Religiões surgidas no Oriente Médio:
Monoteísmo
Três das grandes religiões mundiais tiveram início
no Oriente Médio: o judaísmo, o cristianismo e o islã. As três são monoteístas.
São também chamadas "abraâmicas", por sua fé no Deus Único, que teria
se revelado ao primeiro dos patriarcas bíblicos: Abraão (c. 1800 a. C). (Releia
as epígrafes deste capítulo.) As três exerceram influência na região do
Mediterrâneo, mas o cristianismo e o islã se difundiram muito mais que o
judaísmo. Atualmente, elas são as duas maiores religiões do mundo.
Enquanto o cristianismo é sobretudo a religião do
Ocidente (três quartos de todos os cristãos vivem na Europa e nas Américas), o
islã se tornou uma religião importante na Ásia (três quartos de todos os
muçulmanos vivem nesse continente). Na
África, essas duas
religiões têm mais
ou menos a
mesma força. O
islã continua firmemente enraizado na cultura árabe e é
dominante nos países do Oriente Médio.
Apesar disso, hoje
em dia os
árabes abrangem somente uma
pequena parcela dos muçulmanos.
O judaísmo está deixando sua marca
no Estado de
Israel, que foi fundado em 1948, porém apenas 5 milhões dos 14 milhões
de judeus do mundo vivem ali. Quase a metade deles vive nos Estados Unidos.
Judaísmo
A palavra judeu deriva de Judéia, nome de uma parte
do antigo reino de Israel. Judaísmo reflete essa ligação. A religião é chamada
ainda de "mosaica", já que se considera Moisés um de seus
fundadores. O Estado de Israel define o judeu como "alguém cuja mãe
é judia e que não pratica nenhuma outra fé". Aos poucos
essa definição foi ampliada para incluir o cônjuge. O judaísmo não é
apenas uma comunidade religiosa, mas também étnica. Historicamente, o termo
judeu tem conotações raciais, porém
estas são inexatas. Existem judeus de todas as
cores de pele.
O pacto de
Deus com o povo escolhido
Uma das
características do judaísmo
é ser uma
religião intimamente ligada
à história. As
narrativas da Bíblia
se baseiam numa crença bem definida de que Deus fez uma
aliança especial, um pacto com seu povo
escolhido, o povo hebreu.
As narrativas bíblicas começam com Adão e Eva
e uma série de relatos dramáticos que ilustram as consequências
da inclinação pecaminosa do ser humano e de seu
desejo de se
rebelar contra Deus. Adão e Eva
são expulsos do paraíso. Mais tarde,
o mundo inteiro é destruído por um grande dilúvio, do
qual se salvam apenas Noé e sua família, juntamente com todos os animais da
Terra. Sodoma e Gomorra, cidades
sem Deus, são aniquiladas, e a torre de Babel é derrubada, pois representam
a tentativa humana
de chegar até o céu. Cada evento histórico é visto pelos autores da
Bíblia como uma expressão da vontade de Deus.
DE ABRAÃO A
MOISÉS
A fase histórica seguinte teve início quando Abraão
saiu da ci- dade de Ur, localizada no atual Sul
do Iraque, por volta de
1800 a.C. O Gênesis relata que Deus disse a Abraão: "Sai da tua
terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que te mostrarei. Eu
farei de ti um grande povo". Esse
povo ganhou um nome após a dramática batalha de Jacó, neto de Abraão, com um anjo
de Deus. O anjo então lhe deu o nome de Israel (o que venceu a Deus). Mais
tarde, os doze filhos de Jacó geraram as doze tribos de Israel.
A história de José, um dos filhos de Jacó, narra
como os israelitas foram parar no Egito, onde foram escravizados
pelos faraós. A Bíblia conta de
que maneira Moisés os tirou dali e, depois de
quarenta anos errando no deserto, levou-os a Canaã, a Terra Prometida.
Durante a travessia do deserto Deus — Javé — deu a
Moisés, no monte
Sinai, as duas
tábuas da Lei
com os dez
mandamentos a que os israelitas deveriam obedecer. Dessa forma, fez-se
um pacto segundo o qual os israelitas deveriam reconhecer a existência
de um só Deus, e em troca se
tornariam o povo escolhido de Deus.
Receberiam sua ajuda e seu apoio, desde que cumprissem o que lhes cabia
no acordo e obedecessem às leis de Deus.
Por volta do
ano 1200 a. C,
os israelitas conquistaram parte de Canaã e por muito tempo viveram lado a lado
com os habitantes não israelitas. Seus líderes políticos e religiosos eram os
chamados "juizes", que procuravam cuidar de que o povo respeitasse
as leis dadas por Deus. Foi também
por causa da guerra contra os filisteus que surgiu a necessidade de um poder
político centralizado.
O REINO DE ISRAEL
Saul
introduziu a monarquia por volta do ano 1000 a. C, mas ela alcançou o apogeu
durante os reinados de Davi e
Salomão, quando Israel se tornou
uma grande potência política. Davi, nascido em Belém, foi o grande rei que
lutou contra os inimigos e uniu as doze tribos, sob sua liderança, em Jerusalém. A
Arca da
Aliança — uma
arca contendo os dez mandamentos e que, segundo a tradição, os
israelitas haviam trazido consigo do Sinai — foi então transportada
para a nova capital. Ali, puseram-na no santuário interno do novo
Templo, quando Salomão, filho e sucessor de Davi, o construiu no século X a. C,
O grande Templo de Jerusalém incluía um recinto
fechado, o Santo dos Santos, contendo oferendas de incenso e os pães da
proposição, e um vestíbulo externo onde se faziam os sacrifícios. Os sacerdotes
do Templo estavam encarregados desses sacrifícios, que poderiam ser oferendas de animais ou frutos da
colheita. O culto era acompanhado por canções e hinos — os chamados Salmos
de Davi, que podemos ler na Bíblia.
Os sacrifícios, que eram em parte uma oferenda a Deus, em parte uma expiação
pela culpa, deviam ser feitos segundo regras estritas.
É possível que aos poucos as pessoas tenham
começado a sentir tais sacrifícios como mecânicos, ao mesmo tempo que
a liderança do país dava sinais
de decadência moral e política. Isso provocou a severa condenação dos profetas.
Entre eles, destaca-se Amós, profeta que viveu por volta de 750 a.C. Em suas
prédicas ele atacava os males sociais, como, por exemplo, a opressão dos pobres
pelos ricos. Além de Amos, vários outros
profetas deram mais
peso à justiça e aos ideais éticos do que às práticas
rituais do culto sacrificial.
O EXÍLIO NA BABILÔNIA
Os profetas advertiam o povo do juízo e da punição
de Deus, porque as pessoas não estavam vivendo de acordo com as leis
divinas. Muitos profetas viam. o declínio e a destruição do poder do
país como um justo castigo para isso. O reino foi então dividido em dois, um
reino do Norte (Israel) e um do Sul (Judá), tendo Jerusalém como capital. Em
722 a. C, o reino do Norte foi devastado pelos assírios e a partir daí deixou
de ter significado político e religioso.
O reino do Sul foi conquistado pelos babilônios em
587 a.C. Grande parte da sua população foi deportada para o exílio na Babilônia. Entretanto, em 539 a.C. os que
desejavam voltar para a terra natal obtiveram permissão para isso,
e daí em
diante se tornaram conhecidos como judeus (palavra
derivada de Judá e Judéia).
O JUDAÍSMO E A SINAGOGA
Foi depois do retorno da Babilônia que começou a se
esenvolver a religião que costumamos
chamar de judaísmo. O núcleo do judaísmo
era a vida na sinagoga, local de culto onde os fiéis se reuniam para orar e ler
as escrituras. Esse tipo de serviço religioso surgira por necessidade durante
o exílio babilônico, uma vez que
ali os judeus não tinham um templo onde
orar. Ao voltar do exílio, eles construídas em diversas cidades. Nestas, uma
função relevante era exercida pelos leigos versados nas escrituras, os
quais zelavam por
elas, e buscavam interpretá-las e explicá-las. Não
tardou que a maioria
desses homens instruídos
passassem a vir
das fileiras dos fariseus.
Os fariseus davam muita importância à Lei escrita
nos cinco primeiros livros de Moisés — o Pentateuco —, e também às normas
relativas à limpeza e ao asseio; procuravam interpretar a Lei segundo as novas condições que prevaleciam. Nessa
época, o papel do Templo já se tornara
secundário.
O grande Templo
de Jerusalém, destruído
durante a conquista babilônica de 587 a.C., foi
reerguido em 516 a.C. O sumo sacerdote, os demais sacerdotes e os levitas a
eles subordinados eram responsáveis pelo culto, que compreendia o sacrifício
diário de um cordeiro em expiação pelos pecados do povo. Após o exílio
babilônico, o sumo sacerdote se tornou
líder do Sinédrio, o conselho dos anciãos, que mais tarde incluiu ainda
representantes dos homens mais instruídos.
Nessa época, os judeus caíram seguidas vezes sob o
domínio político estrangeiro. No ano 70 d.C., uma revolta contra os romanos
levou ao saque de Jerusalém. O Templo, que recentemente fora ampliado e
transformado num esplêndido edifício pelo rei Herodes, foi outra vez arrasado; isso
selou o fim do papel desempenhado pelos antigos sacerdotes. Dessa época em diante, foi
o novo formato de judaísmo, centrado nas sinagogas, que passou a predominar.
Muitos judeus estavam agora dispersos pelas terras do
Mediterrâneo ou ainda mais longe.
Eram chamados de judeus da Diáspora, palavra
grega que quer dizer "dispersão".
Um povo
culto, porém perseguido
Em várias ocasiões os judeus assumiram um
papel de liderança nos países onde se estabeleceram. A
cultura judaica conheceu um apogeu na Espanha dos séculos XII e XIII.
Aí um de seus maiores filósofos foi o rabino Moisés
ben Maimón (Maimônides), que
escreveu várias obras
e resumiu os
ensinamentos judaicos nos Treze princípios da fé judaica. Nesse país
floresceu também o misticismo judaico, a cabala (ou "tradição").
Contudo, desde a Baixa Idade Média até hoje os
judeus vêm so- frendo perseguições. Em diversos períodos a sociedade
cristã os acusou pelo assassinato de
Jesus e considerou o destino desse povo uma punição. Os judeus foram deportados
da Inglaterra e da França nos séculos
XIII e XIV; na Espanha, começaram a ser perseguidos no século XV e acabaram expulsos em 1492. Na Noruega,
uma lei aprovada em 1687 negava a
qualquer judeu o acesso ao país sem permissão especial, e a Constituição
norueguesa de 1814 conservou esse
embargo. A "cláusula judaica" só foi anulada em 1851.
Sem dúvida, a pior de todas as perseguições
sofridas pelos ju- deus ocorreu na
Alemanha entre 1933
e 1945. Acredita-se
que 6 milhões de judeus foram
exterminados durante o regime
nazista. Fazia muito tempo que os judeus vinham tendo uma participação
proeminente na vida
cultural da Europa
Central, como artistas, cineastas, escritores e cientistas.
Também havia jornais e livros, filmes e peças de teatro que circulavam em
iídiche, língua semelhante ao alemão mas escrita com
caracteres hebraicos, falada por muitos judeus.
Mesmo nos períodos em que não havia perseguição
direta, com freqüência os judeus
eram tratados como párias sociais.
Eles eram forçados a adotar nomes
facilmente reconhecíveis e a morar em áreas especiais da cidade, os chamados
guetos. Numa época em que a agricultura consistia no meio mais comum de
subsistência, era-lhes proibido possuir terras, o que os impeliu a se destacar
no comércio. Diferentemente dos muçulmanos e dos católicos, sua religião lhes
permitia ganhar juros emprestando dinheiro, e muitos deles se tornaram importantes
banqueiros.
As
expectativas messiânicas e o sionismo
Durante milhares de anos os judeus esperaram um Messias
que viria criar um reino de paz na Terra. As raízes históricas dessa expectativa
datam da idade de ouro de Israel, no reinado de Davi, quando os reis eram
ungidos ao subir ao trono. Na verdade,
a palavra Messias significa
"o ungido". Desde a época do exílio babilônico os judeus alimentaram
a esperança e a crença de que chegaria um Messias, um novo rei saído da
linhagem de Davi. Esse rei ideal iria restabelecer Israel como uma grande
potência, e seu povo passaria a viver em eterna felicidade.
Até hoje a expectativa da chegada do Messias
continua viva em muitos judeus.
Mas nem todos
pensam no Messias
como uma pessoa; falam, em vez disso, numa futura "era
messiânica": um estado de paz na Terra, no qual Israel assumiria um papel
de destaque. Alguns judeus acreditam que a fundação de Israel, em 1948, cumpriu
as expectativas messiânicas que seu povo conservou de geração em geração.
A fundação do Estado de Israel constituiu
a culminância de um longo processo cujos primeiros passos
foram dados no final do século XIX,
quando muitos judeus
começaram a falar
sobre a possibilidade de voltar
para sua antiga pátria. Isso representou o reforço palpável de um antigo
desejo, que é repetido pelos judeus todos os anos na Páscoa: "No ano que
vem em
Jerusalém". O escritor e jornalista Theodor Herzl (1860-1904), em
seu influente livro O Estado judaico,
argumentava que, como
nem a integração e assimilação dos
judeus aos países
onde viviam conseguira
acabar com a perseguição
a eles, a
única solução seria
lhes dar um
Estado próprio. Essa idéia foi chamada de sionismo, palavra vinda de
monte Sião, colina sobre a qual Jerusalém foi parcialmente construída.
Naquela época havia apenas cerca de
25 mil judeus vivendo na Palestina; a partir daí, porém, iniciou-se uma
considerável onda de imigração, em
especial de judeus russos. Mas os
planos para fundar um país
próprio progrediam devagar, em parte porque na época a Palestina era uma
colônia britânica. Entretanto, a
perseguição nazista aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial gerou
uma situação inteiramente nova. Terminada a guerra, a nova República de Israel
foi proclamada em 1948. Muitos antigos sionistas desejavam
criar um Estado
laico, secular, mas
os judeus ortodoxos conseguiram realizar seu desejo de
que o país fosse fundado com base na religião judaica.
Esse novo Estado tem vivido em contínuo conflito
com o mundo árabe, também por causa dos milhares de palestinos que foram
deslocados na época da fundação de Israel.
Desde sua criação, Israel já recebeu
imigrantes judeus vindos de todos
os cantos do mundo, que trouxeram ao país uma variedade de ideias e tradições.
As Sagradas
Escrituras
O livro sagrado dos judeus é a Bíblia, uma coleção
de textos de natureza histórica, literária e religiosa. A Bíblia judaica
equivale ao Antigo Testamento, porém é organizada de maneira um pouco
diferente. O cânone judaico foi fixado
por um concilio era Jabne por volta de 100 d.C. Compreende 24
livros, divididos em
três grupos:
* A
Lei (Torá) — o Pentateuco, ou os cinco livros de Moisés
* Os
profetas (Neviim) — os livros históricos e proféticos
* Os
escritos (Ketuvim) — os demais livros
Se tomarmos as letras iniciais dessas
três partes, veremos que formam o acrônimo Tenakh, que é o
nome judaico comum para a Bíblia. Na verdade, a palavra Bíblia vem do termo
grego que significa "livros".
A LEI (TORÁ)
Na época de Cristo, os cinco livros de Moisés (ou
Pentateuco) eram considerados pelos judeus uma só entidade e chamados de
"A Lei", pois continham as normas judaicas legais e morais, assim
como as regras relativas ao culto. A
divisão em cinco livros data de suatradução para o grego, que foi feita com
base no original hebraico por volta de 200 a.C.
Os cinco livros de Moisés não foram escritos por
um único
autor do início ao fim. A miríade de histórias que
neles se encontra
foi, por muito tempo, transmitida sobretudo oralmente. Os livros de
Moisés compreendem, portanto, um complexo conjunto de textos escritos durante
um longo período, num processo que se completou
por volta de 400 a.C.
OS LIVROS HISTÓRICOS E PROFÉTICOS
E típico desses livros considerar os acontecimentos
políticos uma expressão das relações entre Deus e os israelitas, sob
circunstâncias variadas. Toda a história de Israel é apresentada como um
exemplo da lei da justa retribuição: a conformidade com a vontade de Deus traz
bênçãos para seu povo, com tanta certeza como a desobediência e a apostasia (o
abandono da religião) levam a um julgamento severo e à dor. O destino de Israel
é constantemente interpretado à luz das exigências divinas. Assim, tais livros
podem ser lidos como uma justificativa para a destruição do Templo
de Jerusalém e para o exílio de grande parte da população na Babilônia.
Trata-se da mais antiga história escrita de
que há registro no mundo. Esses livros surgiram
muito antes de haver algo como a história comparada ou a análise das fontes.
No entanto, o objetivo dos livros históricos do
Antigo Testa' mento não era propriamente registrar a história, e sim dar a ela
uma interpretação religiosa.
Dois dos livros históricos receberam nomes de
mulher. Os livros de Rute e de Ester são histórias curtas e belas, com mulheres
no papel principal.
Os livros proféticos são Isaias, Jeremias, Ezequiel
e os Doze Profetas Menores, assim chamados por causa da brevidade de suas
obras; Oséias, Joel, Amos, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias,
Ageu, Zacarias e Malaquias.
Segundo seu próprio testemunho, os
profetas foram chamados para proclamar a vontade de Deus. Muitas
vezes eles usam a fórmula "Diz o
Senhor".
Ao transmitir uma mensagem, por exemplo, vinda de
um rei, o mensageiro a iniciava com as palavras "Diz o rei". Desse modo,
deixava claro que não estava falando por si mesmo. Esse preâmbulo
funcionava como uma assinatura ou o carimbo de
uma carta na
época moderna. Da mesma forma, os profetas acreditavam que tinham sido
enviados por Deus para levar a mensagem dele ao povo.
Se as pessoas não vivessem segundo as exigências feitas por esse Deus justo, ele iria, segundo os
profetas, distribuir seu julgamento e aplicar seu castigo.
Um bom exemplo da pregação desses profetas é a de
Amós, o profeta mais antigo da Bíblia, que viveu por volta de 750 a.C. Seu
ataque contra o abandono da maneira correta de adorar a Deus, bem como suas
críticas à desigualdade social e à opressão dos ricos sobre os pobres, continua despertando interesse
até hoje. Amós chega a ponto de
mostrar os pobres e oprimidos como os verdadeiros justos, em oposição
aos ricos.
Na verdade, vários profetas davam mais ênfase à
justiça e aos ideais éticos do que às demonstrações externas do culto sacrificial. "Que me importam vossos inúmeros sacrifícios?, diz
Iahweh." "Basta de trazer-me
oferendas vãs: elas são para mim um
incenso abominável."
"Tirai da minha vista as vossas más ações! Cessai de praticar o mal,
aprendei a fazer o bem" (de Isaías 1).
Assim como as profecias prediziam que haveria um
julgamento severo sobre Israel, elas previam também a salvação. Essas
promessas, palavras de consolação, afirmavam que Deus haveria de salvar do
julgamento e da destruição alguns "remanescentes" de seu povo, e enviar um príncipe ou rei da paz, vindo da
linhagem de Davi, que faria Israel reviver e o conduziria a um futuro feliz.
Tais profecias são particularmente numerosas em Isaías, nos capítulos 7, 9 e 11:
"O povo que andava nas
trevas viu uma grande luz, uma luz raiou para os que habitavam uma terra
sombria como a da morte".
Um terceiro tipo de voz profética é a exortação,
representando algo intermediário entre os dois outros tipos de profecia. Aqui,
o caminho está aberto para que as pessoas se salvem do julgamento divino, desde
que se arrependam e vivam de acordo com a
vontade de Deus: "Procurai o bem e não o mal para que possais
viver, e, deste modo, Iahweh, Deus dos Exércitos, estará convosco, como vós
o dizeis! Odiai o mal e amai o
bem, estabelecei o direito logo à porta; talvez Iahweh, Deus dos Exércitos,
tenha compaixão do resto
de José" (Amós 5,14-15).
OS ESCRITOS POÉTICOS
Entre os textos poéticos do Antigo Testamento,
foram os Salmos que tiveram maior significado histórico. A maioria dos 150
salmos foi escrita na época dos reis, isto é, antes da destruição de Jerusalém
em 587 a.C. Foram compostos sobretudo para os
serviços do Templo e as grandes festas do Templo em Jerusalém. Mas
também há exemplos de salmos que os israelitas dizem em suas orações
individuais. Com base em seu conteúdo, podemos dividir os salmos em vários
tipos. Os três mais importantes são os cânticos de louvor (hinos), de
lamentação (orações) e de ação de graças.
O fato de cerca de metade dos
salmos serem atribuídos
a Davi não quer dizer que tenha sido realmente ele o autor. Vários
salmos são mais recentes. A expressão "de Davi" também pode
significar "pertencente a Davi" ou "para o rei Davi". Mesmo
assim, é possível que alguns dos salmos mais
antigos tenham sido
escritos pelo próprio rei Davi.
