A
PARTÍCULA DE DEUS
Artigo do Dr. William
Craig
A reação entre alguns
ateus à notável confirmação empírica recente da existência do bóson de Higgs
(também conhecido como “a partícula de Deus”), feita por cientistas na
Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), é desconcertante. O fato
que não-cientistas a tenham considerado como refutação de Deus ou como outra
vitória na batalha entre ciência e religião pode ser creditado ao estado
deplorável da educação científica em nosso país, algo que os cientistas de
profissão frequentemente lamentam. Agora, quando os próprios cientistas, que
têm obrigação de saber mais a esse respeito, também entram na onda, fazendo
declarações públicas no mesmo sentido, surge a suspeita de que a culpa dessas
afirmações temerárias vai muito além da ignorância.
Sem querer estragar a
festa, devo dizer que a enorme façanha do CERN ao detectar experimentalmente o
bóson de Higgs não tem diretamente nenhuma implicação teológica, até onde
consigo enxergar. O bóson de Higgs é a última partícula postulada pelo modelo
padrão da física de partículas a ser empiricamente confirmada. O modelo padrão
postula diversas partículas subatômicas fundamentais, como quarks, elétrons,
fótons, e assim por diante, com o intuito de explicar três forças fundamentais
da natureza, a saber: forças fortes, fracas e eletromagnéticas. A quarta força
fundamental, a gravidade, fica de fora do modelo padrão.
Uma das partículas teóricas
no modelo padrão é um tipo de partícula, chamado bóson, que é responsável por
um campo que permeia o espaço e determina a massa de diversas outras partículas
que se movem pelo espaço. Como resultado de seu movimento pelo campo, o
elétron, por exemplo, tem massa pequena, ao passo que o fóton tem massa nula. A
partícula responsável por esse campo é chamada de bóson de Higgs por causa de
Peter Higgs, o físico que predisse sua existência, bem como a de seu campo
correspondente, o campo de Higgs.
Como o bóson decai
tão rapidamente e exige energias extraordinariamente altas para sua criação,
custou bastante tempo, esforço e dinheiro para, enfim, aparecer confirmação
empírica de que o modelo padrão está correto ao postular a existência dessa
partícula. É um daqueles maravilhosos exemplos na ciência em que predições
feitas por físicos teóricos se mostram corretas graças a cientistas
experimentais.
A prova de que o
bóson de Higgs existe, portanto, representa a confirmação daquilo que
praticamente todos já acreditavam ser verdade. Confirma que o modelo padrão de
física de partículas, que é pressuposto pela maioria dos físicos, está, sim,
correto, assim como os cientistas criam e esperavam. A descoberta, então, não
se trata de uma espécie de revolução científica nem demanda uma nova teoria
para explicá-la. Trata-se apenas da última peça no quebra-cabeças já montado a
receber confirmação experimental.
Sendo assim, a
confirmação empírica do bóson de Higgs e, consequentemente, do modelo padrão da
física de partículas não põe nada por terra, científica ou teologicamente. Em
particular, nada muda com respeito a argumentos cosmológicos para o começo do
universo ou argumentos teleológicos relacionados ao ajuste fino do universo,
uma vez que esses argumentos se derivam da pressuposição de que o modelo padrão
da física de partículas está correto (ao menos dentro de suas limitações! Ainda
precisamos de uma Teoria da Grande Unificação a fim de explicar a física do
universo antes da emergência das forças fortes, fracas e eletromagnéticas
enquanto forças distintas. E, antes disso, precisamos de uma teoria quântica da
gravidade — ou a chamada Teoria de Tudo — que incorpore a força gravitacional.
Ainda não temos nada disso.) Tudo o que faltava era a confirmação empírica do
modelo padrão com respeito ao bóson de Higgs. Pois bem, aparentemente o temos,
o que é muito melhor! Nada mudou.
É lamentável que
alguns físicos de profissão tenham tentado tirar capital antiteológico dessa
enorme façanha da ciência física. Considere, por exemplo, o seguinte diálogo
entre um entrevistador da CNN e o físico Michio Kaku:
CNN: Não se trata só
de ciência. É assim que a ciência talvez consiga até refutar a religião, pois o
senhor diz encolher-se quando ouve “partícula de Deus”. Será que é para essa
direção que estamos caminhando...?
Michio Kaku: Muito
mais do que isso! Entenda que o bóson de Higgs nos leva até ao instante da
própria criação, e podemos rodar a fita antes do Big Bang; podemos discutir o
universo antes da criação do próprio universo. Se nosso universo é como que uma
bolha de sabão e está em expansão, poderia haver por aí outras bolhas de sabão,
outros universos.
Não sei o que o
professor Kaku está pensando quando concorda com a ideia do entrevistador de
que a descoberta “refuta a religião”. É desnorteante observar como se pode
conceber que a confirmação do modelo padrão da física de partículas refute a
religião.
