por meio da chamada "escrita automática" ou "psicografia", em que um espírito controla a caneta do médium e dessa forma se comunica com os vivos.
A ideia de que os mortos continuam a viver e que se pode estabelecer contato com eles é bastante  antiga,  e  teve  representação  especialmente clara nas religiões que chamamos de primais. Muitas vezes tal noção floresceu após as guerras, quando  tantos  perderam  seus entes queridos. Não existem provas científicas dos fatos alegados pelo espiritismo, e muitas tentativas de monitorar cientificamente as sessões espíritas constataram charlatanismo. Uma teoria diz que,embora o médium atue com boa-fé, o "espírito" que fala por meio dele  é, na verdade, seu  próprio  subconsciente.  Assim  considerada,  a sessão espírita pode ter mais a ver com a hipnose ou com casos de personalidade dividida.
Em 1875, a russa Helena Blavatsky fundou em Nova York a Sociedade Teosófica, fundamentada no espiritismo. A teosofia de Blavatsky continha elementos de ocultismo misturados com as doutrinas indianas do carma e da reencarnação.
Mais recentemente, ideias espíritas ganharam força  num  estudo das chamadas experiências de quase-morte. Muitas pessoas que já estiveram próximas da morte afirmam que  sua  alma  deixou  o corpo (experiências extracorporais). Por exemplo, enxergaram-se deitadas na mesa de operação e puxadas para um estado espiritual, voltando depois ao corpo. Há quem considere que esses relatos dão mais peso às crenças espíritas.
Ufologia
Uma tendência mais moderna dentro do esoterismo  é  a  crença na existência de seres inteligentes em outros sistemas solares. Esses seres visitariam continuamente nosso planeta em discos voadores, ou OVNIs (Objetos Voadores Não Identificados, expressão do jargão dos pilotos americanos; em inglês, a sigla  é  UFOs, Unidentified Flying Objects). Muitas pessoas dizem que já viram OVNIs, e algumas afirmam que já viram seres do espaço — ou seja, que tiveram um encontro imediato de terceiro grau. Outras relatam que entraram em contato com seres do espaço sideral durante  sessões  espíritas.  Essa crença se tornou tão forte, em especial nos Estados Unidos, que deve ser considerada um novo movimento religioso. Existem igrejas dirigidas aos OVNIs também em outras partes do mundo. Por exemplo, George Adamski é um profeta que viaja pelo mundo contando suas conversas com seres de Vênus. Ele crê que o mundo esteja à beira de uma guerra atômica e que algumas pessoas serão salvas e levadas para outra estrela no universo, numa  versão moderna da  história da  Arca de Noé. Os livros de Erich von Däniken se concentram mais no  passado. Segundo sua teoria, diversos enigmas  históricos    podem ser explicados se aceitarmos que a Terra foi visitada por astronautas     de civilizações mais adiantadas vindos do espaço sideral.
Embora vários astrônomos e físicos  acreditem  que  possa  existir vida em outros planetas, por enquanto não há nenhuma prova conclusiva disso. Assim, não existem provas científicas para as  alegações da ufologia, como, aliás, para qualquer outro conceito religioso. Novamente, devemos aqui fazer uma distinção entre crença  e ciência.
Movimentos alternativos
Uma série de diferentes movimentos chamados "alternativos" surgiu nas últimas décadas como reação às igrejas estabelecidas, à ciência oficial e ao status quo. Muitos deles têm um novo  ponto  de vista sobre a vida, tão forte e predominante que não  podemos deixar  de considerá-los num levantamento de novas correntes filosóficas.
Existem incontáveis movimentos alternativos, e  suas  idéias  são tão díspares que é difícil abranger a todos sob um só título. Contudo, certas características são claras:
*             Há uma profunda desconfiança do materialismo. Trata-se de uma reação ao ponto de vista materialista e também à ciência aplicada, que levou ao acúmulo de armas atômicas e ã ameaça ambiental para a vida na Terra. O materialismo é prejudicial ao corpo e à mente, a nosso ambiente físico e a nossa cultura como um todo.
*             Dá-se ênfase a valores espirituais mais profundos, muitos inspira dos pela filosofia oriental. Mais e mais pessoas  estão  se  voltando para o carma e a reencarnação {p. 42) ou para a interação entre  yin e yang, de maneira totalmente independente de sua formação religiosa. Da mesma forma, o interesse pela meditação e pela ioga cresceu bastante nas últimas décadas — mais  ou  menos  isoladamente de seu próprio contexto religioso. Os astrólogos creem que estamos rumando para uma "nova era' (a Era de Aquário), a qual se caracterizará por uma orientação mais espiritual.  Tais ideias, originalmente enraizadas num contexto religioso, permitem- nos falar de uma nova "espiritualidade universal".
*             Muitas pessoas também são estimuladas por um novo  conhecimento. Várias ciências tradicionais entraram em crise neste século, entre elas a física atômica, que rompeu,  de  diversas  maneiras, com a física clássica e a física materialista {p. 242). Contudo, em gerai as conclusões que as pessoas tiram desse "novo conhecimento" vão muito além do que os especialistas achariam aceitável. O movimento da "Nova Era", que surgiu na Califórnia, acredita que todo o nosso processo científico de pensamento está prestes a passar por uma "mudança de paradigma", isto é, uma mudança fundamental para a própria natureza do pensamento científico.
Tentativas de encontrar novos canais para o pensamento se manifestaram ainda na área da medicina e saúde. Alega-se que a "medicina acadêmica" deve, pelo menos em certo grau, ser substituída pela "homeopatia" ou "naturopatia". O interesse pela acupuntura, pelas curas espirituais, pela análise da aura etc. também aumentou consideravelmente nos últimos anos.
*             E comum a uma área do movimento alternativo o interesse pela parapsicologia. Esta se concentra em fenômenos extra-sensoriais, como a telepatia {transmissão de pensamento), clarividência, levitação ou telecinesia (movimento de objetos físicos pela energia psíquica). Em várias regiões do mundo a parapsicologia é hoje uma disciplina científica séria, mas é ponto pacífico que também há muita fraude nessa área. O fato é que o cotidiano de um bom número de pessoas está tão impregnado da parapsicologia que esta pode determinar toda a visão que elas têm da vida.

*             Muitos movimentos alternativos creem que a nova mentalidade científica será caracterizada pelo "holismo" {da palavra grega holos, "total", "inteiro").  Ressalta-se  que,  em  diversos  casos,  o  todo   afeta   as partes. Cada órgão dentro do corpo é influenciado pelo indivíduo como  um todo; o indivíduo é  parte  de um sistema ecológico, e nosso planeta tem uma relação orgânica com o resto do universo. Essa  filosofia  também tem raízes bem antigas na história humana.
*             Os movimentos alternativos não apenas se preocupam em alterar  nossa maneira de pensar, mas  se  empenham  também  na  implantação de um novo estilo de vida, já  que    algo  fundamentalmente  errado com a civilização ocidental de modo geral.

FONTE: GAARDER, Josteins; HELLERN , Victor; NOTAKER, Henry. Livros das Religiões.

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