O Livro de Jó é considerado por muitos uma
"jóia da literatura mundial". Com seu suspense e sua construção quase
novelesca, ele aborda o significado do sofrimento e da justiça de Deus. Jó é um
homem justo e temente a Deus, que é posto à prova por Satã, com o consentimento
de Deus. Ele então perde tudo o que possuía, e
sua vida fica em ruínas. Em seu
infortúnio, Jó clama contra Deus. Por que um homem justo como ele haveria de
sofrer um destino tão terrível? Deus responde que o homem não tem o direito de ir contra a vontade de seu Criador; na verdade, não
tem direito algum em relação a Deus. O livro termina com Jô aceitando seu
destino e se submetendo a Deus — levando dessa maneira a que o vencedor da
"aposta" seja Deus, e não Satã. No final, Jó não só consegue reaver
todas as suas posses, como vê que elas foram "redobradas" por Deus.
A mais recente das escrituras do Antigo Testamento
é o Livro de Daniel, escrito por volta de 165 a.C. Faz parte da literatura
apocalíptica característica daquele período. A palavra apocalíptico vem de um
termo grego que significa "descobrir" ou "revelar". Aqui,
indica uma literatura que irá desvelar ou revelar o plano de Deus para o mundo.
O TALMUD — COMENTÁRIOS SOBRE A LEI
Além da Torá escrita, os judeus também tinham
regras e mandamentos transmitidos oralmente. Segundo a tradição
judaica, no monte Sinai, Moisés
recebeu não apenas a "Lei escrita" de Deus, mas ainda a "Lei
falada". Era proibido escrever a Lei falada, pois esta deveria ser
adaptada às condições reais de vida em diferentes lugares e épocas. Porém,
depois que os judeus se dispersaram pelo
mundo, surgiu o medo de que a Lei
falada se perdesse. Assim, decidiu-se registrá-la por escrito, o que foi feito
nos séculos que se seguiram à destruição de Jerusalém. Esse material se chama
Talmud, palavra hebraica que significa "estudo". O Talmud contém
leis, regras, preceitos morais,
comentários e opiniões legais, mas também histórias e lendas que discutem esse conteúdo. É bem
sabido que o Talmud
não é, em si, um livro de ensinamentos, e sim um texto usado pelos
rabinos em seus ensinamentos, para orientação
dos fiéis em situações concretas.
A noção de
Deus
O credo judaico é: "Ouve, ó Israel: Iahweh
nosso Deus é o único Iahweh!" (Deuteronômio 6,4).
Esse credo,
que é repetido pelos judeus devotos todas as manhãs e todas as noites de sua
vida, mostra que o judaísmo é uma religião monoteísta. Deus, o Deus único, é o
criador do mundo e o senhor da história. Toda vida depende dele, e tudo o que é
bom flui dele. E um Deus pessoal, que se preocupa com as coisas que criou.
Quem é Deus — ou o que é Deus — é algo que não pode
ser ex- presso em palavras. O nome de Deus é representado pelas letras IHVH, um
acrônimo que em hebraico significa "eu sou quem sou". Esse acrônimo
costuma ser lido como "Jeová" ou "Javé", porém o nome
real é tão sagrado que sempre se usa
algum sinônimo, como "o Senhor" ou
"o nome".
Jeová é o criador e sustentador do mundo. A idéia
de que Deus possa não existir é alheia a um judeu. Elie Wiesel, que recebeu o
prêmio Nobel da Paz, sintetizou: "Você pode ser a favor de Deus ou
contra Deus, mas não pode ser sem Deus".
O fato de que Deus é um e apenas um se reflete
também na existência humana. Toda a vida de um homem deve ser consagrada. Não
há linha divisória que separe o sagrado do profano. Honra-se ao Senhor também
na vida secular. A tarefa mais importante do homem é cumprir todos os seus deveres para
com Deus e para com seus semelhantes.
A SINAGOGA E O SHABAT
Numa sinagoga não há imagens religiosas nem objetos
no altar, pois as imagens são proibidas (é o segundo mandamento). O ponto focal de uma sinagoga judaica é, pois, a
Arca, uma espécie de armário que fica na parede oriental, na direção de
Jerusalém. Ali se guardam
os rolos da Torá, escritos em pergaminho. Como sinal de
respeito, esses rolos costumam
ser envoltos numa capa de seda, veludo ou outro material nobre, e decorados com
sinos, uma coroa e um escudo de metal precioso. Mantém-se sempre uma lâmpada
ardente diante da Arca.
No serviço da sinagoga das manhãs de sábado há um
grande cerimonial em torno da leitura da
Torá. Abre-se a Arca, e os
rolos são levados ao redor da sinagoga até o altar. Ali se lê um trecho
do texto em hebraico. A leitura da Torá também é feita às segundas e
quintas-feiras; desse modo, no decurso de um ano se lê o cânone inteiro.
Além da leitura da Torá, o serviço contém orações,
salmos e bênçãos, todos contidos num livro especial chamado Sidur. A oração
mais importante são as Dezoito Bênçãos, que tem
mais de 2
mil anos. Outro foco importante é
o credo, o Shemá.
Um cantor sacro, membro leigo da congregação,
dirige o serviço. No entanto, o sermão e
o ensino da Lei são responsabilidade do
rabino, sempre um homem instruído e de alta escolaridade, que cada congregação nomeia separadamente.
Os serviços da sinagoga podem ser
realizados diariamente, três
vezes por dia, contanto que dez homens
adultos estejam presentes. O status de adulto é concedido
pela cerimônia do Bar Mitsvá, quando o menino faz treze anos. As
mulheres não desempenham parte ativa no serviço e são segregadas nas congregações ortodoxas, ficando em geral
numa galeria separada, juntamente com as crianças.
As três orações diárias também são ditas em casa. A
religião ocupa lugar de relevo num lar judaico, e aí as mulheres assumem um
papel ativo, particularmente no Shabat
(sábado) e nas
grandes festas.
O Shabat dura desde o pôr-do-sol de sexta-feira até
o pôr-do- sol de sábado. A base para a observância do Shabat se encontra na
história da criação do mundo: no sétimo dia
Deus descansou. Por isso, o homem também deve descansar nesse
dia. O
sábado se tornou uma festa semanal de renovação, a
festa do lar e da família.
A esposa,
que sempre foi um fator decisivo na preservação dos costumes judaicos, abençoa
e acende as velas do Shabat na mesa já posta. O marido abençoa o vinho e corta
o pão especial do Shabat. A participação no jantar de Shabat é sagrada e tem
grande importância para a união da família judaica.
KOSHER — REGRAS ALIMENTARES ESTRITAS
Os judeus têm regras detalhadas
para a alimentação, normas cujas origens se
encontram na Bíblia. Os alimentos que
podem ser comidos são chamados kosher, palavra que originalmente
significava "adequado" ou "permitido".
A carne só pode provir de animais que ruminam e têm
o casco partido, o que exclui o porco, o camelo, a lebre, o
coelho e outros. Das aves, podem-se comer as não-predatórias.
Dos peixes, são kosher apenas os que possuem escamas e barbatanas; logo, estão
eliminados polvos, lagostas, mariscos, caranguejos, camarões etc.
Os animais e as aves que não podem ser comidos são
denominados impuros; tampouco se podem comer seus ovos ou beber seu leite.
Toda comida feita de sangue também é proibida, já
que a vida está no sangue. Assim, é importante que ao abater os animais, seja
extraído deles o máximo de sangue possível. O restante é retirado com água e
sal. Os animais devem ser abatidos por um especialista, sob superintendência
rabínica, da maneira mais rápida e
indolor. É proibido comer qualquer carne que não tenha
sido obtida de um animal abatido segundo
as regras.
As frutas e verduras são todas kosher,
bem como a
maioria das bebidas alcoólicas e não alcoólicas. A exceção são
as bebidas feitas de uva (vinho e conhaque), que devem vir de
produtores judeus e ser cuidadosamente
rotuladas.
Além dessas regras, os judeus têm um costume
especial que proíbe comer derivados de leite juntamente com derivados de carne.
Se o cardápio contém bife, o molho não
deve conter manteiga, nem se deve terminar a refeição com café com leite, creme
ou sorvete. Para garantir que esses dois tipos de alimentos não se misturem, os
judeus ortodoxos usam dois conjuntos de utensílios de cozinha, um para leite e outro para carne. Eles devem ser lavados
em bacias separadas e enxutos com diferentes panos e toalhas. Algumas
pessoas chegam a ter
duas geladeiras e duas lavadoras de louça.
ÉTICA
JUDAICA
Os judeus não fazem distinção nítida entre a parte
ética e a parte religiosa de sua
doutrina. Tudo pertence à Lei
de Deus. Existem 248 ordens afirmativas e 365
proibições, totalizando 613 mandamentos. Além desses mandamentos, a vida do
judeu é regulada por muitos costumes e práticas que surgiram ao longo da
história. Diz-se que um costume judaico
é tão obrigatório quanto uma lei.
O judaísmo dá destaque a
uma série de
qualidades eticamente boas: generosidade, hospitalidade, boa vontade
para ajudar, honestidade e respeito pelos pais. Um princípio fundamental é não
fazer mal aos outros, ou, de maneira afirmativa: "Amarás o teu próximo
como a ti mesmo" (Levítico 19,18).
Muitos judeus dão um dízimo (10%) de sua renda para
causas dignas, mas as doações podem ser grandes ou pequenas. A
Bíblia exige que sejam dados de
presente aos pobres os frutos da
terra. Desde os tempos antigos
era hábito não colher o que desse nos cantos dos campos, para que os pobres
pudessem ali entrar e colher para si. Do mesmo modo, parte das azeitonas e das
uvas era deixada nas árvores e nos
vinhedos para ser apanhada pelos pobres.
A palavra usada na Bíblia para se referir a ajuda
aos pobres é justiça. Dar esmolas não é fazer caridade, e sim cumprir o dever
de combater a pobreza, baseado nas palavras de Deus: "Jamais haverá nenhum
pobre entre vós". A exigência de justiça tem lugar proeminente na ética e
inclui, além dos pobres, também os fracos (viúvas e órfãos) e os estrangeiros:
"O estrangeiro que habita convosco será para vós como um compatriota, e tu
o amarás como a ti mesmo, pois fostes estrangeiros na terra do Egito"
(Levítico 19,34).
Como há muitos mandamentos, é natural que em certas
circunstâncias eles entrem em conflito. Quando isso acontece, a vida humana
está acima de tudo. Por exemplo, uma vida humana deve ser salva mesmo que isso
quebre as leis do Shabat.
Fases da
vida
Os judeus têm costumes muito antigos relativos ao
ciclo da
vida: nascimento, juventude, casamento e enterro.
CIRCUNCISÃO
Oito dias após o nascimento os meninos são
circuncidados, conforme o mandamento da Torá: "Deveis circuncidar a pele
do prepúcio, e este será o sinal da
aliança entre nós. Cada varão dentre vós, em cada geração, será circuncidado
no oitavo dia".
A circuncisão é feita por um
especialista- Os padrinhos levam a criança até o "representante", que
a segura durante a cerimônia. Esta é acompanhada de orações, e
a criança recebe formalmente seu
nome. E uma cerimônia religiosa realizada numa atmosfera de alegria e
celebração. Costuma ser seguida por uma refeição festiva.
A menina também recebe seu nome formalmente na
sinagoga uma semana depois do nascimento. Seu pai é chamado até a Torá, e
se faz uma oração pela mãe e pelo bebê.
BAR MITSVÁ E BAT MITSVÁ
Aos treze anos o menino judeu se torna um Bar
Mitsvá, expressão em hebraico que significa "filho do mandamento".
Isso acontece na sinagoga, no primeiro sábado após seu 13° aniversário. Durante
o ano precedente ele deve ter aulas com um rabino ou outra pessoa instruída,
para aprender as leis e os costumes judaicos. Deve também aprender o trecho da
leitura da Torá que será feita no
sábado em questão. Quando chega o dia, ele deve se levantar e ler alto
seu texto, cantando-o conforme o costume. Isso confirma que ele passou a ser um
membro pleno da congregação, com todas as responsabilidades que daí decorrem.
Depois da cerimônia é hábito oferecer uma festa para a família e os amigos.
Uma menina se torna automaticamente Bat Mitsvá
(filha do mandamento) quando completa doze anos. Costuma-se celebrar esse fato
no primeiro sábado após seu 12° aniversário.
Para isso ela prepara algumas palavras que deve dizer
com a bênção (o kidush) depois do
serviço. Por volta dos quinze anos as meninas aprendem o principal da história
e dos costumes judaicos, particularmente as regras alimentares, que são
responsabilidade da mulher.
CASAMENTO
A família desempenha um papel muito especial no
judaísmo. É dela que os judeus recebem sua identidade cultural e sua educação
básica. O casamento é considerado o modo de vida ideal, instituído por Deus, e
é o único tipo de coabitação permitido. Um judeu tem por obrigação casar com
uma pessoa judia, porém os casamentos mistos estão se tornando cada vez mais
comuns, o que vem causando certos problemas na comunidade judaica.
Alguns dias antes do casamento a mulher deve tomar
um banho ritual. No dia do casamento, o noivo e a noiva ficam em jejum até o final da cerimônia. O casamento
pode ser
celebrado em qualquer lugar, mas
normalmente acontece na sinagoga, debaixo de uma espécie de toldo (hupá) que
simboliza o céu. Em geral é um rabino que realiza a cerimônia e lê as bênçãos e
exortações. Os noivos então compartilham de um mesmo copo de
vinho, como sinal de que irão dividir
tudo o que a vida lhes trouxer. Em seguida, o noivo põe a aliança no dedo da
noiva, dizendo em hebraico: "Eis que tu és consagrada a mim por esta
aliança, segundo a Lei de Moisés e
de Israel".
Nesse
ponto a ketubá
é lida e
entregue à noiva.
A ketubá consiste no contrato de
casamento, que é assinado pelo noivo antes da cerimônia e reúne todos os seus
deveres para com a noiva.
Até aí a cerimônia não passou da formalização de um
compromisso, mas tradicionalmente a formalização do compromisso já está incluída na própria cerimônia. O
casamento propriamente dito começa com a leitura de sete bênçãos especiais;
depois disso o casal toma vinho mais uma vez. O noivo então quebra um copo com
o pé,
em memória da destruição do Templo. Após o casamento os
noivos são levados a um quarto
particular, onde podem quebrar o jejum,
e ficar a sós. Nos círculos estritamente ortodoxos, esta será a primeira
vez que isso acontece. No fim da cerimônia, costuma-se oferecer uma grande
festa e uma refeição comemorativa.
O divórcio é permitido, mas para que seja legítimo,
deve ser sancionado por um tribunal rabínico e selado pelo marido, que dá à
esposa a carta de divórcio.
ENTERRO
O enterro deve ocorrer o mais rápido possível
depois da morte, em consideração às condições do corpo. A cremação não é
permitida. 0 corpo do falecido é
lavado, vestido com uma roupa branca simples e colocado num caixão de madeira
sem ornamentos. Os homens são enterrados com seu xale de oração.
Não se usam flores nem música na cerimônia, que é
realizada pelo cantor sacro. Ele joga três pás de terra sobre o caixão enquanto
recita: "O Senhor dá e o Senhor tira — bendito seja o nome do
Senhor". 0 rabino faz um discurso em memória do morto, e os filhos homens,
ou o parente mais próximo do sexo masculino, recitam uma oração — o Kadish.
Após o funeral, a família fica de luto por uma semana. No aniversário da morte,
todos os anos, os parentes mais próximos acendem uma vela na sepultura e lêem o
Kadish. Os judeus têm muito apreço por seus cemitérios e os
tratam com grande respeito. É aí que os mortos irão descansar até a
ressurreição.
Festivais
anuais
As festas judaicas são associadas ao calendário
judaico e em geral têm uma base
histórica. Os judeus contam o tempo em relação à criação do mundo, a qual,
segundo nosso calendário, ocorreu
em 3761 a.C. 0
calendário se apóia no ano lunar e tem doze meses de 29 ou trinta dias, com 354 dias ao todo.
Acrescenta-se um mês extra sete vezes durante cada ciclo de dezenove anos, para
alinhar o ano lunar pelo ano solar; com
esse arranjo, as datas festivas mudam de ano em ano, do mesmo modo que a Páscoa
cristã. Três delas são festas de peregrinação, com raízes no antigo Israel.
Eram ocasiões em que todos os homens deviam fazer uma peregrinação ao Templo de
Jerusalém, levando seus sacrifícios. Algumas outras festas se fundamentam em
acontecimentos históricos.
O Ano-Novo (Rosh ha-Shaná, em hebraico) é celebrado
em setembro ou outubro. No mês anterior, todos os judeus procuram
cuidar especialmente bem de suas
obrigações religiosas e
praticar atos de caridade. E uma data em que cada um deve se concentrar
na auto-análise e no arrependimento, refletindo sobre suas ações e tentando
melhorá-las. Mas os festejos do Ano-Novo também comemoram Deus como criador e
rei. 0 serviço religioso do Ano-Novo contém orações em que predomina o
arrependimento. Uma parte do ritual consiste em tocar um chifre de carneiro.
Este simboliza o carneiro que Abraão sacrificou no lugar de
Isaac e lembra, portanto, a compaixão divina. Uma grande refeição festiva é
preparada nas casas, com diversos pratos simbólicos. É hábito
comer maçãs mergulhadas no mel, enquanto os convivas
fazem votos de que todos tenham "um ano bom, um ano doce".
O Dia do Perdão, ou Iom Kipur (dia da expiação),
termina o período de dez dias de arrependimento iniciado no Ano-Novo.
Tradicionalmente, no antigo Israel, o Dia da Expiação era o único dia do ano em
que o sumo sacerdote entrava no Santo dos Santos, o recinto mais sagrado do
Templo. Isso se dava após o sacrifício de um carneiro, como sinal de expiação pelos pecados do povo. Hoje em
dia os pecados são confessados na
sinagoga e o indivíduo pede perdão a Deus depois de ter se reconciliado com
seus semelhantes. O serviço é finalizado com o toque do chifre de carneiro e
com os votos: "No ano que vem em Jerusalém". Essa é a comemoração
mais importante e mais pessoal para os judeus.
A Festa dos Tabenáculos, ou Sukot (festa das
tendas), acontece poucos dias depois do Dia do Perdão. Nela se constroem
cabanas de folhas, no jardim da casa ou próximo à sinagoga. Isso é feito em
memória das tendas onde os judeus moraram durante sua peregrinação no deserto e
do cuidado que Deus dedicou a eles. Mas essa festa é também uma alegre ação de
graças pela colheita. No último dia se conclui o ciclo anual da leitura da Torá, e um novo
ciclo se inicia, recomeçando a leitura a
partir do Gênesis. Os rolos da Torá são tirados de sua arca e levados numa
procissão cerimonial.
A Festa da Inauguração (Chanuká) é comemorada em
novembro ou dezembro durante um período de oito dias. A cada dia
se acende uma vela, num candelabro de oito ramificações típico de
Chanuká. Essa festa comemora uma grande vitória dos judeus ocorrida em 165 a.
C, quando inauguraram novamente o Templo de Jerusalém, depois que os invasores
sírios o haviam profanado e proibido o culto judaico. Essa festa vem adquirindo
características semelhantes às do Natal cristão, com troca de presentes e muita
atenção às crianças.
A Páscoa em hebraico é chamada Pessach, que
significa "passar por cima". É uma referência ao relato da Torá sobre
o anjo do Senhor que, ao levar a décima
praga ao Egito,
"passou por cima" das casas dos israelitas e, desse modo, só
os primogênitos egípcios morreram. O Pessach é celebrado em março ou abril e
comemora o êxodo dos
judeus da escravidão do Egito. Antes do início do Pessach, os judeus devem
fazer uma limpeza ritual na casa. Devem usar ainda um serviço especial de
pratos para a comida e não podem comer nem beber nada que contenha grãos ou
farinha fermentada. A Páscoa também é denominada "festa do pão
ázimo", pois celebra a ocasião em que os judeus saíram do Egito às
pressas, sem tempo de esperar o pão fermentar e crescer. Assim, durante os oito
dias da Páscoa se come apenas matsá, que é pão ázimo, ou sem fermento.
Quando a família senta para fazer
a refeição de
Pessach, uma criança pergunta: "Por que esta noite é diferente de
todas as noites?". E o pai então explica como os judeus saíram do Egito e
se tornaram um povo.
A refeição da Páscoa é chamada seder, palavra
hebraica que quer dizer
"ordem", pois segue um ritual fixo, com pratos tradicionais de significado simbólico. Devem-se mergulhar
ramos de salsa numa tigela com água salgada, simbolizando as lágrimas dos
judeus no Egito. As ervas amargas lembram a infelicidade da
escravidão sob o domínio do faraó. Uma mistura de maçã
ralada, nozes, vinho e mel representa o cimento que os judeus utilizavam para
fazer tijolos. Um osso de carneiro assado simboliza o sacrifício pascal. Ovos
cozidos recordam os sacrifícios feitos no Templo. Bebe-se também vinho, o
símbolo da alegria.