Igualmente
desconcertante é sua afirmação de que o bóson de Higgs “nos leva [de volta] até
ao instante da criação”. O modelo padrão da física de partículas é uma teoria
que se aplica ao universo apenas em temperaturas relativamente baixas. Ao
voltar no tempo, o universo se torna cada mais denso e cada vez mais quente,
até que as temperaturas fiquem tão inimaginavelmente altas que o modelo padrão
da física de partículas não se aplica mais. O universo é, então, quente demais
e denso demais para que as três forças descritas pelo modelo existam
separadamente e, assim, elas ficam unificadas em uma única força para a qual
ainda não temos uma teoria. É a chamada Teoria da Grande Unificação (TGU) que
os físicos buscam atualmente. A era da TGU precederia cronologicamente a era em
que o modelo padrão da física de partículas se aplica.
Uma TGU não é ainda,
contudo, a teoria final, pois, à medida que se retrocede para cada vez mais
perto do começo do universo, a temperatura e densidade continuam a aumentar,
até que mesmo a gravidade não possa existir enquanto força separada. Antes do
chamado momento de Planck, 10-43 segundos após o começo do universo, será
preciso uma teoria quântica da gravidade — ou a chamada Teoria de Tudo (TDT) —,
que une a gravidade às outras forças fundamentais da natureza em uma única
força carregada por uma única partícula. Ainda não temos uma TDT para descrever
essa era da gravidade quântica.
Mudando a direção e
avançando no tempo, o que temos primeiro é a era de Planck descrita por uma
TDT, uma teoria quântica da gravidade. Assim, à proporção que o universo se
expande e resfria, aquele estado simétrico é quebrado e a gravidade se separa
como força distinta. Eis então a era da TGU. À proporção que o universo
continua a expandir e as temperaturas, a diminuir, quebra-se a simetria
novamente e as três forças — fraca, forte e eletromagnética — separam-se como
forças distintas. Chegamos, então, à era do modelo padrão em que vivemos no
presente.
O modelo padrão da
física de partículas é, portanto, apenas um passo a mais rumo à compreensão da
física do universo inicial. Fico pasmo com o que teria feito o professor Kaku
dizer que a partícula de Higgs nos levaria de volta ao instante da criação.
Quando, em seguida, ele continua e fala sobre voltar até antes do Big Bang,
toca em especulações e modelos que não têm nada a ver com a descoberta recente
no CERN que comemoramos. Ao falar de nosso universo como se fosse uma bolha em
universo muito mais amplo, ele mudou de assunto e passou a discutir os modelos
inflacionários eternos do universo, segundo os quais existe uma espécie de
universo-mãe em expansão no qual pequenos universos-bolhas são formados, e
estes, por sua vez, também estão em expansão. Nosso universo é uma minúscula
bolha dentro desse universo maior que está em expansão.
Como o professor Kaku
deve saber, em 2003, três cosmólogos — Arvind Borde, Alan Guth e Alexander
Vilenkin — demonstraram um teorema provando que modelos inflacionários do
universo não podem ser eternos no passado. O teorema de Borde-Guth-Vilenkin se
aplica não somente a nosso universa-bolha, mas também ao universo-mãe mais
amplo e em expansão. Ele prova que esse universo-mãe mais amplo não pode ser
eterno no passado, mas deve ter um começo. E, o que é significativo, ele assim
o faz independentemente da TGU ou TDT que vier a ser correta. Logo, modelos
inflacionários do universo não evitam o começo absoluto do universo que é
postulado pelo modelo padrão na cosmologia do Big Bang.
Em artigo publicado
em abril deste ano [2012] com o título “Did the Universe Have a Beginning?” [O
universo teve um começo?], Vilenkin e Mithani mostraram que não apenas modelos
inflacionários, mas também modelos cíclicos e outros modelos estáticos do
universo, não podem ser eternos no passado. Concluíram assim: “Segundo tudo o
que sabemos, não há no momento modelos que forneçam um modelo satisfatório de
um universo sem começo”.
Sendo assim,
especulações sobre cosmologia pré-Big Bang não servem para evitar o começo
absoluto que caracteriza o modelo padrão do Big Bang. No máximo, apenas
empurram o começo um passo para trás. O professor Kaku confunde seu público ao
deixar de sugerir o contrário.
Pode-se, pois, dizer
que a confirmação da existência do bóson de Higgs tem, no máximo, implicações
teológicas indiretamente. Por exemplo, reforça o que o físico Eugene Wigner
celebremente chamou de “eficácia desproporcional da matemática”. Como é
possível que um físico teórico como Peter Higgs consiga se sentar à sua
escrivaninha e, com base em determinadas equações matemáticas, prever a
existência de uma partícula e um campo que praticamente meio século depois
físicos experimentais chegarão a descobrir? Por que a matemática é a linguagem
da natureza?