A Festa das Semanas (Shavuot), ou o Pentecostes
judaico, cai cm maio ou junho e comemora a ocasião em que a Torá foi dada
ao povo no monte Sinai. Na sinagoga são
lidos os dez mandamentos e o Livro de Rute. A história do livro de Rute se
passa durante a colheita de trigo, e no
antigo Israel os peregrinos chegavam ao Templo com cestas carregadas das
primeiras espigas de trigo. Hoje, as decorações com flores e ramos lembram a
área em torno do Sinai. A refeição é composta sobretudo de frutas, peixe e
alimentos leves feitos de leite: bolos de queijo, panquecas etc. Isso porque
quando os judeus receberam a Torá no Sinai, com a proibição de
comer carne e leite na mesma refeição, decidiram se afastar da carne.
Islã
O que
significa a palavra islã?
O islã teve origem na Arábia e ainda hoje está
intimamente relacionado à cultura árabe. Entre outras razões, porque o livro sagrado dos muçulmanos, o Corão ou Alcorão, foi escrito em árabe. Em consequência, o
elemento árabe é importante no islã,
embora hoje só
uma minoria dos muçulmanos seja
árabe. O islã está amplamente difundido em vastas regiões da África e da Ásia,
e é praticado por uma sétima parte
da população do
mundo (por volta
de 15%). Atualmente é a segunda
maior religião do planeta depois do
cristianismo, e grandes levas de
imigrantes asiáticos e africanos o transformaram também na maior religião de
minorias étnicas na Europa.
A palavra árabe íslam significa
"submissão". E um significado forte. Percebe-se na raiz do nome algo
essencial nessa religião: o homem deve se entregar a Deus e se submeter a Sua
vontade em todas as áreas da vida. Trata-se da condição para ser muçulmano,
palavra árabe que tem a mesma raiz que íslam.
Como religião, o islã não compreende apenas a
esfera espiritual, mas todos os aspectos da vida humana e social. A relevante
na história do islã. Na maioria dos países islâmicos, os que têm conhecimentos
jurídicos costumam atuar como líderes religiosos. Não existe um sacerdócio
organizado.
Uma descrição geral do islã se divide em três
tópicos principais:
* credo (monoteísmo e revelação);
* deveres
religiosos (os cinco pilares), e
* relações
interpessoais (ética e política).
Antes de examinar esses aspectos, porém, é indispensável dizer algo acerca do fundador
do islã: Maomé, Mohammed ou Muhammad.
MAOMÉ
Por muito tempo o islã foi conhecido no Ocidente
como "maometanismo", em razão da forte influência do profeta Maomé
sobre o islã.
O islã, a mais recente das grandes religiões mundiais, remonta a Maomé,
que nasceu em Meca, na Arábia, no final do século VI, por volta de 570 d.C.
Filho de uma das principais famílias da cidade — importante centro comercial e
posto de parada para as caravanas que transitavam pela península Arábica —,
Maomé ficou órfão ainda criança. Um de
seus tios, Abu Talib, cuidou dele e o sustentou quando ele começou a fazer suas
prédicas. Foi esse mesmo tio que levou
Maomé a trabalhar como condutor de camelos para Khadidja, a rica viúva
de um mercador, de excelente família, que embora quinze anos mais velha que
ele, mais tarde se tornou sua esposa. Khadidja foi a primeira a seguir Maomé
quando ele lhe falava das revelações que tinha; ela exerceu bastante influência
em seu desenvolvimento religioso. Maomé nunca teve outra esposa.
A FORMAÇÃO RELIGIOSA DE MAOMÉ
Meca era
não apenas um
importante centro comercial,
mas também um dos centros religiosos da Arábia. As tribos nômades que
viviam próximas à cidade já consideravam sagrada a pedra negra de Meca, que
recebia peregrinações bem antes da época de Maomé. Porém, tanto em Meca como
entre os beduínos,
cultuavam-se e se adoravam muitos deuses e seres sobrenaturais.
Com freqüência, tratava-se de deuses tribais, já que a tribo e a família eram
centrais para o modo
de vida dos nômades. Não existia nenhum sistema legal fora da tribo.
Se um
indivíduo transgredisse as leis e os costumes desta, era expulso como fora-da-lei.
A tribo era unida pelos laços de sangue. Se um de
seus mem- bros fosse assassinado, a linhagem da tribo sofria. Essa perda tinha
de ser compensada por uma vingança, prática bastante difundida, que resultou em
diversas rixas sangrentas entre as tribos beduínas.
Na época de Maomé, em muitos lugares a transição da
socieda- de beduína nômade para uma sociedade urbana mais
fixa ia causando a extinção da religião tradicional.
Em decorrência disso, aumentou a influência
das duas grandes
religiões, o judaísmo
e o cristianismo. Maomé foi particularmente influenciado pelo monoteísmo e pela
noção de fim
do mundo acompanhado do Juízo
Final.
Os judeus se
estabeleceram em toda a Arábia depois da queda de Jerusalém
e da destruição
do Templo, no
ano 70 d.C,
e aos poucos passaram a adotar a língua e o estilo de vida árabes, ao
mesmo tempo que mantinham sua própria crença e seu culto mosaico.
Também o cristianismo se espalhou rapidamente por
todo o Oriente Médio durante
os primeiros séculos
da nossa era.
Havia Estados cristãos como
a Abissínia (atual
Etiópia). Muitas tribos beduínas se
converteram ao cristianismo,
e era possível
encontrar cristãos entre os escravos e as camadas inferiores em Meca.
Provavelmente foram os monges e
eremitas cristãos, os quais viviam
isolados do mundo
no deserto da
Arábia, que exerceram
a maior influência sobre Maomé. A atitude do Corão para com esses
cristãos, que estimavam mais a comunhão com Deus do que o comércio, é uma atitude positiva. Devotos e
generosos, eles ajudavam os viajantes no deserto.
É necessário que compreendamos o panorama religioso
extremamente complexo da Arábia para podermos apreciar o crescimento do islã.
DEUS SE REVELA A MAOMÉ
Todo ano, Maomé se retirava para uma caverna numa
montanha dos arredores de Meca, onde meditava. Esse também era o hábito dos
monges e eremitas cristãos, que,
diferentemente de Maomé,
fundamentavam suas meditações em algum
texto ou passagem selecionada, em
geral dos evangelhos. Ao completar
quarenta anos, Maomé teve uma revelação na caverna. O
anjo Gabriel de repente lhe
apareceu com um pergaminho e ordenou a ele que o lesse. Maomé respondeu que não
sabia ler, e o anjo disse:
Recita em nome do teu Senhor, que criou, criou o
homem a partir [de coágulos de sangue.
Recital Teu senhor é o Mais Generoso, que pela pena
ensinou ao [homem o que ele não sabia.
Em árabe, a palavra recitar tem a mesma raiz que
Curan, que significa
"ler", ou "ler
alto". O Corão
é o livro
sagrado dos muçulmanos e reúne as revelações de Maomé. Assim, os muçulmanos, do mesmo modo que os judeus e os
cristãos, passaram a ter um texto sagrado. O Corão só foi escrito depois da
morte de Maomé. Seus 114 capítulos (suras) foram arranjados de maneira tal que
os mais longos vêm primeiro, mesmo os que Maomé recebeu numa data posterior aos
mais curtos. A exceção é a sura 1, no início do Corão.
DE MECA A MEDINA
Depois de sua revelação, Maomé começou a pregar em
Meca. Ele se proclamou profeta ou
mensageiro de Deus, o que foi visto pelas famílias poderosas de Meca como uma
tentativa de usurpar a autoridade política da cidade. Grupos importantes também
se opuseram a suas afirmações de que Alá era o
único e verdadeiro
Deus. Se fossem jogar fora todos os velhos deuses e deusas que seus
antepassados adoraram, estariam reconhecendo que estes tinham sido pagãos.
A oposição a Maomé cresceu. Após a morte de seu tio
e de sua esposa, as coisas pioraram cada vez mais para o profeta e seus
seguidores em Meca. Nesse ínterim, Maomé havia atraído outros seguidores na
cidade de Medina, os quais estavam prontos para aceitá-lo como um dos seus.
Assim, em 622, ele saiu de Meca em segredo e alguns dias
depois chegou a Medina, onde seus seguidores já o esperavam.
A emigração de Maomé é conhecida em árabe como a
Hijra (Hégira), que significa "rompimento" ou "partida".
Maomé rompeu com a própria comunidade,
os parentes e sua cidade natal. Não se tratou de uma fuga, mas o fato foi
comparado à história bíblica de Abraão que, atendendo à ordem de Deus, deixou
seu lar em Ur, na Mesopotâmia.
MAOMÉ COMO
LÍDER RELIGIOSO E POLÍTICO
Em Medina, Maomé logo se tornou um líder religioso
e político. Assaltando as caravanas que pertenciam às famílias de
Meca, conseguiu se firmar financeiramente.
Essas atividades faziam parte de sua luta para obter o controle da cidade de
Meca, com seu acesso à relíquia sagrada da Caaba, e também para difundir a nova
religião. O nome dado a essa batalha, ou luta — jihad —, é o mesmo
que mais tarde foi empregado para
designar a guerra santa. A luta pela causa de Alá ganha precedência sobre todos
os outros interesses, bem como sobre as tradições e os conceitos morais e
religiosos herdados do passado.
Na década seguinte, Maomé tomou a cidade de Meca e,
por meios militares e diplomáticos, subjugou grande parte da Arábia. Antes de
morrer, em 632, ele tinha conseguido unir o país e transformá-lo num só
domínio, onde a religião se tornara mais importante que os antigos laços
familiares e tribais.
O CISMA NO ISLÃ APÓS MAOMÉ
Quando Maomé morreu, os muçulmanos passaram a ser
liderados por califas, ou sucessores. Os três primeiros califas eram parentes
do profeta ou estavam entre os primeiros convertidos. O quarto califa, que se
chamava Ali, era filho do tio de
Maomé, Abu Talib, e portanto seu
primo. Mas Ali era também genro de Maomé, casado com sua filha, Fátima.
O cisma no mundo islâmico começou na época de Ali.
Sua liderança foi repleta de controvérsias, e ele acabou assassinado pelos
adversários. Desde a morte de Maomé, seus
seguidores acreditavam que Ali,
por ser o parente mais próximo do profeta, era o sucessor natural. O partido de Ali, ou Shiat Ali, formou a base
para o ramo do islã que hoje é conhecido
como Shia, adotado como a religião oficial do Irã.
Assim, a principal dissidência no islã não foi
causada por uma divisão ideológica, mas por um desacordo sobre quem devia ser o
líder. A facção xiita (Shiat Ali) acreditava que o líder devia ser um
descendente direto do profeta, ao passo que a facção maior, a sunita, julgava
que a liderança cabia ao indivíduo que de fato controlava o poder.
Após a morte de Ali, o califado teve sede em
Damasco por algum tempo e a seguir instalou-se em Bagdá, onde permaneceu por um
período de quinhentos anos. Depois
disso, a liderança
passou para o sultão turco de Istambul. O último sultão foi
derrubado em 1924, e desde então o mundo
islâmico deixou de ter um califa como líder.
A DIFUSÃO DO ISLÃ
Não obstante o cisma, o islã se espalhou
rapidamente. No século seguinte à morte de Maomé, as duas grandes potências da
época, o Império persa e o Império
bizantino, entraram em declínio. O vácuo
foi preenchido pelos conquistadores
árabes, que tinham uma nova religião pela qual lutar. Partindo do
Norte da África, eles atravessaram o estreito de Gibraltar, entraram na Europa
e chegaram até Poitiers, na França, onde foram detidos. Durante vários séculos
os árabes dominaram a metade sul da península Ibérica, a Andaluzia,
onde ainda se encontram vestígios da cultura árabe.
Apesar do colonialismo europeu do século XIX, até
hoje o islã predomina no Norte da África, de onde se espalhou por vastas áreas da
África Oriental e Ocidental.
Logo que se iniciou, o islã avançou para o Oriente, em
direção à Índia e à Indonésia. Quando a Índia, antiga colônia britânica,
conquistou sua independência, temendo a explosão de uma guerra entre hindus e
muçulmanos, estabeleceu dois Estados separados: a Índia, com
maioria hindu, e
o Paquistão, com maioria
muçulmana. O Paquistão Oriental depois
se tornou independente,
com o nome
de Bangladesh.
Atualmente o grande movimento pan-islâmico se
divide em Estados-nações que lutam por uma maior unidade muçulmana internacional,
mas também competem entre si pela liderança.
Nos últimos anos os países europeus receberam um
grande número de imigrantes muçulmanos vindos da África e da Ásia, o que levou
o islã a se tornar a segunda maior religião da Europa de hoje.
0 credo
O credo do islã está resumido nesta curta
declaração de fé: "Não há Deus senão Alá, e Maomé é seu Profeta". Esses
dois pontos constituem o núcleo da doutrina islâmica: o monoteísmo e a revelação por intermédio de
Maomé.
MONOTEÍSMO
Sobre o nome do Deus muçulmano, Alá, é importante
observar que não se trata de um nome pessoal, e sim da palavra árabe que
significa "Deus". Os judeus e os árabes cristãos já
a haviam empregado antes de Maomé. Ela também
designava um deus que habitava o céu e que era adorado na antiga Arábia.
A palavra árabe Alá se relaciona etimologicamente
com a pa- lavra hebraica El, que é usada na Bíblia para nomear o Deus dos
hebreus. Maomé atacou com veemência o politeísmo dos árabes. Ele res
saltou, assim como
fizeram os judeus
e os cristãos,
a crença num só Deus, que é criador e juiz. Esse Deus
criou o mundo e tudo o que nele há,
e no último
dia irá trazer
todos os mortos
de volta à vida
para julgá-los.
O islã não proíbe que se desfrute a vida na terra,
mas lembra que se deve ter sempre em mente o fato de que esta não passa de uma
preparação para a vida que começará depois do
julgamento divino. Essa outra vida — seja no céu ou no inferno —
é descrita em detalhes no Corão, mas há
discordâncias quanto a sua interpretação, que pode ser literal ou metafórica.
A crença num julgamento final após a morte — tão
significativa nas pregações de Maomé — é necessária, segundo
muitos muçulmanos, para que o homem assuma a
responsabilidade sobre seus atos. A ideia de um julgamento cria um
senso moral de
dever que é relevante para a comunidade.
No entanto, Deus não é apenas um juiz onipotente;
além disso, é repleto de amor e
compaixão. Todas as suras do Corão começam com as palavras: "Em nome de
Alá, o Misericordioso, o Compassivo". Embora Deus seja aquele a quem todos
devem se submeter, também é o que perdoa e auxilia o homem.
Uma expressão islâmica corrente, que é sempre
repetida no chamado às preces, é "Alá hu Akbar": "Deus é o
maior", ou "Deus é maior". Entre outras coisas, isso significa
que Deus é maior do que qualquer coisa que possamos compreender. Ele não pode
ser comparado com as pretensões humanas. Não pode ser assemelhado a nada, e não
há ninguém que seja seu igual.
O homem não merece nada de Deus, não pode invocar
direitos sobre nada. A salvação e a fé brotam somente da graça de Deus, e são
coisas que os seres humanos podem apenas ter
esperança de conseguir.O fato de que Deus é maior também
implica que ele ultrapassa todas as concepções dos mortais. Este é o argumento
utilizado pelos muçulmanos para explicar aparentes contradições no Corão.
REVELAÇÃO
Deus falou ao homem por intermédio de seu profeta
Maomé, o último de uma linha de profetas que ele enviou
à humanidade: Adão,
Abraão, Moisés, Davi
e Jesus. Originalmente, Maomé
se considerava parte da
comunidade judaico-cristã. Aos
poucos ele se distanciou tanto dos judeus como dos
cristãos. Logo de início os judeus apontaram que Maomé cometera erros
em sua reinterpretação das narrativas do Antigo Testamento. Maomé não aceitou a
acusação: as revelações que recebia eram a Palavra de Deus; assim, os judeus é
que deviam ter distorcido o significado de suas escrituras sagradas.
A fim de criar um fundamento histórico para sua
nova religião, Maomé se reportou a Abraão e seu filho Ismael, antepassado dos
árabes. Ensinou que Abraão e Ismael tinham reconstruído a sagrada Caaba, que
fora erigida por Adão mas destruída
pelo dilúvio na
época de Noé. Segundo Maomé, os judeus, os cristãos e os politeístas
haviam corrompido o monoteísmo original de Abraão.
Quando chegou a Medina — onde havia uma
grande população judaica —,
Maomé ensinou que se
deve orar com
o rosto voltado na
direção de Jerusalém.
Depois do rompimento
com os
judeus,
ficou decidido que o fiel deve se virar de frente para Meca. E a sexta-feira foi designada como o dia
festivo da semana em vez do sábado, que é o Shabat judaico. O ataque mais
severo de Maomé contra o cristianismo se dirigiu à Trindade, que, segundo ele,
é uma quebra do monoteísmo puro.
O Corão islâmico é, literalmente, a Palavra de
Deus. Pode-se ilustrar melhor essa idéia fazendo uma comparação com o
cristianismo.
O cristianismo ensina: "E o Verbo se fez
carne, e habitou entre nós" (João
1,14). Jesus é a
revelação. No islamismo, Maomé
é apenas um
intermediário, pois a
verdadeira revelação ocorre no próprio Corão.
No cristianismo a
Palavra de Deus
se tornou uma pessoa;
no islamismo, um
livro. Portanto, não
é correto comparar Jesus com Maomé e a Bíblia com o
Corão. Seria mais apropriado dizer que existe um paralelo entre
Jesus e o Corão.
Outra diferença importante entre a Bíblia e o Corão
é que a Bíblia é um texto histórico, ao passo que o Corão é "inchado"
e existe para sempre.
Obrigações
religiosas — os cinco pilares
As obrigações religiosas dos muçulmanos são
consideradas "os cinco pilares":
* o
credo;
* a
oração;
* a
caridade;
* o
jejum, e
* a
peregrinação a Meca.
1. CREDO
"Não há outro Deus senão Alá, e Maomé é seu
Profeta." Esse credo é repetido pelos fiéis várias vezes todos os dias e
proclamado do alto dos minaretes nas horas de oração. Esse ato de
fé se encontra
nas paredes das mesquitas. E a primeira coisa que se deve sussurrar ao
ouvido da criança recém-nascida e a última a se murmurar no ouvido dos
moribundos. O ato de fé é o ponto-chave da religião islâmica.
2. ORAÇÃO
O islã requer que o fiel diga suas preces cinco
vezes por dia. Antes de cada um dos cinco horários fixos para a oração, ouve-se
o chamado à reza vindo dos minaretes, que são
as torres das
mesquitas. Antigamente um homem denominado muezim fazia o chamado; hoje,
porém, em geral é uma fita gravada que repete as conhecidas palavras:
Alá é Grande, não há outro Deus senão Alá e Maomé é
seu profeta. Vinde para a oração, vinde para a salvação, Alá é Grande, não há
outro Deus senão Alá.
Antes da oração o fiel deve estar ritualmente
limpo. Os muçulmanos crêem que as pessoas se tornam impuras em razão de suas funções corporais — inclusive atos
sexuais — e, portanto, devem passar por uma purificação. Isso significa lavar
o corpo
inteiro em água corrente. Em outras ocasiões, basta
lavar as mãos e o rosto. Não é raro que haja banhos especiais próximos às
mesquitas. Tais regras levaram a um alto padrão de higiene nos países árabes,
já desde os tempos antigos (veja as suras 4:46 e 5:8-9).
A maioria das orações islâmicas são fórmulas fixas,
um ritual que exige palavras e gestos bem definidos. Embora exista também a
oração espontânea, na qual o fiel pode se dirigir a Deus para falar de algo
pessoal, a oração ritual deve ser dita em primeiro lugar. Ela consiste
sobretudo em louvores a Deus. Uma oração constantemente repetida é a sura 1 — o
Exórdio:
Louvado seja Deus, Senhor do Universo,
O Caridoso, o Compassivo, Soberano do Dia do Juízo!
Só a Ti adoramos, e só a Ti recorremos em busca de
ajuda. Guia-nos pelo caminho direito,
O caminho daqueles a quem Tu favoreceste, Não
daqueles que incorreram na Tua ira, Não daqueles que se desviaram.
As cinco orações diárias podem ser ditas em
qualquer lugar. A maioria das pessoas possui um
tapetinho ou uma
esteira especial onde se ajoelham e rezam, e seus gestos são
sempre dirigidos para Meca. Os gestos têm tanto valor quanto as
palavras; eles enfatizam a submissão do homem — a palavra islã significa isso,
"submissão" — e mostram que o corpo e a alma são igualmente
importantes.
Sempre que
possível, o fiel deve participar das orações da congregação pelo menos uma vez
por semana, de preferência numa mesquita. Isso é especialmente relevante nas
orações de sexta-feira ao meio-dia, quando o serviço inclui um sermão.
"Fiéis, quando fordes chamados para as orações de sexta-feira,
apressai-vos a vos lembrar de Deus e cessai vosso comércio" (62:9).
Os que comparecem à mesquita devem estar
respeitosamente vestidos, tirar os sapatos antes de entrar e
acompanhar os movimentos de quem preside as orações de
maneira ordenada e disciplinada. O líder das orações também fica de frente para
Meca, isto é, de costas para a congregação.
Normalmente são só os homens que oram no
salão principal da mesquita. As
mulheres ficam numa
galeria, ou escondidas
atrás de uma cortina bem no fundo.
Qualquer homem adulto muçulmano pode ser um dirigente
das preces, um imã. Não há sacerdócio organizado no islã. Entretanto, em
geral o dirigente das orações e responsável pelos sermões tem uma boa educação
teológica e é funcionário da mesquita.
3. CARIDADE
A caridade é, na verdade, uma taxa ou um
imposto formal sobre a riqueza e a propriedade. Está fixada
em 1/40, ou seja, 2,5%, mas as pessoas
são incentivadas a dar mais. De acordo com Maomé, essa taxa deve ser tirada dos
ricos e dada aos pobres. "Devem-se dar esmolas apenas aos pobres e destituídos;
àqueles que se
empenham na administração das esmolas
e àqueles cujos
corações são simpáticos à Fé;
para a libertação dos escravos e dos devedores; para o avanço da causa de Deus; e para o
viajante em necessidade."
"Caridade" não é uma tradução plena
da palavra árabe,
pois ela é mais do que um presente. É um dever para o muçulmano, um dever dado por Deus, como diz o Corão.
Quando essa taxa
é recolhida e destinada a
usos sociais, ela se torna parte da política oficial de
redistribuição de um Estado islâmico. O objetivo é diminuir as desigualdades
entre ricos e pobres, sem interferir no princípio da propriedade privada. O
dever de dar esmolas também influenciou o desenvolvimento do socialismo
islâmico em alguns países.
4. JEJUM
O Corão proíbe os muçulmanos de comer porco, por
ser um animal impuro. Proíbe também o álcool. Afora isso, o islã não prega o
ascetismo de qualquer espécie. Ao contrário, o Corão diz: "Deus
deseja o vosso bem-estar, não o vosso
desconforto". A grande exceção é o jejum durante o Ramadan, o nono mês do
ano lunar. Entre o nascer do sol e o pôr-do-sol é proibido comer,
beber, fumar ou ter relações sexuais. Os viajantes, os doentes, as
crianças e as
mulheres grávidas ou que estão
amamentando são exortados a cumprir o
jejum numa data posterior.
A noite essas proibições são suspensas; assim, em
diversos lugares a vida noturna é animada e há
boa comida e
bebida, enquanto muitos fiéis se reúnem nas mesquitas para passar a
noite ouvindo o Corão. Ramadan, o mês de jejum, foi o mês em que Maomé teve sua
primeira revelação. O jejum simboliza o retiro que cada muçulmano deveria
fazer, como fez Maomé.
5. PEREGRINAÇÃO
A MECA
Todo muçulmano adulto que dispõe de meios para
realizar uma peregrinação a Meca, deve fazê-lo pelo menos uma vez na vida. Ali
se encontra o santuário sagrado mais
antigo do islã, a Caaba.
Trata-se de um edifício quadrado
coberto por um pano negro. Num canto da Caaba fica uma pedra negra incrustada
na parede; essa
pedra tem um enorme significado simbólico.
Para os muçulmanos, Meca e a Caaba são o centro do
mundo. Não só os fiéis se voltam para Meca quando oram; também as mesquitas são construídas com o eixo mais
longo apontando para lá. Os mortos são
enterrados voltados para Meca, e a cidade é o destino das peregrinações.
Meca é
visitada todos os anos por cerca de 1,5 milhão de pere- grinos, metade dos
quais vem de fora da Arábia. O número de peregrinos aumentou de maneira
extraordinária depois que se organizaram os vôos charter para lá. A grande
mesquita de Meca foi completamente reconstruída e hoje pode abrigar 600 mil
pessoas. Só os que podem provar que são muçulmanos recebem visto para
entrar na cidade santa.
Quando os peregrinos se aproximam de Meca, passam a
usar vestes brancas. Nos dias que se seguem eles irão realizar uma série de
ritos, dentro e fora da cidade. A maioria desses rituais enfatiza sua ligação
com Abraão ou Maomé, pois ambos mostraram obediência a Deus. O primeiro rito
consiste em caminhar em torno da Caaba sete vezes, e muitos tentam beijar a
pedra negra. Diz a tradição que essa construção foi erigida por Abraão e
Ismael, filho de Abraão com sua escrava Agar.
Outro momento importante é quando os peregrinos se
postam no monte Arafat, desde o meio-dia até o pôr-do-sol, sem permissão para
proteger a cabeça do calor intenso. Foi no
monte Arafat que
Adão e Eva se encontraram de novo, depois que foram expulsos do jardim
do Éden. Os peregrinos passam várias horas ali juntos, afirmando assim seu
pacto com Deus e sua crença de que não há outro Deus.
O clímax vem com o festival dos sacrifícios. Os
peregrinos ma- tam um animal (um carneiro, bode, camelo, boi etc). Esse sacrifício
serve para lembrar aos muçulmanos que Abraão foi tão obediente a Deus que se
dispôs a sacrificar seu próprio filho (embora no islã o
filho seja chamado de Ismael, e não de Isaac como nos Livros de Moisés).
Deus, porém, foi misericordioso e lhe enviou um animal para que ele o
sacrificasse em lugar do filho. Aqui se revela claramente o cerne religioso da
peregrinação: a obediência à vontade de Deus.
Relações humanas — ética e política
Tradicionalmente, no islã não há distinção entre a
religião e a política, tampouco entre a fé e a moral. Todas as
obrigações religiosas, morais e
sociais do homem estão estabelecidas na sagrada
lei muçulmana, a xariá.
Xariá significa "caminho para o oásis",
ou seja, o caminho correto para a conduta humana, que foi mostrado
por Deus ao homem. A lei sagrada se expressa sobretudo
no Corão, que é muito mais que um texto religioso. Trata-se de um livro de leis
que contém instruções fixas e rígidas sobre o governo da sociedade, a economia,
o casamento, a moral, o status da mulher etc.
Quando o Corão não dá instruções definitivas, os
muçulmanos se voltam para a suna. Eles estudam os exemplos dados por Maomé e
pelos califas. Relatos sobre a vida de Maomé e suas pregações foram escritos em
coletâneas chamadas hadith, durante os primeiros séculos após a morte do
profeta.
Tanto o Corão como as narrativas hadith se referem
a um tipo de sociedade que hoje em dia praticamente não existe mais. Portanto,
interpretar e adaptar as regras da escritura e da tradição é uma tarefa
considerável. Ela pode ser realizada segundo dois princípios diferentes, o da similaridade e o do consenso.
Princípio da similaridade ou analogia. Para
solucionar um problema totalmente novo, encontra-se um exemplo semelhante (ou
análogo) no Corão, ou um precedente, e se estuda a base para uma decisão.
Princípio do consenso. Diz-se que Maomé afirmou que
os fiéis nunca poderiam concordar coletivamente acerca de algo que estivesse
errado. Assim, uma decisão que os fiéis tomam em comum pode ser vista como lei
por seus representantes, os
especialistas legais. Um exemplo
ocorreu quando os líderes religiosos resolveram proibir o café. A decisão foi
recebida com protestos tão veementes pelas pessoas comuns que os líderes
concordaram em anular a proibição.
O movimento xiita utiliza um terceiro princípio,
relacionado com seus conceitos sobre a revelação. Os sunitas afirmam que a
revelação vem apenas uma vez, em sua forma final. Porém, para os xiitas ela pode ser contínua, por
intermédio de seus líderes, os imãs. Isso implica que é possível dar novas
interpretações da lei, baseadas na "compreensão pessoal" do imã.
Tradição e
reforma
Maomé e os primeiros califas eram tanto líderes
políticos como religiosos. Tinham a capacidade de usar o Corão como guia em
todas as áreas da vida social, sem
muita dificuldade.
Em épocas mais recentes, os encontros com a cultura
e a economia do Ocidente ocasionaram certas mudanças. No século XIX a Turquia
lançou uma série de reformas legais destinadas a facilitar a cooperação com a
Europa Ocidental e a dar mais segurança legal aos não-muçulmanos que residem
dentro de suas fronteiras. O resultado foi
a emergência de um sistema legal
com dois níveis: a lei sagrada, que se aplica sobretudo aos assuntos
particulares, e o direito público, que é secular.
Essa dualidade ficou ainda mais pronunciada em
alguns dos novos Estados nacionais que foram surgindo, muitas vezes
com líderes influenciados pelos
ideais ocidentais.
Além do direito público, fundamentado em princípios
legais gerais, muitos países possuem um direito privado, que é da
competência de tribunais religiosos especiais. Ele se aplica particularmente
aos assuntos de família e de herança. Ao
mesmo tempo, há uma pressão cada
vez maior para que os princípios islâmicos sejam a base do direito público,
como, por exemplo, da justiça criminal.
Em 1972 a Líbia introduziu uma lei
de justiça criminal apoiada na
xariá. Ela inclui, por exemplo, a proibição
de servir e beber álcool. A
punição para os ladrões é
a amputação da mão direita.
No Paquistão
e no Irã, os levantes políticos da década de 1970 intensificaram o domínio do
islã sobre a vida social.
Todavia, tornou-se óbvio, mesmo na Arábia Saudita,
onde a xariá é universal, que é difícil ser totalmente coerente. Há
diversas áreas, sobretudo a econômica,
onde a xariá não é praticada.
A Turquia é uma exceção no mundo islâmico. Depois
que o califa foi deposto, Mustafá Kemal
"Ataturk" construiu com seu povo um Estado moderno em linhas
ocidentais, onde o Estado e a religião
foram devidamente separados. Em 1926 a xariá foi substituída nesse país
por um código civil que julga as pessoas segundo uma lei comum,
independentemente de religião.
Economia
O Corão tem uma visão favorável da atividade
econômica. Menciona em particular o comércio, que era a principal fonte de
subsistência em Meca, cidade de trânsito na época de Maomé.
O Corão não questiona o direito à
propriedade privada, mas há arranjos especiais que impõem certas limitações à
riqueza e à propriedade. A mais importante é a proibição dos juros, proibição
que não é aplicada de modo uniforme, em
particular na área das finanças internacionais. A obrigação religiosa de dar esmolas passou
a ser, na prática, uma taxa ou um imposto sobre a propriedade.
Em vários trechos o Corão alerta que as
riquezas se tornam uma tentação que afasta as pessoas de
Deus.
O pensamento social em que até certo ponto se
baseia a idéia de caridade afirma que os ricos devem dar aos pobres. Os
políticos de mentalidade reformista transformaram esse princípio numa política
econômica de cunho socialista. Na maioria dos países árabes impera o mercado
livre na economia.
As mulheres no islã
Duas citações do Corão demonstram como este
pode ser usado para fundamentar duas visões bem diferentes
do papel da mulher: "Os homens têm autoridade sobre as mulheres
porque Deus os fez superiores a
elas" (sura 4:31). "As mulheres devem, por justiça, ter direitos semelhantes àqueles exercidos
contra elas" (sura 2:228).
O contraste no tratamento de homens e mulheres é
visível nu- ma série de áreas da vida social, sobretudo nas leis relativas ao
casamento. Mas, como muitos estudiosos islâmicos já indicaram, há também uma
série de leis que protegem as mulheres dentro do casamento. Quando o contrato
de casamento é assinado, o marido paga
um dote que permanece propriedade da esposa e não pode ser usado sem o consentimento
dela.
A mulher só pode ter um marido, ao passo que
os homens podem ter até quatro esposas. A poligamia
para os homens não
era rara no Oriente Médio na época de Maomé. A exigência deste de que um homem não deve tomar mais esposas do
que pode sustentar teve muitos efeitos positivos em sua época. Hoje, a
poligamia é proibida na Turquia e na Tunísia.
O divórcio é possível, mas apenas quando iniciado
pelo marido, que é responsável pelo lado financeiro do casamento. Há regras e
condições abrangentes destinadas a evitar o
excesso de facilidades
para o divórcio,
o qual, segundo
Maomé, é "a
atividade legal menos preferida
por Deus". O índice de divórcios nos países árabes é o mais alto do mundo.
O marido também tem o direito de punir fisicamente
a esposa se ela for desobediente. "Quanto àquelas de quem temes desobediência, deves admoestá-las,
enviá-las a uma cama separada e bater nelas", diz a sura 4.
Diferentemente da circuncisão para os homens, a
excisão do clitóris (mutilação genital feminina) não é obrigatória para as mulheres;
tampouco se menciona tal mutilação no Corão. Mesmo assim, ela é praticada com
freqüência no Norte da África. Nos anos recentes, porém, vem encontrando forte
oposição por causa de seus efeitos negativos sobre a vida sexual da mulher.
Nem mesmo a tradição de usar véu, ou chador, deriva
do Corão, mas ela se difundiu por amplas áreas geográficas, independentemente
da religião. Em sua origem, tal
moda se limitava
às classes superiores, não tendo
penetração na sociedade agrícola, onde as mulheres deviam trabalhar no campo. A
luta contra o véu vem sendo uma questão predominante na modernização de muitas
nações árabes; entretanto, o reavivamento
islâmico dos anos
recentes também fortaleceu o apoio ao véu.
A filosofia
no islã
O islã se espalhou pela Ásia e pela África, mas foi
a conquista da Espanha que mais afetou a história
europeia. Entre os séculos VIII e XV, os árabes dominaram a
parte sul da Espanha. Eles romperam com
o califa de
Bagdá e estabeleceram
seu próprio califado
em Córdoba.
Essa cidade
se tornou um
centro cultural que
atraía estudiosos de todo o
mundo muçulmano, e demonstrava grande
tolerância para com os judeus e os cristãos. A cultura hispano-moura
passaria a exercer forte influência na
Europa, não só na arquitetura e na literatura, mas também na
filosofia. Foi graças aos filósofos árabes do Sul da Espanha
que a Igreja católica descobriu
Aristóteles, filósofo clássico
da Grécia que haveria de
desempenhar um papel considerável na formação do pensamento católico durante a
Idade Média.
AVERRÓIS DE
CÓRDOBA
O maior dos filósofos de Córdoba foi Ibn Ruchd, ou
Averróis (1126-98). Ele acreditava que era seu dever defender a filosofia e a
ciência, numa época em que forças poderosas dentro do islã desejavam impedir todo pensamento independente. Averróis
foi um muçulmano devoto que aceitava
a autoridade de
Maomé e não questionava a veracidade
do Corão. Acreditava,
no entanto, que
as afirmações do Corão podiam ser
interpretadas de várias maneiras. O Corão é escrito para todas as pessoas,
tanto cultas como ignorantes,
e portanto utiliza um estilo alegórico bem específico.
Os que não têm instrução precisam imaginar Deus sob uma forma humana e o paraíso
como um lugar de confortos
materiais. Contudo, comentava
Averróis, os indivíduos mais
esclarecidos percebem que esses conceitos são apenas símbolos que carregam um
significado espiritual.
Averróis desejava combinar a religião com o
pensamento filosófico e científico, mas a oposição a esse ponto de vista não
parou de crescer. Nos séculos que se seguiram à morte de
Averróis, os estudiosos muçulmanos se concentraram no
estudo das escrituras e da tradição. No
século XX, porém, novas ideias de reforma e liberalização vêm sendo debatidas,
e muitos muçulmanos têm tentado adaptar sua religião às condições atuais e à
ciência moderna.
O SUFISMO — O MISTICISMO DO ISLÃ
Os primeiros séculos da história do islã foram
dominados pelas atividades externas, pela guerra e pela diplomacia. Entretanto,
logo surgiu um movimento que incentivava
a reclusão e
a meditação. Essa tendência
recebeu o nome de sufismo, provavelmente em virtude das vestes de lã usadas por seus seguidores (a palavra árabe
para "lã" é suf).
Os ideais do islã podem não incluir o ascetismo,
mas apelam para que se adote uma atitude séria em relação ao Juízo Final, num
estilo de vida simples e responsável. Por isso muitos muçulmanos se indignaram
com a vida luxuosa que passara a reinar na corte do califa de Bagdá. Eles desejavam levar uma vida
puritana, de jejum, oração e meditação.
Ao mesmo tempo, o conceito divino ia se alterando.
Os sufis acreditavam que Deus era, acima de tudo, um Deus amoroso
com quem o homem podia alcançar
uma união mística. Esse pensamento parecia contrastar substancialmente com a ideia
de Deus como o juiz exaltado, inacessível, a quem o homem deve se submeter. Em consequência,
os primeiros místicos logo entraram em conflito com a corrente principal do
islã. Em certos casos foram acusados de
blasfêmia por causa de seu conceito de Deus. Um dos místicos que mais se
destacaram foi executado. Tratava-se de Halladj, que acreditava que Deus passara a morar
dentro dele, e que, portanto, havia total unidade e harmonia
entre Deus e ele. Para os sufis, Jesus
era tão importante como Maomé, e muitas
palavras atribuídas a Maomé lembram palavras de Jesus registradas
nos evangelhos, como, por exemplo: "Eu sou a verdade", "Quem me
vir, verá a Ele", e também, quando foi crucificado: "Perdoai-os,
Senhor, tende piedade deles". Em suma, no início do sufismo Jesus
representou um papel importante como ideal ascético.
Um século e meio depois de Halladj, Ghazali tentou combinar a devoção do
sufismo com os dogmas da corrente principal do islã. Ghazali foi um dos maiores
pensadores do mundo. Nem o estudo da filosofia, nem o da lei o satisfizeram.
Após uma longa busca, ele tomou o
caminho do misticismo, onde todos os desejos e todas as preocupações são afastadas para que o
pensamento possa se
concentrar em Deus. A conclusão de Ghazali foi que
a verdade mística, real e última não pode ser
aprendida, mas deve ser experimentada por meio do êxtase.
Em seu cerne, o misticismo sufi tem características comuns
com o misticismo de outras religiões. O sufismo também usa exercícios especiais de meditação, como, por
exemplo, uma oração ou uma palavra que é repetida continuamente, por vezes
acompanhada de determinados movimentos ou exercícios de
respiração. Trata-se de uma
técnica para entrar em transe. Um auxílio usual é o
rosário e a repetição dos
"99 mais belos nomes de Deus".
O sufismo não é uma tendência organizada.
Encontram-se sufistas tanto entre os muçulmanos xiitas como entre os sunitas.
Cristianismo
O cristianismo é a filosofia de vida que mais
fortemente caracteriza a sociedade ocidental. Há 2 mil anos permeia a história,
a literatura, a filosofia, a arte e a
arquitetura da Europa.
Assim, conhecer o cristianismo é
pré-requisito para compreender a sociedade
e a cultura em que vivemos.
A Bíblia é o livro mais lido do mundo, hoje e em
toda a história humana. Nenhum outro livro teve maior influência literária. Até
mesmo escritores não cristãos reconheceram a Bíblia como
sua fonte de inspiração mais
importante.
DEUS, O
CRIADOR
No princípio, Deus criou o céu e a terra.
Gênesis 1,1
A primeira ação descrita na Bíblia é a criação do
céu e da terra por Deus. "O céu e a terra" é a expressão hebraica
para "universo". A criação é descrita de duas maneiras diferentes no
Gênesis, capítulos 1 e 2:
VERSÃO A
No princípio, Deus criou o céu e a terra. Ora,
a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, e
um vento de Deus pairava sobre as águas.
Deus disse: "Haja luz" e houve luz. Deus
viu que
a luz era
boa, e Deus separou a luz e as trevas. Deus chamou à luz "dia"
e às trevas "noite". Houve uma tarde e uma manhã: primeiro dia.
Deus disse: "Haja um firmamento no meio das
águas e que ele separe as águas das águas", e assim se fez. Deus fez o
firmamento, que separou as águas que estão sob o firmamento das águas que estão
acima do firmamento, e Deus chamou ao firmamento "céu". Houve
uma tarde e uma manhã: segundo dia.
Deus disse: "Que as águas que estão sob o céu
se reúnam numa só massa e que apareça o continente", e assim se fez. Deus
chamou ao continente "terra" e à massa das águas "mares", e
Deus viu que isso era bom. [Gênesis 1,1-10]
VERSÃO B
Essa é a história do céu e da terra, quando foram
criados.
No tempo em que Iahweh Deus fez a terra e o céu,
não havia ainda nenhum arbusto dos campos sobre a terra e nenhuma erva dos
campos tinha ainda crescido, porque Iahweh Deus não tinha feito chover sobre a
terra e não havia homem para cultivar o solo. Entretanto, um manancial subia da
terra e
regava toda a
superfície do solo. [Gênesis 2,4-6]
Se compararmos essas duas versões da criação, fica
imediatamente óbvio que há água demais na primeira e água
de menos na segunda. Talvez o
autor da história A tenha vivido numa área constantemente sujeita a
inundações, por exemplo, a Mesopotâmia, a terra entre os rios Tigre e Eufrates.
Já o autor da história B pode ter vivido numa área de deserto. Baseando-se em
suas próprias condições locais, os autores imaginaram a criação como narrada
nessas duas histórias (A e B).
As duas
histórias da criação: a
cosmocêntrica e a antropocêntrica
Essas duas
histórias da criação
são, portanto, dessemelhantes, e
a razão disso é que elas surgiram em
épocas diferentes e em ambientes diferentes. A primeira (Gênesis
1,1-10), que chamamos de história cosmocêntrica da criação, já que tenciona dar
uma descrição sistemática de como o cosmo inteiro foi criado, chegou a sua forma presente no século VI a. C. Aqui
a ênfase recai sobre o fato de que o mundo foi criado porque Deus
assim o ordenou. Foi por causa de suas palavras que tudo passou a existir. As
palavras "Deus disse" são repetidas várias vezes nessa versão. O que
se realça é a soberania de Deus sobre sua criação. Ele é elevado acima de todas
as coisas terrenas.