Responder à pergunta
parece ser consideravelmente mais fácil para teístas do que para naturalistas.
Os teístas sustentam que existe um ser pessoal e transcendente (Deus) que é o
Criador e Arquiteto do universo. Os naturalistas sustentam que tudo o que
existe concretamente é o espaço-tempo e seus conteúdos físicos. O teísta goza
de vantagem considerável sobre o naturalista ao explicar o fantástico êxito da
matemática. Pois o teísta já tem uma explicação pronta acerca da aplicabilidade
da matemática ao mundo físico: Deus o criou de acordo com determinado projeto
que Ele tinha em mente. O mundo exibe sua estrutura matemática desse modo,
porque Deus escolheu criá-lo de acordo com o modelo abstrato em Sua mente.
Em contrapartida, o
naturalista não tem nenhuma explicação do motivo pelo qual o mundo físico exibe
tamanha estrutura matemática, tão complexa e espantosa. O teísta, então, tem os
meios explanatórios para a estrutura matemática do mundo físico e,
consequentemente, para aquilo que, do contrário, seria a eficácia
desproporcional da matemática — meios que faltam ao naturalista. A confirmação
experimental da predição teórica do bóson de Higgs é exatamente o tipo de coisa
que Wigner discutia e redunda no poder explanatório do teísmo, em contraste com
o naturalismo.
A impressão
contrária, evidentemente partilhada por alguns leigos, de que a descoberta do
bóson de Higgs tem implicações teológicas danosas deve-se, sem dúvida, em parte
à designação de “partícula de Deus” dada ao bóson de Higgs por Leon Lederman em
seu livro The God Particle [A partícula de Deus], de 1993. Alguns parecem
pensar que o bóson de Higgs de certa forma toma o lugar de Deus. Supõe-se que o
chamado “Deus das lacunas” tenha sido excluído por essa descoberta. A ideia,
porém, é tola; não conheço ninguém que tenha postulado que Deus, em vez do
bóson de Higgs, tenha sido responsável por imediata e sobrenaturalmente
conferir massa às outras partículas do modelo padrão! Não havia nenhuma lacuna
a ser excluída, a não ser na mente de ateus teologicamente ingênuos.
Além de seu claro
valor publicitário, a razão pela qual Lederman escolheu o rótulo “a partícula
de Deus” para o bóson de Higgs é dupla: (1) como Deus, a partícula subjaz a
todo objeto físico que existe; e, (2) como Deus, a partícula é muito difícil de
ser detectada! Pessoalmente, gosto da nomenclatura de Lederman, por destacar e
ilustrar dois aspectos teologicamente importantes da existência de Deus:
primeiro, Sua preservação da existência do mundo; e, segundo, o ocultamento de
Deus.
Em relação ao
primeiro, segundo a teologia cristã, Deus não apenas criou o universo e causou
sua existência, mas Ele sustenta sua existência momento após momento. Se Ele
retirasse Seu poder sustentador, o universo seria imediatamente aniquilado.
Igualmente, no nível físico, sem o bóson de Higgs, não haveria massa, e o
universo estaria desprovido de objetos físicos. O bóson de Higgs, portanto,
fornece uma boa analogia para ilustrar como Deus conserva a existência o mundo.
Não deveria haver
nenhum receio de que, ao prover massa a partículas fundamentais e, portanto, a
todo objeto composto por tais partículas, o bóson de Higgs de algum modo
suplante Deus na conservação da existência do mundo. Pois o bóson de Higgs é,
por si só, uma partícula contingente, que decai praticamente assim que é
formada, de modo que não existe necessariamente; e o próprio bóson de Higgs e o
campo de Higgs são produtos do Big Bang e, portanto, não-necessário e
não-eternos. Deus é o fundamento da existência de tudo que há, seja físico ou
não-físico, incluindo o próprio bóson de Higgs.
Com relação ao
segundo ponto, é parte integrante do problema do mal de que Deus está oculto.
Não apenas Ele é indetectável pelos cinco sentidos, não sendo um objeto físico,
mas às vezes decepciona ao parecer ausente quando mais precisamos dEle. A lição
do bóson de Higgs, porém, é que indetectabilidade física não é prova de
inexistência. Algo pode ser objetivamente real e até onipresente, mesmo quando
não temos nenhum indício evidente de sua presença. Simplesmente por não poder ver
a mão de Deus em operação enquanto você sofre, não significa que Deus não está
presente e ativo em sua situação, permanecendo desconhecido. O bóson de Higgs é
bom lembrete desse aspecto da existência de Deus.
É uma lástima que
ateus que têm tão pouco entendimento de ciência ou teologia festejem com uma
vitória ilusória em sua campanha contra a religião e percam de vista o que é
verdadeiramente digno de comemorar nesse triunfo da razão e descoberta humanas.
http://pt.reasonablefaith.org/artigos/artigos-de-divulgacao/a-particula-de-deus
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