A segunda história da criação (Gênesis 2,4-6) é
muito mais an- tiga. Talvez tenha chegado a sua forma atual já no século X a.
C., e podemos chamá-la de história da criação antropocêntrica (da palavra grega
anthropos, que significa "homem"), pois se concentra na criação do
homem e em sua condição no mundo.
Mitos e
crenças da criação
O objetivo das histórias da criação é descrever o
que aconteceu no início dos tempos, quando o céu e a terra foram formados. Em geral chamamos
essas histórias de
mitos, ou histórias
alegóricas. Os conceitos místicos do
Gênesis dependem, claramente, de uma crença em Deus. E impossível reunir todo o
material místico das histórias da criação e compor uma só imagem coerente do
mundo. Na realidade, elas oferecem fragmentos de várias
imagens do mundo, muito divergentes entre si.
Um ponto importante na teologia da criação bíblica
é que o mundo não existiu desde tempos imemoriais. A palavra
hebraica para criar é bará, que significa "fazer algo
existir", ou "fazer algo do nada". Quando falamos que um artista
está "criando" alguma coisa, queremos dizer que está formando algo
com base num material já existente.
A crença que sustenta a história bíblica da criação
deriva de mitos da criação de outras culturas, nas quais o homem imaginava
que um
ou mais deuses haviam organizado o
mundo utilizando um material
primordial informe. Na Bíblia, tudo o que existe deve sua origem a
um comando real
de Deus. "Porque
ele diz e
a coisa acontece, ele ordena e
ela se afirma" (Salmo 33,9).
O MUNDO NÃO EXISTE POR ACASO
As histórias da criação não oferecem respostas para perguntas científicas sobre como o mundo veio a existir,
quanto tempo isso demorou e qual
era o aspecto do mundo em termos biológicos e físicos. A ênfase não está em
como Deus criou o céu e a terra, mas no fato de que foi ele quem os criou. Em
outras palavras, o mundo que habitamos não é resultado de um acaso ou
acidente. A Bíblia salienta que há uma
vontade divina por trás da existência do universo. O mundo foi criado e continua a existir por causa de algo fora de
si mesmo. E esse algo não é uma força impessoal, mas o poder de um Deus
pessoal.
Quando a ciência moderna demonstra a evolução do
mundo desde o início até os dias de hoje, um cristão compreende isso como uma descrição humana da obra de Deus como
criador. Deus não
apenas criou algo do nada, como também deu a esse algo uma capacidade
evolutiva inata. A evolução faz parte da criação. Se voltarmos à história cosmocêntrica da
criação, veremos que ela nos oferece uma imagem dinâmica:
Deus disse: "Que a terra produza seres vivos
segundo sua espécie: animais domésticos, répteis e feras segundo sua
espécie" e assim se fez. Deus fez as feras segundo sua espécie, os animais
domésticos segundo sua espécie e todos os répteis do solo segundo sua espécie;
e Deus viu que isso era bom. [Gênesis 1,24-25]
O CRIADOR DO
SER HUMANO
Deus criou o homem ã sua imagem.
Gênesis 1,27
A criação do homem também é descrita de duas
maneiras diferentes no primeiro e no segundo capítulo do Gênesis:
VERSÃO A
Deus disse: "Façamos o homem à nossa imagem,
como nossa semelhança, e que ele domine sobre os peixes do
mar, as aves
do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que
rastejam sobre a terra".
Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus
ele o criou, homem e mulher ele os criou.
Gênesis 1,26-27
VERSÃO B
Então Iahweh Deus modelou o homem com a argila do
solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente.
Iahweh Deus disse: "Não é bom que o homem
esteja só. Vou fazer uma auxiliar que lhe corresponda". Iahweh Deus
modelou então, do solo, todas as feras
selvagens e todas as aves do céu e as conduziu ao homem para ver como ele as
chamaria: cada qual devia levar o nome que o homem lhe desse. O homem deu nomes
a todos os animais, às aves do céu e a todas as feras selvagens, mas, para o
homem, não encontrou a auxiliar que lhe correspondesse. Então Iahweh Deus fez
cair um torpor sobre o homem, e ele dormiu. Tomou uma de suas costelas e fez
crescer carne em seu lugar. Depois, da
costela que tirara do homem, Iahweh Deus modelou uma mulher e a trouxe
ao homem.
Então o homem exclamou: "Esta, sim, é osso de
meus ossos e carne de minha carne!
Ela será chamada 'mulher', porque foi tirada do
homem!".
Por isso um homem deixa seu pai e sua mãe, se une à
sua mulher, e eles se tornam uma só carne.
Ora, os dois estavam nus, o homem e sua mulher, e
não se envergonhavam. [Gênesis 2,7 e 2,18-25]
Antropólogos, filósofos, cientistas e escritores,
todos tiveram e têm ideias diferentes sobre a natureza do homem. E todas as
religiões têm sua própria concepção da humanidade. O ponto vital para um
cristão é que
o homem não
foi criado a
esmo, como se
fosse um subproduto. Até
mesmo as histórias
da criação enfatizam
que a humanidade é resultado da
vontade e do poder de Deus. Isso indica, para a crença cristã, o valor do
indivíduo. Não estamos flutuando no espaço. A humanidade tem um pai comum em
Deus, e já que cada um de nós foi criado
por ele, somos todos igualmente preciosos.
A visão
cristã da humanidade
Os seguintes pontos têm importância considerável na
visão cristã do ser humano:
A POSIÇÃO DE DESTAQUE DO SER HUMANO
Por um lado, as histórias da criação realçam os
vínculos do homem com o restante da criação. "Então Iahweh Deus modelou o
homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente"
(Gênesis 2,1). O lado natural do homem
também é expresso no jogo de palavras, no original hebraico, entre adam (homem)
e adamá (terra). O homem é formado do mesmo material que as plantas e os animais. Somos feitos de pó
e ao pó retornaremos. Por outro lado, o
homem foi feito senhor da criação.
Pode-se dizer que o ser humano é um ser
orgânico e, ao
mesmo tempo, é também algo mais.
O HOMEM FOI CRIADO À IMAGEM DE DEUS
A expressão "criado à imagem de Deus"
destaca a ideia de que o homem tem um lugar especial na criação. É claro que o
homem tem seu lugar na ordem natural geral, mas sendo a
última coisa que
Deus criou, ele tem dotes especiais e uma tarefa específica que o diferencia
de todas as outras coisas criadas. Diz-se comumente que Deus criou o homem por
amor — a fim de compartilhar o mundo com
ele. Pois o homem não é apenas uma coisa viva, como as outras coisas vivas. O
homem é uma pessoa e um indivíduo.
A ideia de que
o homem foi criado à imagem de Deus também implica que ele foi
feito para viver em harmonia com seu criador. Ele foi dotado da capacidade de
experimentar o sagrado e de participar de atos de adoração divina.
O SER HUMANO É UM SER SOCIAL
O ser humano não foi criado apenas
para viver com
Deus; nós também fomos feitos para existir em comunhão uns
com os outros. Tanto o Antigo
como o Novo Testamento ressaltam que devemos nos amar uns aos outros assim como
Deus nos
amou. As duas histórias da criação, cada uma
a sua maneira,
também destacam a ideia de
que Deus nos
criou como homem
e mulher. Podemos dizer que o
casamento e a família são parte da
criação. Por isso, muitas igrejas
cristãs veem o
casamento como uma
instituição sagrada.
O SER HUMANO TEM LIVRE-ARBÍTRIO
Outro dom do homem é distinguir entre o certo e
o errado. Uma das ideias
fundamentais da Bíblia é que o homem é responsável por suas
ações. O homem
é capaz de
ir contra a
vontade de Deus. Podemos abusar
da posição especial
que Deus nos
deu. A Bíblia chama a isso de
pecado.
Expressões que
tentam descrever Deus
(Aparição de nosso Senhor Jesus Cristo] que
mostrará nos tempos [estabelecidos
o Bendito
e único Soberano,
o Rei
dos reis e Senhor dos senhores,
o único que possui a imortalidade,
que habita
uma luz inacessível,
que nenhum homem viu, nem pode ver. A ele, honra e
poder eterno! Amém!
Primeira Epístola de Paulo a Timóteo, 6,15-16
A Bíblia descreve Deus não apenas por suas ações
(como criador e salvador), mas também
com palavras que ilustram certas características principais da "imagem
divina". Tais palavras são tomadas de nossa esfera imaginativa para
descrever "aquilo que não é deste mundo". Para compreender essas
expressões, muitas vezes precisamos nos reportar à época em que elas foram
cunhadas. Por exemplo, considerando uma expressão aparentemente direta como
"Deus é nosso pai", podemos ver que a interpretação deve levar em
conta as condições históricas nas diferentes épocas em que a Bíblia
foi escrita. O termo pai não tem absolutamente nada a ver com nossa ideia
moderna dos papéis sexuais. "Pai", conforme a posição dos pais de família naquela época, significa alguém
que ama seus filhos mas que também exerce autoridade e espera deles obediência.
A Bíblia está nos dizendo que o amor de Deus é ilimitado em sua bondade
e absoluto em suas exigências.
O DEUS DO AMOR
O principal comentário da Bíblia acerca de Deus é
que ele é "amor". Essa não é uma descrição de uma entre outras
características de Deus, mas uma sua
qualificação geral. Tudo o que a fé cristã pode dizer a respeito de Deus são
variações em torno desse grande tema. A Bíblia também destaca que é impossível
para o ser humano conhecer a Deus ou amar a Deus se não nos amamos uns aos
outros. Pois Deus é amor.
Todos nós sabemos que a palavra amor tem conotações
distintas. Para compreender o que a Bíblia está afirmando quando diz que Deus é
amor, pode ser útil saber qual o uso dessa expressão na língua original do Novo
Testamento, o grego. Em grego há duas palavras que podem ser traduzidas pela
palavra amor: eros e agape. Eros pode ser traduzido como "querer" ou
"desejar". O filósofo grego Platão (c. 400 a. C.) usa a palavra eros
ao falar do desejo que o homem tem da beleza, da excelência, do conhecimento e da
eternidade. Para Platão, eros era um anseio inerente à humanidade. Ele expressa
a origem elevada da alma, manifestando-se nos seres humanos
como uma necessidade irresistível
de partir em jornada rumo à pátria
celestial. Eros é o anseio que sente o homem, esse ser transitório, pela
eternidade. Podemos dizer que essa palavra descreve o amor que o homem tem
pelas coisas que vale a pena amar, ou seja, pelas coisas valiosas. (Hoje em dia
as palavras eros e erótico são usadas com um sentido mais restrito do que na filosofia platônica, isto é, no sentido
do amor sexual.)
De certa forma, a palavra agape significa quase o
oposto de eros. No Novo Testamento, a palavra é usada para designar o amor
misericordioso e devotado de Deus pelo ser humano. Pois o amor de Deus é
espontâneo e se auto-sacrifica sem pensar se a humanidade o "merece".
Ele não emana da carência, mas da abundância, e também é dado em abundância
àqueles que não merecem amor nem são dignos
de amor. Nesse contexto, o amor de Deus é um modelo para a caridade
cristã. Os primeiros cristãos usavam a palavra agape para designar
suas refeições comunitárias, que terminavam numa comunhão.
Poucas passagens na Bíblia ilustram tão bem a
compaixão de Deus pelo homem e seu amor repleto de perdão como a parábola do
"Filho pródigo".
O DEUS ETERNO E SAGRADO
Várias passagens na Bíblia indicam que Deus existe
"desde sempre e para sempre". Ele existia antes que o mundo fosse
criado e permanecerá sempre o mesmo. "Deus é Deus ainda que toda a terra
decaia, Deus é Deus ainda que todos os homens passem e se vão", escreveu
Petter Dass num hino.
Quando Moisés perguntou o que deveria dizer quando
lhe perguntassem quem o enviara ao Egito para libertar os hebreus da
escravidão, Deus lhe deu esta resposta: "'Eu sou aquele que é.' Disse
mais: 'Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou até vós'" (Êxodo
3,14). Em outra passagem do livro final da Bíblia cristã: "Eu sou o Alfa e
o Ômega, o Princípio e o Fim" (Apocalipse 21,6).
Ambos os textos enfatizam que Deus transcende as
noções comuns de tempo e espaço. Diferentemente do homem, que é sujeito à
temporalidade e à morte, ele é imutável e eterno. Para usar uma expressão mais
moderna, poderíamos dizer que a existência de Deus não está confinada a um
estado de quatro dimensões. Ele não está
num lugar nem no outro. Ele não é uma parte do universo como as
estrelas, as flores e os animais. Ele se situa acima do mundo e dos processos
que aqui ocorrem — como seu criador e governante.
A Bíblia afirma que Deus, diferentemente do homem e
do universo, é o Santo. E qualquer palavra que designe o sagrado, qualquer palavra que conote a esfera divina,
é uma palavra-chave em qualquer religião. Um conhecido historiador da religião,
Rudolf Otto, definiu o sagrado como "o totalmente Outro" (das ganz
Andere): o sagrado é algo misterioso e inexplicável, diante do qual o
homem treme mas pelo qual se
sente atraído.
OUTRAS DEFINIÇÕES CRISTÃS DE DEUS
A Bíblia oferece outras definições de Deus: ele é
pai, Senhor, todo-poderoso, onisciente, bom, misericordioso, justo e pessoal.
Por trás de cada uma dessas diversas características há sempre um
acontecimento, porque o Deus cristão é algo mais que um princípio filosófico.
Ele é um ser pessoal que ouve as orações e os louvores do homem. Ele
é o Deus
da história, que
guia o mundo
rumo ao objetivo que ele
determinou: o reino de Deus.
Não se pode encontrar na Bíblia nenhuma doutrina
sistemática a respeito da essência e
das características de
Deus. Muitos cristãos diriam que a mais importante descrição de Deus se
encontra na pessoa
de Jesus Cristo
e em suas
pregações. E comum dizer que não se pode distinguir a
crença cristã em Deus da crença em Jesus.
Desde a Idade Média, costuma-se afirmar que o homem
pode se aproximar de Deus de
duas maneiras diferentes:
por meio do pensamento ou por meio da fé.
Por exemplo,
Martinho Lutero
acreditava que é
possível para nós
conceber uma onipotência que criou o mundo, sem referência à Bíblia.
Porém, a natureza dessa força permanece oculta para nós. Para os cristãos, tudo
o que se sabe com certeza a respeito de Deus é aquilo que Jesus revelou em sua
vida e em suas prédicas.
A teologia católica distingue entre uma revelação
natural e outra sobrenatural. A revelação natural significa a percepção divina
que é acessível a todos os seres humanos, pois Deus se revelou no mundo natural e no anseio religioso do homem.
A revelação sobrenatural é a revelação especificamente cristã. Portanto, ao
observar o mundo que Deus criou — e usando
nossa razão —, não podemos adquirir mais do que um conhecimento indireto
de Deus. A compreensão perfeita vem apenas do nosso encontro de fé com Cristo.
Providência
divina — fardo humano
Meu Pai trabalha até agora e eu também trabalho.
João 5,17
"O que será, será." É o que diz o refrão
de uma velha canção popular. Essa frase é um exemplo de fatalismo, uma atitude
em relação à vida que teve papel
decisivo para os antigos gregos, ou para os
vikings da Europa
do Norte. O
destino é uma
força cega e impessoal
do universo, perante
a qual tanto
os deuses como
os homens deveriam se curvar.
O cristianismo divulgou pelo mundo afora a crença na providência. Os cristãos
assumiram a antiga
crença judaica, expressa na
Bíblia, de que Deus segue envolvido em sua obra da criação, dando continuidade
a ela.
DEUS COMO
CRIADOR E PROVEDOR
É fundamental para o cristianismo a ideia de que
Deus sustenta o mundo. Se ele tivesse "se retirado" após a
criação, tudo teria entrado em colapso. O Deus cristão é o senhor da história,
conduzindo o mundo até sua redenção.
Os cristãos expressam sua gratidão a Deus com tanta freqüência precisamente porque, entre
outros motivos, eles experimentaram em suas vidas o cuidado amoroso de Deus e
sua mão orientadora. Mas experimentar o amor de Deus depende da boa vontade do
indivíduo de permitir que a vontade de Deus seja feita em sua vida. Assim,
Jesus ensinou os discípulos a orar: "Seja feita a tua vontade, assim
na terra
como no céu". Com isso ele queria dizer que a
vontade de Deus não prevalece automaticamente neste mundo.
Jesus
exortava as pessoas a dependerem do cuidado divino, o que não significa que devemos nos eximir de nossas responsabilidades e
deveres para com
os outros ou
para com a comunidade em que
vivemos. Deus criou o homem para ser seu colaborador, seu companheiro na
criação, seu co-criador.
A Bíblia também ensina que a obra sistemática de
Deus todo- poderoso é conduzida numa espécie de campo de batalha com as forças que se opõem a ela. O reino de Deus em
plenitude está em algum lugar do futuro.
Ele virá algum dia, quando Deus intervier radicalmente. No entanto, mesmo agora
os movimentos de Deus são aparentes, tanto em assuntos específicos como, pelo
mundo afora, no sentido mais amplo.
Mais ainda,
o cristianismo afirma que o cuidado de
Deus pela criação é
universal. Ele não se limita,
por exemplo, a
certos grupos seletos de pessoas.
Ele se importa
com todas as
pessoas em igual medida.
O SER HUMANO COMO COLABORADOR DE DEUS
Há um curto versículo da Bíblia que por vezes é
chamado de "tarefa cultural" (Gênesis 1,28). Nele Deus abençoa os
primeiros seres humanos e diz: "Sede fecundos, multiplicai-vos,
enchei a
terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e
todos os animais que rastejam sobre a
terra".
Quando consideramos a explosão populacional dos
últimos tempos, temos de reconhecer que o homem de fato cresceu e se
multiplicou. Sem dúvida, também dominamos a terra. O que não conseguimos fazer
foi "dominar sobre" seus recursos sem depredá-los — sobre "os peixes do mar, as aves do céu
e todos os animais que rastejam sobre a terra". Estamos em pleno processo
de acabar com os peixes dos mares e enfrentamos o perigo de tornar extintas
muitas espécies de animais.
As culturas ocidentais devem assumir boa parte da
responsabilidade pelo sério impacto causado na natureza nos últimos séculos.
Ternos de perceber que não cuidamos
da criação com
carinho, como deveríamos ter feito. O problema da poluição é hoje tão
grande que precisamos fazer uso de
recursos consideráveis para
tentar solucioná-lo, e, assim, não sermos envenenados pelo ar que
respiramos e pelos produtos da terra e do ar.
Também falhamos em dividir e alocar os benefícios
materiais internacionalmente. Nisso o fardo principal cabe à Europa. A
distribuição desigual dos recursos globais não só rompe nossa responsabilidade
administrativa, como vai contra a prescrição
cristã da caridade. O homem foi criado para ser o ajudante de Deus; mas
depois de se recusar a trabalhar com ele, tornou-se adversário e
inimigo de Deus e de seu plano para a raça humana.
A humanidade
— boa ou má?
Pois não há diferença, sendo que todos pecaram e
todos estão
[privados da glória de Deus.
Romanos 3,22-23
Já vimos que o homem foi criado à imagem de Deus.
Ele foi equipado pelo Criador para poder viver como Deus desejava;
mas existe "algo" que se opõe ao controle do mundo por
Deus e
a seu plano para a vida terrena. No cristianismo,
esse "algo" é chamado de pecado.
QUAL É A ESSÊNCIA DO PECADO?
O Novo Testamento usa a palavra grega
hamartia para "pecado".
Esse substantivo deriva de um verbo que pode significar "perder alguma
coisa", "tomar o caminho
errado" ou, figurativamente, "trapacear com nosso próprio
destino". Podemos, portanto, dizer que o pecado designa aquilo que
rompe com a
intenção de Deus para a vida humana. Essa palavra tem um sentido muito
mais amplo do que "fazer algo errado".
O pecado é sobretudo um conceito religioso. Ser
pecador não significa automaticamente levar uma vida imoral; pode-se muito bem
ser uma pessoa decente. Mas mesmo que o indivíduo não seja um canalha em termos
humanos, do ponto de vista de Deus ele é um pecador.
Uma explicação sobre o pecado deve começar pela
vontade do Criador. Esta afirma que o homem deve estar com Deus — senhor da
vida — e moldar sua existência de acordo com os objetivos de Deus. O pecado é,
portanto, o desejo humano da
auto-suficiência, seu desejo de conseguir viver sem Deus. Romper
essa comunhão com Deus leva àquilo que a Bíblia chama de quebrar a lei, quebrar
a santidade, de iniqüidade e apostasia. Podemos dizer que o pecado é aquilo
que separa o homem de Deus. Se
Deus é amor, o pecado é a falta de benevolência. Quer se dirija a Deus quer a
nossos próximos, os seres humanos, o pecado é aquilo que leva ao egoísmo e ao
egocentrismo. Martinho Lutero o definiu sucintamente com a expressão latina
incurvatus in se — ou seja, "encurvado em si
mesmo".
O pecado, porém, não implica apenas as
quebras individuais da lei de
Deus — ou da ética cristã. É pior que isso. O pecado é mais profundo. Ele fica
"no coração" — ou na vontade
maligna do homem. É essa tendência da
vontade — ou toda essa
condição — que engendra aquilo que podemos chamar de
pecado real. Assim, do ponto de vista teológico é importante distinguir entre
"pecado" e "pecados". O pecado é tanto um estado como uma
atividade.
O problema de muitas pessoas é que elas não têm
senso de
culpa ou pecado. Talvez acreditem que são razoavelmente morais, ou pelo
menos tão morais quanto seus vizinhos- Foi esse o caso do jovem rico narrado no
Evangelho de São Mateus (19,16-26):
Aí alguém se aproximou dele e disse: "Mestre,
que farei de bom para ter a vida eterna?". Respondeu: "Por que me
perguntas sobre o que é bom? O Bom é um
só. Mas se queres entrar para a Vida, guarda
os mandamentos". Ele perguntou-lhe: "Quais?". Jesus respondeu:
"Estes: Não matarás, não adulterarás, não roubarás, não levantarás falso
testemunho; honra pai e mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo".
Disse-lhe então o moço: "Tudo isso tenho guardado. Que me falta
ainda?". Jesus lhe respondeu: "Se queres ser perfeito, vai, vende
os teus bens e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Depois, vem e
segue-me". O moço, ouvindo essa palavra, saiu pesaroso, pois era possuidor
de muitos bens.
Então Jesus disse aos seus discípulos: "Em
verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no
Reino dos Céus. E vos digo ainda: é
mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus". Ao ouvirem
isso, os discípulos ficaram muito espantados e disseram: "Quem poderá
então salvar-se?". Jesus, fitando-os, disse: "Ao homem isso é
impossível, mas a Deus tudo é possível".
Esse homem era moralmente correto em todos os
aspectos, e o Evangelho de São Marcos diz que Jesus o amou. Mas havia algo que
o
impedia de ter uma relação plena e perfeita com
Jesus, e portanto com Deus. Não era simplesmente o fato de ser muito rico, já que em
Israel se considerava isso uma bênção de Deus, desde que a riqueza não tivesse sido acumulada com a exploração dos
outros. A passagem não diz de que
maneira o homem havia enriquecido, mas
Jesus compara sua riqueza com a pobreza
dos outros. O pecado desse homem rico é
que ele era tão apegado a sua riqueza que na verdade quebrara o
mandamento fundamental de amar a Deus e ao próximo.
PECADO ORIGINAL
A expressão "pecado original" não se
encontra na Bíblia, mas é usada pelos teólogos para descrever o
pecado com que todo ser humano nasce.
Ele significa que cada pessoa tem um
desejo inato de romper com Deus.
A tendência inata de pecar que existe em todas as
pessoas é apenas um aspecto do pecado original. Não é somente o desejo de pecar que
é passado de geração em geração. Igualmente importante
é a idéia de que os resultados do pecado
também são transmitidos. Todos sabemos que as ações das pessoas podem
ter conseqüências para os outros. Isso se aplica ainda às
decisões dos políticos e às descobertas dos cientistas.
O indivíduo moderno não terá dificuldade de atinar
com o termo pecado e a expressão "pecado original". Nos últimos anos,
assistimos a um acúmulo de
armamentos que ameaça
todas as formas de vida na terra.
Em poucas horas, o homem é capaz de
destruir o mundo inteiro. Essa perspectiva catastrófica não é um mero
exemplo do pecado, mas também ilustra que o pecado pode ser um problema
coletivo.
O PROBLEMA DO MAL
Tanto a história da queda do homem (Gênesis 3) como
a doutrina cristã do pecado original levantam a questão: de onde vem o mal? O
primeiro capítulo da Bíblia termina com as palavras: "Deus viu
tudo o que tinha feito: e era muito bom"
(Gênesis 1,31). Porém, logo adiante lemos que Adão e Eva foram expulsos do
paraíso, que a morte fez sua aparição, que a mulher deu à luz com
dor, que Caim assassinou seu irmão e que o mal
aumentou pelo mundo afora. Chega até o ponto em que Deus lamenta a criação
(Gênesis 6,5-8). Ao mesmo tempo, afirmamos que Deus é todo-poderoso. Como se
explica isso? Como Deus pode ser todo-poderoso e infinitamente bom, quando há
tanto sofrimento no mundo? Denominamos esse conflito de "o problema do
mal".
O problema do mal sempre preocupou a humanidade.
Ele ab- sorve vários autores bíblicos, como Jó e o Eclesiastes. Teólogos c
pensadores já o debateram através de toda a história da Igreja. Para muitas
pessoas, esse problema é tão forte que se
transforma na própria questão de saber se é possível
acreditar em Deus ou não. O dilema pode ser
resumido deste modo: se Deus é todo-poderoso, ele não pode ser bom, e se
ele é bom, então não pode ser todo-poderoso.
Tal problema pode parecer insolúvel. Mas o que queremos
dizer com "todo-poderoso"? Se todo-poderoso significa que Deus
é a causa de tudo, tanto a queda do homem do estado de graça como a doutrina
cristã da expiação perdem o sentido. Contudo, a Bíblia não proclama nenhuma
doutrina desse tipo. Do início ao fim, ela fala de uma força no universo que se
opõe a Deus.
A Bíblia afirma que o mal existe de fato no mundo e
que a humanidade tem o mal dentro de si. O homem já causou guerras, inimizades
e sofrimentos na terra. A Bíblia fala de
uma força que se opõe a Deus. Foi o homem que construiu os campos de
concentração, foi o homem que usou
bombas de napalm e bombas de gás em várias guerras. A história da criação fala
metaforicamente da "serpente". Fala das "forças sobre-humanas do
mal", de Satã que, segundo a lenda, tinha sido o mais belo de todos os anjos —
Lúcifer (portador da Luz)
— mas
foi expulso para as regiões infernais por se opor à vontade de Deus. Fala
também de um poder pessoal de oposição a Deus: o diabo.
Então será que Deus não é todo-poderoso, afinal?
Embora
todos experimentemos o mal como parte da existência
humana, o cristianismo sustenta que o mal um dia será vencido. Tampouco é
verdade, como muitos acreditam, que Deus se mostra "mais todo-
poderoso" no Antigo Testamento do que no Novo e depois. Bem ao contrário:
o mal, seja considerado uma força
pessoal ou impessoal,
está presente desde o início. Até mesmo a serpente existia antes da
queda. O cristianismo, porém, prega a esperança de "novos céus
e uma nova terra" quando
"Deus será tudo em tudo". Em certo sentido, podemos dizer que o
aspecto todo-poderoso de Deus — com
referência a seu "poder sem igual" — é algo que será revelado no
futuro.
Mesmo assim, para muitas pessoas o problema do mal
é o motivo principal para negar o
cristianismo. É bem fácil dizer que
algum dia o mal será derrotado. Mas onde
estava Deus em
Auschwitz? Onde estava ele em Hiroshima? Jesus fez a mesma pergunta
quando estava na cruz: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?".
DEUS COMO SALVADOR
Pois Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu
Filho único,
para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha
vida eterna.
João 3,16
O HOMEM DE NAZARÉ
Eu sou a luz do mundo.
Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz
da vida.
João 8,12
Quem foi Jesus?
Talvez ninguém tenha exercido tanta influência na
história mundial como Jesus de Nazaré. A questão de saber quem foi Jesus vem
intrigando a cultura ocidental por 2 mil anos.
Foi ele um visionário religioso? Ou um homem pio
que queria ensinar a seus companheiros como viver? Pode ele ser comparado com
os muitos judeus seus contemporâneos que estavam se apresentando como o
prometido Messias? Ou é ele o Filho de Deus e salvador da humanidade?
Podemos abordar tais questões lendo as narrativas
bíblicas sobre Jesus e estudando a época em que ele viveu. Mas as
respostas que encontraremos serão
baseadas na fé. É a fé na
ressurreição do Filho de Deus que constitui a pedra
fundamental do cristianismo. Contudo, há poucos historiadores modernos que discordam
da afirmação de que Jesus de fato existiu.
Histórias que
foram escritas nos dois primeiros séculos após a morte de Jesus (como as do historiador
judeu Flávio Josefo, e dos historiadores romanos Tácito e Suetônio) contêm
breves comentários sobre ele. Jesus não é um personagem de ficção.
JESUS DE NAZARÉ (C. 6 A.C. - 30 D.C.)
Jesus nasceu antes da morte de Herodes, o Grande,
provavelmente no ano romano de 749. Quando
nosso calendário atual foi introduzido, acreditava-se que
Jesus tinha nascido em 754; temos aí, portanto, uma discrepância cronológica de
pelo menos cinco anos.
Jesus era um judeu, e na época de sua juventude
o reino
judaico estava sob o controle direto de um oficial do Império romano.
Jesus se tornou um profeta itinerante, baseando suas idéias nas escrituras
judaicas. Mas logo ficou claro que ele estava formulando uma doutrina
independente, pois com freqüência dizia coisas como: "Vós aprendestes o
que foi dito a vossos antepassados... Eu, porém,
vos digo...".
No ano 29 ou 30 de nosso calendário, Jesus foi
acusado de blasfêmia por um tribunal religioso judaico. Um alto funcionário
romano, Pôncio Pilatos, atendeu ao apelo dos anciãos judeus e sentenciou Jesus
à morte, executando-o por crucificação. Pilatos o sentenciou por ter se rebelado
contra o Estado romano.
O JESUS DA HISTÓRIA
Em razão de
uma série de discrepâncias entre
os evangelhos, é quase impossível pintar um retrato biográfico
detalhado de Jesus. Os evangelhos nos mostram como a Igreja cristã compreende
Jesus. Os evangelhos estão permeados com a crença de que Jesus é o Messias
prometido pelo Antigo Testamento.
O objetivo dos evangelhos não era a veracidade histórica,
e sim a proclamação de uma
mensagem. O que importa na maneira como eles falam sobre Jesus não é que ele
morreu na cruz, mas por que ele morreu.
E fundamental manter a distinção entre os
evangelhos e a ciência histórica. Os historiadores, empregando métodos
científicos, podem dizer que Jesus foi provavelmente um homem que insistia em
ser investido de autoridade divina, e que mais tarde houve um grupo de pessoas que acreditaram que ele
ressuscitou. Os evangelhos e a Igreja, por sua vez, proclamam que Jesus de fato
tinha autoridade divina e que de fato ressuscitou. Ninguém pode justificar a fé
cristã ou qualquer que seja por meios científicos, nem refutá-la com
base nesses métodos.
O Messias, Filho do Homem, Filho de Deus
E o Verbo se fez carne. João 1,14
O Novo Testamento é pródigo em títulos para Jesus.
Títulos que se originam no judaísmo e na história de Israel, mas encontram um novo significado no cristianismo.
O MESSIAS
A palavra Messias significa, na verdade, "o
ungido", uma referência à maneira como o rei de Israel era ungido com óleos
ao subir ao trono. Portanto, essa palavra inicialmente era um título
majestático. Depois da época dos reis Davi
e Salomão, Israel
entrou em declínio, mas os judeus continuaram a acreditar e a ter
esperança de que algum dia haveria de chegar um novo Messias, um novo rei da
linhagem de Davi.
A tradução grega da palavra Messias é Christos.
Assim, originalmente o nome Jesus Cristo é um
reconhecimento de que Jesus é o prometido Messias. Embora,
segundo os evangelhos, em várias
ocasiões Jesus tenha admitido ser o Messias, há provas de que ele não usava esse título para falar de si
mesmo. Ainda que possa ter aparecido como Messias para seus discípulos, é muito
pouco provável que tivesse se referido a si mesmo dessa maneira em público,
decerto porque não queria ser visto como o libertador político de seu país.
O FILHO DO HOMEM
O título usado com mais freqüência por Jesus era
Filho do Homem. Esse título também é tomado do Antigo Testamento, onde se
referia ao salvador que os judeus esperavam que fosse enviado por Deus. Em oposição à coloração nacionalista e
política do Messias, o Filho do Homem era uma figura celestial que haveria
de chegar "envolto em nuvens do
céu" para salvar os justos. O fato de que Jesus chamasse a si mesmo de
Filho do Homem indica que ele se considerava um ser divino.
Segundo os evangelhos, Jesus relacionava a idéia de
Filho do Homem com as profecias de Isaías sobre o "servo sofredor",
que ao assumir o sofrimento para si, haveria de restaurar o relacionamento
deteriorado entre Javé e seu povo.
O FILHO DE DEUS
Em diversos trechos do Novo Testamento Jesus é
chamado de Filho de Deus. A maneira exata como Jesus considerava esse
relacionamento filial é um tópico muito discutido.
Mas, decerto, tudo indica que Jesus acreditava ter uma associação especial
com Deus. Seu uso da palavra
hebraica aba, ou "pai", não tem
paralelo nos círculos judaicos na época de Jesus.
Jesus se refere a si mesmo como Filho, ou Filho de
Deus, em particular no Evangelho de São João. É bem claro
que aqui esse nome tenciona conotar a unidade entre Jesus
e Deus. Numa passagem Jesus se expressa deste modo:
"Eu e o Pai somos
um" (João 10,30). A idéia é
que Jesus foi enviado ao mundo para revelar Deus aos homens: "Quem me vê,
vê o Pai" (João 14,9).
A pregação de Jesus e a ética cristã
"AGORA MESMO" E "AINDA NÃO"
Segundo o mais antigo dos evangelhos, o de Marcos,
Jesus aparece como um pregador que traz esta mensagem: "Cumpriu-se o tempo
e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho"
(Marcos 1,15).
Assim, a expressão "reino de Deus" deve
ser considerada uma esperança de um futuro reino da salvação. O reino de Deus
começaria no final dos tempos, quando o
Messias chegasse. Alguns o interpretavam como um reino político terreno, tendo
como centro Jerusalém e o povo de Israel. Outros o viam mais como um reino do
além, com vida eterna para os redimidos, o que viria depois de uma catástrofe
global em que todos os poderes iníquos seriam vencidos. Contudo, não havia uma
linha divisória nítida entre os dois modos de pensar. Com freqüência, ambos se
encontram no mesmo grupo.
A afirmação "o Reino de Deus está
próximo" não era original na época de Jesus- Antes dele, João Batista e
vários outros como ele já haviam
pregado a mesma mensagem: este
mundo está caminhando para a
destruição — e Deus assumirá o poder como rei. A idéia radicalmente nova nas prédicas de
Jesus é que a
vinda do reino de Deus estava ligada à pessoa dele.
Jesus não apenas diz que o
reino de Deus virá no futuro imediato (embora diga
isso também), mas era várias
ocasiões ele menciona que o reino de Deus já chegou.
Essa dicotomia na proclamação que faz Jesus
do reino de Deus está ligada à maneira como Jesus via a
si mesmo. Era ele quem haveria de revelar e implementar o reino de Deus. Por
meio de suas prédicas e de suas curas, o reino de Deus já passara a
existir. A nova era — a era messiânica —
já começara.
Ao mesmo tempo, muitas das palavras de Jesus deixam
claro que o reino de Deus é algo que pertence ao futuro. O sucesso final da
vitória de Deus sobre o mal virá quando o Filho do Homem chegar "vindo
sobre as nuvens do céu com poder e grande glória" (Mateus 24,30).
A polaridade entre agora mesmo e ainda não sempre
caracteri- zou o cristianismo e os ensinamentos cristãos. E os caracteriza até
os dias de hoje.
JESUS COMO MESTRE
Jesus era chamado rabi — "mestre" ou
"professor" —, e muitas pessoas do mundo inteiro, cristãs e não
cristãs, se impressionaram com ele como
pregador. Seus ensinamentos podem ser divididos em quatro categorias
diferentes:
* Alguns
estão sob a forma de pequenas máximas.
Muitas destas são paradoxos (isto é, afirmações em aparente
contradição), como: "Pois aquele que quiser salvar a sua vida, vai
perdê-la, mas o que perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la" (Mateus 16,25).
* Uma
parte importante dos ensinamentos de Jesus eram suas muitas conversas com os
discípulos, com homens instruídos ou com outras pessoas que ele encontrava. Já
vimos o exemplo da conversa de Jesus com o jovem rico. {Veja Mateus 19,16-26.)
* Um
terceiro método de instrução eram os freqüentes discursos ou sermões feitos por
Jesus a seus discípulos ou a grupos mais numerosos. Um dos sermões mais longos
e mais significativos foi o que Jesus fez a seus discípulos pouco antes de
ser preso em
Jerusalém. O tema desse sermão foi "a era final" — antes que o
Filho do Homem apareça no Dia do Juízo Final. (Veja Mateus 24 e 25.)
* O
que mais caracterizava os ensinamentos de Jesus era o uso das parábolas. Estas
geralmente estão inseridas em conversas ou pregações mais longas. Uma parábola
é uma comparação ou imagem que serve para exemplificar uma verdade mais
profunda.
As parábolas de Jesus podem ser muito curtas, e
com freqüência tomam de empréstimo
imagens da natureza. Veja, por exemplo, a parábola do Semeador, em Mateus
13,3-9 e 13,18-23. Mas também podem ser longas histórias que desenvolvem temas
tirados da vida diária. Veja a parábola do Filho Pródigo, Lucas 15,11-32, e a
dos Trabalhadores da Vinha, Mateus 20,1-16.
O SERMÃO DA MONTANHA
As diversas parábolas relativas ao reino de Deus
deixam claro que Jesus não o considerava sob uma luz política, diferentemente
de muitos judeus da época. Ele estava expressando algo totalmente distinto do
que era normal em sua época. E por isso que, quando foi interrogado por
Pilatos, ele respondeu que seu reino "não era deste mundo". Isso não
quer dizer que ele dava as costas ao
mundo, e sim que ele vem de Deus e,
portanto, não é deste mundo.
A expressão que traduzimos por "reino de
Deus" significa na verdade "domínio de Deus". Em outras
palavras, o reino de Deus é onde Deus é o senhor — e ali o mal deve
ceder. O sentido disso na prática foi revelado por Jesus em seu Sermão da
Montanha, que descreve a nova vida no reino de Deus.
São características do Sermão da Montanha suas
rigorosas exigências éticas e a insistência básica na caridade. Em oposição
a todos os mandamentos e todas as
interdições tão típicos do judaísmo daquela época, Jesus insistia num amor incondicional
a Deus e ao próximo. Isso não significa que ele "rescindiu" os
velhos mandamentos. Bem ao contrário: ele os enfatizou e ampliou sua validade.
Por exemplo, não é suficiente amar "o próximo". Você deve amar até
mesmo seu inimigo.
Como a linguagem, é tão precisa e
as exigências tão
absolutas, o Sermão da Montanha já foi interpretado de várias maneiras diferentes. Um de seus
aspectos mais debatidos é a
exortação de Jesus para pagar o mal com o bem:
***
Ouvistes que foi dito: Olho por olho e dente por
dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao homem mau; antes, àquele que te
fere na face direita oferece-lhe também a esquerda; e àquele que pleitear
contigo para tomar-te a túnica, deixa-lhe também a veste; e se alguém te obriga a andar uma milha, caminha
com ele duas. Dá ao que te pede e
não voltes as costas ao que te pede emprestado. [Mateus 5,38-42]
***
Muitos acharam
difícil engolir essas e outras palavras
do Sermão da Montanha. Será que na vida prática é possível seguir as
exigências éticas do Sermão da Montanha? E se não for, como devemos interpretá-lo?
***
INTERPRETAÇÕES DO SERMÃO DA MONTANHA
* Desde
os primeiros dias da Igreja, muitos acreditaram que o Sermão da Montanha devia
ser tomado literalmente. Numa dissertação teológica, Albert Schweitzer afirma
que os primeiros cristãos esperavam que Jesus voltaria muito em breve. Para
eles, o Sermão da Montanha funcionava como uma ética provisória enquanto o
aguardavam. Mas, com o passar do tempo, a noção da volta de Jesus se alterou, e
isso levou a outras interpretações da ética do Sermão. Mesmo assim, nos tempos
modernos muitos tomaram ao pé da letra as exigências do Sermão da Montanha. Um
deles foi o escritor russo Leão Tolstoi (1828-1910).
* A
igreja católica romana já declarou que o Sermão da Montanha se dirige sobretudo
àqueles que têm uma vocação — os religiosos, padres, monges, frades e freiras —,
em particular em suas exigências de celibato e pobreza pessoal.
* A
interpretação luterana em geral tem sido que os mandamentos do Sermão da
Montanha são exigências ideais, as quais é impossível seguir neste mundo.
Porém, quando os homens
veem que não conseguem
cumpri-las, compreendem como são incomparavelmente limita' dos em relação a
Deus. Eles são seres pecadores que precisam do perdão e da ajuda de Deus para
poder viver.
Mais recentemente, teólogos luteranos ressaltaram
que o Sermão da Montanha é uma parte da revelação de Jesus sobre a vinda do reino de Deus. A ética do Sermão,
portanto, é algo que o homem pode lutar para alcançar em sua vida pessoal e
comunitária; no entanto, a realização final desses ideais só virá com o
advento do reino de Deus.
* A
teologia protestante desenvolveu outro conceito, baseado na ideia de que o mais
importante é ter boa vontade, ser bem-intencionado nas ações. Essa
interpretação já sofreu pesadas críticas, pois reduz a moral a algo puramente interior.
* Uma
quinta maneira de interpretar é que Jesus queria censurar os fariseus do seu próprio tempo e o
"farisaísmo" de todas as épocas. Isso inclui a auto-indulgência e a
arrogância ocidental dos tempos modernos
.
O MANDAMENTO PRINCIPAL
Um pequeno versículo do Sermão da Montanha se
tornou muito conhecido e é chamado de Regra de Ouro: "Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens
vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas" (Mateus
7,12).
Em todas as pregações de Jesus, a
caridade é proclamada como o mandamento-chave:
"Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Mateus 22,39). Repetidas
vezes se enfatiza que a caridade não
deve ser expressa apenas àqueles de quem se gosta, às pessoas da própria comunidade,
ou àqueles que se encontram em
dificuldades sem ter culpa por
isso. Todas as pessoas devem receber amor —
mesmo as que, segundo a opinião comum, merecem a dureza de seu destino. Como já
foi mencionado, Jesus chega a dizer que
devemos amar nossos inimigos.
É importante ressaltar que amor, no sentido em que
Jesus empregava a palavra, não era principalmente um sentimento ou uma emoção.
Isso está sublinhado em várias passagens
dos ensinamentos de Jesus, talvez
da melhor forma na parábola do Bom Samaritano.
A exortação à caridade deve levar à ação. Desse
mandamento brota uma série de outros valores: fidelidade, compaixão, justiça,
veracidade e honestidade. Mas todos esses são meros ideais abstratos se não os aplicarmos às situações reais em que
nos encontramos.
"TAL COMO FIZ PARA VÓS"
Jesus não apenas proclamou o evangelho do
reino de Deus; ele o pôs em prática. Demonstrou o que
queria dizer com "caridade" em situações reais. Tais ações incluíam
curar os doentes. Os milagres da cura não foram simplesmente uma expressão da
compaixão de Jesus, mas uma prova de que o poder do reino
de Deus estava ativo.
Foi em parte por causa de seu amor incondicional ao
próximo que Jesus entrou em conflito com os escribas e os fariseus.
Atacaram- no por comer juntamente com
"coletores de impostos e
pecadores", por expulsar "demônios" e em especial por
distribuir o "perdão dos pecados". Que direito tinha ele de fazer
isso?, perguntavam.
Jesus defendeu suas ações numa série de parábolas que
criticam diretamente o tipo de religiosidade representada
pelos escribas e fariseus. Estes
acreditavam que a questão era entrar num relacionamento correto com Deus
mediante os esforços da própria pessoa. Aqueles que mantinham a Lei eram o
verdadeiro povo de Deus, ao passo que os que a infringiam, mereciam o castigo
de Deus.
Assim,
misturar-se aos coletores de impostos e aos pecadores era ignorar as exigências
de pureza e de uma vida moral.
E o cumprimento dos muitos mandamentos e das
muitas regras acerca da pureza constituía um pré-requisito
para a vinda do reino de Deus.
Todo tipo de religiosidade autocentrada foi
descartada por Jesus. O homem não pode tornar a si mesmo merecedor da redenção
divina. O amor de Deus oferece perdão e comunhão, sem questionar se o homem de fato os merece.
Uma história do Novo Testamento que comprova como o
próprio Jesus praticava esse amor sem reservas é a do lava-pés. Ao se encontrar
com seus discípulos durante a Última Ceia, Jesus se ajoelhou e lavou-lhes os
pés. Foi um gesto inaudito, pois os servos
é que costumavam fazer tarefas como
essa, e Jesus era o amo e senhor de
seus discípulos.
Essa história confirma que o reino de Deus não é um
mero presente de Deus ao homem, mas uma tarefa que o homem é chamado a realizar. Jesus não viu como seu dever
simplesmente dar aos homens uma imagem melhor de Deus; ele
quis atraí-los para uma comunhão com Deus. O amor de Deus exige que o homem
imite esse amor.
As epístolas de são João também enfatizam a
correlação entre o amor de Deus
pelo homem e o amor dos homens um pelo
outro, o amor fraterno.
Quanto a nós, amemos, porque ele nos amou primeiro.
Se alguém disser:
"Amo a Deus',
mas odeia o seu irmão, é um mentiroso:
pois quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a
quem não vê, não poderá amar. É este o mandamento que dele recebemos: aquele
que ama a Deus,
ame também o
seu irmão.
Primeira Epístola de São João 4,19-21
A doutrina
da Igreja sobre Jesus
E ordenou-nos que proclamássemos ao Povo e déssemos
testemunho de que ele é o juiz dos vivos e dos mortos.
Atos 10,42
AS PRÉDICAS DE
JESUS E A PROCLAMAÇÃO CRISTÃ DE JESUS
Os primeiros cristãos não
continuaram as pregações
de Jesus, mas começaram a proclamar o próprio Jesus.
Isso é evidente nas epístolas que
Paulo escreve para as primeiras
igrejas cristãs, apenas vinte ou trinta anos depois da morte
de Jesus.
Jesus tinha proclamado o evangelho ("a boa
nova") do reino de Deus. Portanto, a boa nova do que Jesus proclama é que
o reino de Deus está próximo. Tanto nos
Atos dos Apóstolos como nas cartas do Novo Testamento, evangelho permanece uma
palavra-chave; porém, nessas alturas, ela assumiu um novo significado. Agora a
boa nova é o Cristo ressuscitado. O evangelho é a própria "experiência de
Cristo", a saber, que Deus enviou seu filho por amor ao ser humano. O que
se destaca é Jesus como salvador e o que isso representa para o homem.
Essa mudança de ênfase não implica nenhuma quebra
nos ensinamentos de Jesus nem em sua visão de
si mesmo e
de seu papel. Como já vimos, Jesus também via seus
ensinamentos como inseparáveis de sua própria pessoa. De acordo com
o Evangelho de São João, ele falou de si mesmo nesta
parábola:
Em verdade, em verdade, vos digo:
Se o grão de trigo que cai na terra não morrer,
permanecerá só;
mas se morrer,
produzirá
muito fruto.
João 12,24
Nos mais antigos ensinamentos cristãos, Jesus
é o
Deus vivo que conquistou a morte
e que em breve irá voltar para julgar
os vivos e os mortos. Os
seguidores de Cristo não viviam apenas com a lembrança do Cristo terreno — ou
"o homem de Nazaré"; viviam sabendo que estavam em comunhão com ele.
O ponto crucial é crer em Jesus como Senhor e salvador:
"Porque, se confessares com tua boca
que Jesus é Senhor e creres em teu coração
que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás
salvo" (Romanos 10,9).
O CREDO
Embora o Novo Testamento inteiro seja um testemunho
cristão, durante os primeiros séculos após a morte de Cristo surgiu a
necessidade de formular um credo mais definido. Isso aconteceu, entre outras
razões, porque naquela época havia uma considerável mistura religiosa
(sincretismo).
Para evitar que o cristianismo ficasse aprisionado
nessa religiosidade híbrida, era crucial para a Igreja determinar
os princípios centrais da fé
cristã. Esse esclarecimento também era necessário para prevenir cisões internas
entre as igrejas locais e comunidades cristãs. Um resumo dos pontos essenciais
da fé se fazia necessário na instrução que a Igreja dava antes do batismo.
Foi assim que passaram a existir os dogmas. A
palavra dogma significa "doutrina", e um dogma cristão estabelece o
que é o ensinamento cristão correto. Gradualmente, os dogmas foram incorporados
a credos mais longos. O mais antigo desses credos cristãos é o Credo dos Apóstolos, que em sua
forma inicial data da Igreja de Roma, século III de nossa era.
Mais tarde o dogma cristão também foi formulado no Credo do Concilio de Nicéia
(século IV) e no Credo de Santo Atanásio (século v). Apesar de haver variações
na adoção de credos na Igreja primitiva, o Credo de Nicéia é utilizado por
todas as principais igrejas cristãs.
VERDADEIRO DEUS E VERDADEIRO HOMEM
O dogma sobre Jesus afirma que ele era Deus e
homem. Assim, Cristo não é apenas filho de Deus; ele é o próprio Deus. O Credo
atanasiano afirma: "Pois a fé correta é que nós acreditamos e confessamos:
que Nosso Senhor Jesus Cristo, o filho de Deus, é Deus e homem [....] Deus perfeito e homem
perfeito".
Como era possível que "o homem de Nazaré"
fosse Deus? Esse foi o ponto central
discutido durante as disputas dogmáticas dos primeiros séculos do cristianismo.
O fato de que Jesus era um
homem é claramente
ilustrado nas descrições que temos dele nos quatro evangelhos. Aí
podemos ler sobre toda uma gama de emoções
humanas. Jesus era
capaz de sentir alegria e tristeza; podia ser terno e
compassivo, mas também severo e reprovador. Ele sofria tentações como qualquer
outro ser humano e durante suas últimas horas de vida travou uma batalha
interna contra o medo da morte. Essa batalha foi tão árdua que lhe trouxe o
mais profundo desespero por ter sido abandonado por Deus. Na teologia de Paulo,
a humanidade de Jesus também recebe forte ênfase.
Por outro lado, Jesus expressou a unidade
entre Deus e ele em
várias ocasiões. "Eu e o pai somos um", disse ele (João 10,30), e
"Quem me vê, vê o Pai" (João 14,9). No início de seu
evangelho (1,14), João afirma:
"E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós", o que significa que Deus se tornou homem.
A teologia cristã
chama a isso de encarnação
(assumir a carne humana, um corpo).
Um ponto muito discutido na Igreja dos primeiros
séculos foi exatamente como compreender e explicar a encarnação. Algumas
pessoas destacavam o lado humano de Jesus; outras, o lado divino.
Cada um desses pontos de vista se esquiva de
um dos princípios fundamentais do cristianismo, isto
é, que Deus se tornou homem. Jesus não era uma pessoa dupla, mas
"verdadeiro Deus e verdadeiro homem" ao mesmo tempo.
Salvação — expiação, libertação e cura
E para a liberdade que Cristo nos libertou.
Galatas 5,1
O cristianismo proclama que Deus se tornou homem.
Isso significa que Deus intervém ativamente na batalha entre o bem e o mal
no mundo. Ele repara o dano causado ao relacionamento entre os homens, e entre
Deus e os homens. O homem é libertado de seus grilhões e curado daquilo que o
aflige. Portanto, o sofrimento, a morte
e a ressurreição de Jesus dá ao cristão uma nova vida, uma vida
eterna.
EXPIAÇÃO
A cruz é o símbolo mais importante do cristianismo.
Os quatro evangelhos dão grande peso aos acontecimentos dos dias imediatamente
anteriores e posteriores à morte de Jesus. A teologia de Paulo também se
concentra na crucificação e ressurreição de Jesus. É o Jesus crucificado que é
o redentor dos seres humanos.
Assim, que significado tem para a fé cristã o
sofrimento, a morte e a ressurreição de Jesus?
Já vimos como o pecado destrói o relacionamento do
homem com Deus; vimos que surgiu uma inimizade entre o homem e Deus. O
cristianismo ensina que o Jesus inocente assumiu para si a culpa do mundo e
sofreu a punição que caberia à humanidade.
Ele sofre e
morre no lugar do homem. Os cristãos chamam a isso de sofrimento
vicário. Por meio dele, Deus se reconcilia com o mundo, e o contato do homem
com Deus é restabelecido.
Paulo enfatiza que a expiação de Jesus é um
presente para a humanidade, embora esta não o
merecesse. Em oposição
às normas do pensamento judaico,
ele destaca que o próprio homem não pode fazer nada para se reconciliar com
Deus. A reconciliação vem apenas da mão de Deus, isto é, da parte isenta de
culpa. A expiação de Cristo — o fato de que ele deu sua vida pelos homens
pecadores — é, portanto, um ato de compaixão. Poderíamos dizer que Deus tempera
a justiça com a graça. A compaixão também era um axioma nas pregações de Jesus
— por exemplo, na parábola do Filho Pródigo.
Para Paulo, era fundamental estabelecer que de modo
algum o homem pode se tornar merecedor da graça; ele não tem nenhum direito à
justiça diante de Deus. Porém, quando o homem recebe a mercê de Deus, ele é
absolvido. Deus "absolve os culpados", como diz Paulo. Isso tem o
mesmo significado que o perdão dos pecados. Logo, a doutrina de que o homem é
absolvido sem merecer é essencial para os ensinamentos de Jesus.
Deus venceu a morte e o mal por meio da ressurreição
de Jesus. A humanidade recebeu
uma nova chance, uma nova
esperança. A ressurreição é o ponto mais fundamental do
cristianismo; e, assim, a Páscoa é o ponto alto do ano eclesiástico. Paulo resume: "E, se
Cristo não ressuscitou, vazia
é a nossa pregação, vazia também é a vossa
fé" (lCoríntios 15,14).
SALVAÇÃO
A palavra usada no Novo Testamento para
"salvo" é um verbo grego que significa "redimido",
"preservado" ou "curado".
Um conceito básico do cristianismo é que o homem
não pode salvar a si mesmo. A salvação é dada livremente ao homem se ele
acreditar em Cristo e em sua expiação. "Pela graça fostes salvos, por meio
da fé, e isso não vem de vós, é o dom de Deus", diz Paulo à Igreja de
Éfeso (Efésios 2,8).
É apenas por meio da fé em Jesus que o homem
pode ser salvo. Esse pensamento é um tema recorrente
nas epístolas de Paulo. Também Jesus acentua a importância da fé para a
salvação. "Tua fé te salvou", disse ele em várias ocasiões. Mas a fé
não é igualmente uma conquista? Não, segundo o Novo Testamento. A fé é um dom
de Deus. Ao enfatizar a importância da fé para a salvação, Paulo não está falando
de "ortodoxia". A fé tem mais
a ver com o coração do que com a cabeça.
Hoje em dia, muitas pessoas interpretariam o verbo crer como "ter uma
convicção" ou "achar que algo é verdade". Em termos cristãos, é
mais correto falar em "confiança" ou "fidelidade". A
palavra latina para "fé" {fides) significa justamente isso.
SALVAÇÃO — DO QUÊ?
Do que o homem deve ser salvo? A Bíblia indica que a
salvação significa se libertar do poder que o pecado exerce sobre o homem. É
comum que os sentimentos de culpa venham após o pecado.
Hoje em dia, tanto o pecado como a culpa muitas
vezes são vistos como algo social ou coletivo e não individual. Mas até isso é
uma ideia bíblica: não é apenas como indivíduos que somos culpados aos olhos de
Deus. Nós pertencemos a uma humanidade culpada.
Atualmente diversas pessoas se preocupam mais com o
vazio e a falta de sentido da
existência do que com o pecado e a culpa. Palavras como alienação e ansiedade e
a expressão "falta de raízes" descrevem o destino de muitos hoje.
Sentimentos de carência e insignificância costumam. vir junto com pensamentos
sobre a morte. A angústia pela vida é,
na realidade, uma angústia pela
morte, segundo boa parte dos
psicólogos. Através de toda a história do cristianismo, com freqüência a
salvação foi interpretada como salvação
da nossa mortalidade.
SALVAÇÃO —
PARA QUÊ?
Outra
palavra para "salvação" é liberdade. "Se, pois, o Filho vos libertar, sereis, realmente, livres",
disse Jesus (João 8,36). "E para a liberdade que Cristo nos
libertou", escreve Paulo em sua epístola aos Gaiatas (Gaiatas 5,1).
"Não sou, porventura, livre?", exclama ele em outro trecho
(ICoríntios 9,1). E, em sua epístola aos romanos, Paulo escreve que Cristo o
libertou da lei do pecado e da morte (Romanos 8,2).
E um conceito bíblico que a vida na terra tem valor
intrínseco.
Portanto, em toda a Bíblia, a morte é vista como
algo negativo. Paulo chama a morte de "o último inimigo". E é a
vitória de Jesus sobre a morte, com sua ressurreição, que forma a base para a
esperança cristã na vida eterna. É com esse pensamento que
Paulo exclama triunfante:
A morte foi absorvida na vitória. Morte, onde está
a tua vitória? Morte, onde está o teu aguilhão?
ICoríntios 15,55
A ESPERANÇA CRISTÃ
A esperança cristã anseia por uma época em que tudo
o que tiver permanecido imperfeito será substituído pela soberania
absoluta e in-conteste do amor de
Deus. O
cristianismo ensina que uma
nova época surgiu com a vitória de Jesus sobre as forças destrutivas da existência. Apesar de Deus ter tido uma
vitória decisiva, não é ainda a vitória final. Esta pertencerá a
Jesus, quando ele retornar no final da história.
Os ensinamentos de Jesus deixam
claro que sua
referência ao reino de Deus significa mais que a mera salvação
individual. A esperança cristã não tem apenas um aspecto pessoal. Tem também o
aspecto social ou coletivo; em outras palavras, seu objetivo é uma nova fraternidade
humana, uma nova ordem social ou um novo mundo. A esperança cristã abrange
ainda um aspecto cósmico: haverá "um novo céu e uma nova terra".
O Juízo FINAL
Quem deverá compartilhar da salvação cristã? O Novo
Testamento contém dois grupos principais de afirmações a respeito do reino de Deus.
Por um lado, há a severa advertência de que a
passagem para a vida se faz por uma "porta estreita". Para poder
viver no novo reino, o homem deve "negar a si mesmo" e se voltar para
Deus. Deus não raro dá ao indivíduo uma escolha, e é preciso força de vontade
para sacrificar o obstáculo para uma verdadeira comunhão com Deus.
Aqui não se trata simplesmente de se
livrar do egoísmo de uma vez
por todas, mas também de escolher uma vida de
obediência, humildade e amor. Não só a porta é estreita, o caminho
também.
Junto a essas advertências há outras que retratam
o reino
como um presente, um dom. Alguns versículos do Sermão da Montanha deixam
claro que a porta estreita não deixa de ser uma "porta aberta". O
mesmo se encontra nas mensagens que
afirmam que o reino de Deus
pertence às crianças e no convite a todos aqueles que estão "carregando um
pesado fardo". Essa é uma referência às pessoas que sentem que não merecem
e às que estão abertas para
Deus, aceitam seu presente sem reservas e sem pensar em suas
próprias realizações.
Algumas passagens dos evangelhos apontam para
a vinda
de um "Dia do Senhor" ou
"Dia do Juízo", quando
todos serão julgados por suas ações. Uma
dessas passagens é a grande
cena do julgamento do Evangelho
de São Mateus:
***
Quando o Filho do Homem vier em sua glória, e todos
os anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória. E serão reunidas
em sua presença todas as nações e ele separará os homens uns dos outros, como o
pastor separa as ovelhas dos cabritos, e porá as ovelhas à sua direita e os
cabritos à sua esquerda. Então dirá o rei aos que estiverem à sua direita:
"Vinde, benditos de meu Pai, recebei por herança o Reino preparado
para vós desde a fundação do mundo. Pois tive fome e me destes de comer. Tive
sede e me destes de beber. Era
forasteiro e me recolhestes. Estive nu e me
vestistes, doente e me visitastes, preso e viestes ver-me".
Então os justos lhe responderão: Senhor, quando foi que te vimos com fome e te
alimentamos, com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos forasteiro e
te recolhemos ou nu e te vestimos? Quando
foi que te vimos doente ou preso e fomos te ver? Ao
que lhes responderá o rei: "Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a
um desses meus irmãos mais pequeninos, a
mim o fizestes". Em seguida, dirá aos que
estiverem à sua esquerda: "Apartai- vos de mim, malditos, para o fogo
eterno preparado para o diabo e para os seus anjos. Porque tive fome
e não me destes de comer. Tive sede e não me destes de beber. Fui forasteiro
e não
me recolhestes. Estive nu e não me vestistes, doente e preso, e não me visitastes". Então também eles
responderão: "Senhor, quando é que te vimos com fome ou com sede,
forasteiro ou nu, doente ou preso e não te servimos?". E ele responderá
com estas palavras: "Em verdade vos digo: todas as vezes que o deixastes
de fazer a um desses pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer". E
irão estes para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna.
[Mateus 25,31-46]
***
É essencial nesse texto bíblico o aspecto
inexorável do julgamento de Deus acerca dos homens. Deus envia o homem à salvação
eterna ou à danação eterna. Essa passagem também enfatiza que o fator decisivo são os atos do homem.
Encontramos tal pensamento mais uma vez nas epístolas do Novo Testamento: "O
que o homem semear, isso colherá [...]
Não desanimemos na prática do bem, pois, se não desfalecermos, a seu tempo colheremos" (Gaiatas 6,7 e 6,9).
Contudo, em outros trechos fica claro que o
julgamento se baseará na atitude que o homem assumiu para com Jesus Cristo. Como já vimos, também é um princípio
básico da teologia cristã que o homem não pode merecer a salvação por causa de
suas boas ações; portanto, o significado das ações já foi visto como uma
expressão de uma atitude para com Cristo, e não como uma realização moral
externa. Ou, como diz Tiago em sua epístola: "Com efeito, como o
corpo sem o sopro da vida é morto, assim também é morta a fé sem obras"
(Tiago 2,26).
Um fator comum aos ensinamentos do Novo Testamento
sobre o juízo é a idéia de que o homem vive sob perpétua responsabilidade. O julgamento revela a injustiça do homem e
lida com as coisas que são contrárias ao amor de Deus. Mais do que tudo, é a
aceitação ou rejeição, pelo homem, de Cristo e do
oferecimento de salvação de
Deus que irão determinar seu destino no Dia do Juízo.
A doutrina religiosa sobre as "últimas
coisas" é conhecida como escatologia. O Evangelho de
São João é um tanto insólito em sua "escatologia dos dias presentes".
De acordo com ele, o julgamento está acontecendo aqui e agora, e a vida eterna
é oferecida a
este mundo no encontro com
Cristo:
Em verdade, era verdade, vos digo :
quem escuta a minha palavra e crê naquele que me
enviou tem a vida eterna
e não vem a
julgamento, mas passou da morte à
vida.
João 5,24
PERDIÇÃO
Através da história da Igreja, já existiram várias
opiniões sobre juízo, salvação e perdição, e continuam a existir entre os
cristãos de hoje. De modo geral, há três visões bem diferentes:
*
Apenas uns poucos serão salvos; os outros terão a condenação eterna (ou pelo
fogo do inferno ou pela ausência de Deus).
* Apenas
alguns serão salvos; outros morrerão "a outra morte", ou seja, serão
aniquilados para sempre.
* Toda
a humanidade será salva. No Dia do Juízo todos os vivos e os mortos se
ajoelharão diante do Senhor, e Deus será "todas as coisas para todos os
homens".
Esses pontos
de vista —- todos os três — fundamentam-se em passagens das escrituras.
Convém aqui introduzir um conceito que já ocasionou
muita controvérsia e debate: a ideia de inferno. Durante a Idade Média,
faziam-se descrições especialmente vividas dos tormentos do inferno, porém as
origens desse conceito se encontram no antigo Israel. A palavra nórdica Helviti
(punição da deusa da morte), da qual deriva a palavra inglesa hell (inferno), é
uma tradução da palavra Gehenna (Geena) do Novo Testamento, que significa em
hebraico "Vale de Hinom". Esse vale, ao sul
de Jerusalém, era notório pela
idolatria. Na época de
Jesus o nome
Geena decerto lembrava as
chamas eternas do castigo.
Com base nas
citações do Novo
Testamento, é impossível dizer se
esse fogo é uma tortura eterna
ou o esquecimento, a anulação. Há também uma
distinção entre o inferno e o Hades, o
reino dos mortos, onde as almas ficam até o Dia do Juízo.
O Espírito
Santo e a Igreja cristã
Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai
enviará em meu nome, vos ensinará tudoe vos recordará tudo o que eu vos disse.
João 14,26
O PODER DE DEUS — o ESPÍRITO SANTO
E intrínseco ao cristianismo que Jesus está vivo e
sua obra é continuada pelo Espírito Santo.
Em todo o Novo Testamento, Jesus é descrito como
um homem distinto do Pai. Por
exemplo, diz-se várias vezes
que ele orou a Deus. 0 espírito de Deus
— ou Espírito Santo — ocasionalmente também é
descrito como uma força pessoal. E, em algumas passagens, o Pai, o Filho e o Espírito Santo se
transformam numa fórmula. Paulo termina sua segunda epístola à Igreja de
Corinto com esta saudação: "A
graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo
estejam com todos vós!".
Será que a
doutrina da Trindade significa
que o cristianismo não é
uma religião monoteísta? A Bíblia
não contém nenhuma doutrina satisfatória
sobre o relacionamento entre
o Pai, o
Filho e o Espírito Santo, mas, no decorrer dos
séculos IV e V d.C, desenvolveu- se a doutrina trinitária. Segundo esta, Deus
são três "pessoas" numa única divindade. O sentido de pessoa não era
"indivíduo", como hoje. Persona quer dizer "máscara", ou
"papel", e deriva do teatro clássico, no qual um mesmo ator usava
máscaras para representar diferentes
papéis.
O Espírito Santo é o Espírito de Deus. No primeiro
capítulo da Bíblia, o Espírito de Deus é descrito como a força criativa e doadora
de vida. Porém, no Novo Testamento, o Espírito Santo passa a ser
associado a Cristo, e quando os primeiros autores cristãos descrevem sua vida
religiosa, dizem com freqüência "uma vida no Espírito
Santo", assim como "uma vida em Cristo".
No segundo capítulo dos Atos dos Apóstolos, há uma
descrição do modo como os apóstolos receberam o Espírito Santo. Os seguidores
de Jesus haviam se reunido após sua morte para
celebrar o Pentecostes, quando Deus enviou o Espírito.
Considera-se esse o momento inicial da Igreja cristã, e suas atividades
religiosas mais importantes são descritas no mesmo capítulo: "Eles
mostravam-se assíduos ao ensinamento dos apóstolos, à comunhão
fraterna, à fração do pão e às orações".
OS SACRAMENTOS
O amor e a proximidade de Deus se evidenciam
não apenas por meio de suas
palavras, mas também sob a
forma de atos sagrados, os sacramentos.
A palavra latina sacramento não é mencionada na
Bíblia; significa "uma maneira de tornar sagrado", isto é, de
fortalecer os laços entre Deus e o homem. Trata-se de um oferecimento palpável,
feito por Deus, de uma proximidade com o homem.
O termo sacramento pode, em princípio, aplicar-se a
uma série de ações que reforçam a comunhão com Deus. A Igreja
católica romana reconhece sete sacramentos. Dois têm significado
especial e são vistos como sacramentos também na Igreja protestante: o batismo e a eucaristia, ambos utilizados
como sinais externos,
visíveis, e ambos instituídos por Jesus.
BATISMO
O próprio Jesus instituiu o batismo, segundo
Mateus, juntamente com seu "mandamento missionário" no Dia da
Ascensão. Desde os primeiros dias do cristianismo, o batismo foi o
passaporte para entrar na comunidade cristã; é um ato de iniciação.
Jesus permitiu que João Batista o batizasse e assim iniciou sua missão.
Porém, um cristão considera esse sacramento mais
do que apenas uma entrada para a Igreja. Mediante o
batismo, Deus concede a salvação e o perdão ao homem. O homem morre, é
ressuscitado com Cristo e assume seu lugar na comunidade de Deus.
Também é comum na linguagem cristã se referir ao
batismo como "novo nascimento".
O batismo não pode ser separado da Palavra de Deus.
Não é um ritual mágico que tem um poder
intrínseco. "Sem a Palavra de Deus, a água é apenas água e não um
batismo", disse Lutero.
Esse sacramento também não pode ser divorciado da
fé. Aqui está o germe do antigo debate sobre batismo de crianças versus batismo
de adultos. Os que apóiam o batismo dos
adultos acreditam que a fé pressupõe uma conversão pessoal, uma escolha,
e que o batismo é um ato de confissão e obediência. Os que favorecem o batismo de crianças afirmam que é apenas
pela graça e pelo amor de Deus que somos salvos, os esforços do próprio homem
não significam nada. Portanto, as crianças, bem como os adultos, podem ser admitidas no reino de Deus por meio do
batismo. Isso não impede que a pessoa batizada assuma uma fé pessoal mais
tarde.
EUCARISTIA
Eucaristia é uma palavra grega que significa
"dar graças", e se refere à ceia que Jesus compartilhou com seus
discípulos mais próximos antes de ser executado.
Os ingredientes básicos da ceia foram pão e vinho.
São essas as coisas que Jesus escolheu
para demonstrar o significado de seu ministério. Ele se ofereceu a si mesmo, em
carne e sangue, para que o homem pudesse ser perdoado pelo rompimento de sua
relação com Deus. "E tomou um pão, deu graças, partiu e distribuiu-o a
eles, dizendo: 'Isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em minha
memória'."
Até mais do que o batismo, a eucaristia vem sendo
motivo de discordância e conflito; as várias igrejas já ressaltaram diferentes
aspectos desse sacramento. Eis alguns dos temas da eucaristia:
* O
tema da comunidade. Jesus instituiu uma maneira de fortalecer
o companheirismo, tanto a comunhão com Deus como a amizade entre os que compartilham aquela
ceia. Em algumas igrejas a eucaristia é conhecida como comunhão. A eucaristia
antecipa a realização do reino de Deus.
* O
tema da lembrança. Este oferece a justificação
histórica e chama a atenção para
aquilo que Deus fez pelo homem por meio da vida e do ministério de Jesus.
* O
tema da confissão. A eucaristia é uma confissão de fé em Deus e no homem. Isso
é especialmente verdade onde ela já não é um costume social.
* O
tema da força. Por meio da eucaristia, Deus perdoa o pecado, e concede nova
força e nova vida. Jesus doa a si mesmo por meio do pão e do vinho.
* O
tema do agradecimento. A eucaristia é um presente, e um sentimento de gratidão
c alegria caracteriza sua celebração, até mesmo nos primeiros tempos do
cristianismo.
* O
tema do sacrifício. Na Igreja católica romana, a eucaristia também é
considerada uma reatualização do sacrifício de Jesus no Calvário. Na Igreja
católica, a eucaristia é igualmente conhecida como "sacrifício da
missa".
ORAÇÃO
A associação do Espírito Santo com o ser humano não
se liga apenas à anunciação e aos sacramentos. A oração é outro meio pelo qual
o cristão entra em contato com Deus.
Segundo os evangelhos, Jesus orou muitas
vezes, sobretudo em eventos importantes. Ele ensinou seus
discípulos a orar, e o Novo Testamento é repleto de exortações à oração. A oração
sempre foi uma pedra fundamental
na história da Igreja, tanto nos serviços religiosos como na vida do indivíduo
cristão.
A oração é o homem falando com Deus. Ela assume
uma relação eu-tu, ou nós-tu; em
outras palavras, um
vínculo pessoal com Deus. Deus é
o criador e um juiz exaltado, mas ele também é alguém que o homem pode chamar
de "pai".
Para que orar? Essa é uma pergunta que todo
cristão fará a si
mesmo mais cedo ou mais tarde, quando não receber uma resposta positiva a uma
oração.
"Pede e receberás", disse Jesus, mas
ele também ensinou
seus discípulos a dizer: "Seja feita a tua vontade". Na polaridade
entre esses dois sentimentos reside a compreensão cristã da oração. Podemos
orar a Deus por qualquer coisa, mas Deus não pode ser forçado ou coagido como
acontece nas práticas mágicas. "O objeto da oração não é conseguir a
realização de nossos desejos egoístas, mas a realização da vontade de
Deus" (E. Thestrup Pedersen).
O SIGNIFICADO DA ORAÇÃO
A oração mais comum expressa um desejo,
um anseio de algo. O pai-nosso é um bom exemplo da
amplitude dos desejos, desde o
palpável "pão nosso de cada dia" até "livrai-nos do mal".
Uma intercessão é uma oração por
outras pessoas. Contraria o
egocentrismo quem reza pela família, por amigos e conhecidos. Mas ela também
transcende esses limites. Jesus exortou as pessoas a "orar por seus
perseguidores" e na cruz ele orou: "Pai, perdoai-os, pois eles não
sabem o que fazem".
Uma oração de agradecimento é oferecida em gratidão
pelo recebimento de uma graça. Um bom exemplo é a história narrada em Lucas
17,11-19: conta que Jesus curou dez leprosos
e apenas um
voltou para lhe agradecer.
Essas orações também são ditas para agradecer
coisas pelas quais a pessoa não rezou; presentes que a pessoa sente que Deus
concedeu apenas por amor: saúde, amigos, e assim por diante. A gratidão muitas
vezes se transforma em louvor. Esse é um dos tipos mais comuns de oração no
Novo Testamento. Paulo com freqüência inicia suas epístolas com expressões de
agradecimento e louvor.
A oração e o louvor eram importantes nos serviços
litúrgicos desde a aurora do cristianismo, e se tornaram parte inerente da liturgia da Igreja. A oração desse tipo é
chamada de fixa ou litúrgica. Por outro lado, existe também a oração
espontânea, na qual o indivíduo pode usar suas próprias palavras e
expressões.
Pode-se orar só ou em companhia de outras pessoas,
durante um serviço religioso. O Novo Testamento relata que os apóstolos
se reuniam para fazer orações em comum (Atos 2,42). O conselho de Jesus para que se entrasse num quarto isolado
para orar era
sobretudo uma advertência para não se alardear os sentimentos religiosos
por meio da oração (Mateus 6,5-6).
O cristianismo não exige nenhuma atitude física
especial para a oração. A pessoa
pode se ajoelhar, ficar de pé,
abaixar a cabeça, entrelaçar as
mãos ou erguê-las para o céu. Nenhum desses gestos expressa mais religiosidade
do que o outro, e o próprio fiel decide qual atitude deseja adotar.
A IGREJA É A COMUNHÃO CRISTÃ
Pouco depois da morte de Jesus, as pessoas se
reuniram para ouvir a história de sua vida e de seus milagres. As primeiras
congregações cristãs foram assim formadas, e podemos ver no Novo Testamento que
existia um grau extraordinário de
amor e boa vontade entre os membros desses pequenos
grupos.
São essas as sementes do que hoje se chama Igreja.
Porém, não há regras no Novo Testamento sobre a maneira como uma igreja deve
ser formada; existe apenas a noção de Igreja.
A IGREJA É DE DEUS
Para compreender a noção de Igreja, devemos
considerar o modo como Jesus via a si
mesmo. Ele se identificava como o rei prometido, o Messias. E um rei deve ter
um povo. Dizendo "Sigam-me" ele estabeleceu os fundamentos da Igreja.
A Igreja é, portanto, a comunhão de todos os que seguem esse chamado.
A própria palavra igreja está relacionada com o
termo grego kiriaké — ou seja, a casa de Kyrios, o Senhor. Equivale à palavra
ekklesia, usada no Novo Testamento para designar "as pessoas chamadas e
reunidas (para o serviço divino)", a assembléia, a congregação.
Em consequência, os cristãos não creem que sua
Igreja passou a existir porque certas
pessoas formaram uma organização, e sim
porque um espírito divino passou a se mover entre os homens. O
Pentecostes, quando Jesus enviou seu Espírito para guiar a humanidade, costuma
ser considerado o aniversário da Igreja.
A palavra igreja, portanto, está associada à
comunhão com Cristo e ao companheirismo entre os adeptos. Mas é também o
nome do edifício onde as pessoas se
congregam para a adoração.
Numa miríade de imagens, o Novo Testamento explica aspectos importantes da igreja, ou do
povo de Cristo. A comunidade ou congregação
pode ser comparada com uma casa, um
vinhedo ou um organismo vivo.
Pode-se pensar em igreja como algo ao mesmo tempo visível e invisível. A igreja
é uma comunidade espiritual, é a fé da congregação cristã e nesse sentido é
algo invisível. Mas é também um lugar onde se proclama o evangelho e se
administram os sacramentos — algo visível. A Igreja é uma reunião não apenas de
sacerdotes, pregadores e funcionários da igreja, mas de todos os que acreditam
em Jesus Cristo.
A difusão do
cristianismo
OS PRIMEIROS CRISTÃOS
Segundo disse Jesus, os doze apóstolos formaram o
núcleo do novo reino de Deus que estava para vir. Pedro foi a figura principal
entre eles. Outra figura importante foi Tiago, irmão de Jesus.
A primeira congregação cristã foi constituída por
judeus. Eles obedeciam à Lei de Moisés, participavam dos serviços no Templo e
na sinagoga, e de um modo geral viviam como judeus piedosos. Sua
crença de que Jesus de Nazaré era o prometido Messias os
diferenciava dos outros judeus. Eles foram considerados uma seita
judaica separada e chamados de nazarenos, para se distinguirem dos saduceus e
fariseus. No início não havia um grande abismo entre o cristianismo e o
judaísmo.
De importância decisiva para a contínua
difusão do cristianismo foi a conversão
do fariseu Saulo (Paulo), por volta de 32d.C. Não
é exagero dizer que os muitos anos de ministério de Paulo transformaram o
cristianismo numa religião mundial. Sua
contribuição se deu em dois níveis: em primeiro lugar, ele viajou
intensamente pelo mundo greco-romano e proclamou o evangelho de Cristo entre os
não-judeus. Em segundo lugar,
estabeleceu as fundações da
teologia cristã em suas várias epístolas às novas igrejas. Nas epístolas de Paulo o
cristianismo é tratado como uma religião independente, e Jesus Cristo, como o
salvador de todos os humanos.
Uma questão fundamental na Igreja primitiva foi a
relação en- tre os cristãos judeus e os cristãos gentios (isto é, cristãos não
judeus).
Estariam os cristãos gentios sujeitos a Lei de
Moisés? Deveriam eles, por exemplo, ser circuncidados antes de se tornar
cristãos? Nas primeiras décadas após a morte de Cristo, muitos líderes cristãos
de Jerusalém, incluindo o irmão de Jesus, Tiago, acreditavam que sim. Paulo,
porém, tinha um ponto de vista diferente. Ele viajara entre os
"gentios" e vira como eles adotavam a fé de Cristo sem ter um
conhecimento íntimo do judaísmo.
Uma só
Igreja — muitas comunidades religiosas
O cristianismo hoje está dividido em muitas
comunidades eclesiásticas, com diferentes organizações, doutrinas, ordens
e atitudes sociais.
Podemos
dizer que a Igreja permaneceu única e indivisa até 1054, quando se dividiu em
duas, católica romana e ortodoxa. No século XVI ocorreu a Reforma protestante,
quando diversas comunidades da Igreja se levantaram em protesto contra certos
aspectos da doutrina e da prática da Igreja católica. Foram
elas a Igreja anglicana, a reformada e a luterana.
Depois disso surgiram novas igrejas, destacando
diferentes aspectos do evangelho cristão. Estas incluíam: os calvinistas, os
presbiterianos, os metodistas, os batistas, os quakers (ou quacres), os
pietistas etc.
Como a Bíblia não contém nenhum princípio claro de rientação sobre
a organização eclesiástica, cada
comunidade da Igreja escolheu
uma forma própria de se organizar. Há igrejas que dão uma ênfase particular à
instituição em si; outras consideram mais importante a comunhão dos indivíduos
que compartilham experiências religiosas uniformes e opiniões
semelhantes sobre questões morais e
religiosas. Expressões como "Igreja
do povo", "Igreja livre" e "Igreja do
Estado" também descrevem diferentes formas de organização.
Essa multiplicidade de
formas surge, em
parte, de visões distintas a respeito de
alguns aspectos da mensagem da
Bíblia e, em parte, das condições históricas e culturais nas quais elas
foram constituídas. Do mesmo modo, condições étnicas, psicológicas,
sociológicas e geográficas desempenharam um papel nas cisões da Igreja.
Apesar de todos os contrastes, porém, a maioria das
comunidades cristas têm um fundamento comum, que é a Bíblia. Além disso, a
maioria aceita um — ou mais — dos credos que foram formulados nos antigos
sínodos, o Credo niceno, o Credo atanasiano e
o Credo dos apóstolos.
O MUNDO CRISTÃO
Em parte por causa do lugar importante que
as missões tiveram no
cristianismo, este se tornou a mais difundida de todas as religiões. Hoje há
três ramos principais na Igreja, cada um
concentrado numa área geográfica diferente. Primeiro, a Igreja católica romana,
que é majoritária no Sul da Europa e na
América Latina, e tem grandes minorias nos Estados Unidos e
na África; em
seguida vem a Igreja ortodoxa,
centrada na Grécia e na Europa Oriental, e por fim as igrejas protestantes,
localizadas sobretudo no Norte da Europa, nos Estados Unidos e na Austrália.
DIFERENTES TIPOS DE COMUNIDADES DA IGREJA
Com base na doutrina das diversas igrejas acerca de
questões religiosas fundamentais, podemos categorizar as diferentes comunidades
cristãs ou confissões (da palavra latina confessio).
* Podemos
discernir duas alas: uma tradicional e rica em
formalidade, e outra que dispensou ou perdeu grande parte de suas
tradições eclesiásticas antigas ou medievais. Podemos chamá-las de ala católica
e ala protestante.
Feita essa distinção, podemos dizer que a Igreja
católica romana fica no extremo de uma ala, enquanto os batistas ficam
na extremidade da outra. Entre as duas estão o anglicanismo, o luteranismo e o
metodismo.
* Outro
tipo de divisão se apoia no significado do batismo. Uma Igreja que baseia a
admissão de seus membros no batismo de crianças é intrinsecamente aberta e
inclusiva. Ela deseja abranger a
todos, e tem sacramentos, clérigos e serviços divinos
que são caracterizados em maior ou menor grau pela liturgia.
As igrejas que não praticam o batismo de crianças
são por natureza excludentes e se destinam apenas aos que creem. Tornar-se
membro delas depende de uma filiação voluntária e, com freqüência, de um ato de
confissão, do batismo na idade adulta ou de um testemunho pessoal.
Uma Igreja desse tipo geralmente não tem
sacramentos nem sacerdócio.
* A
terceira maneira de categorizar se fundamenta naquilo que cada Igreja mais
enfatiza, por exemplo, a organização {constituição da Igreja), a doutrina, os
serviços divinos. O luteranismo é particularmente pegado à doutrina, a Igreja
católica romana destaca a constituição a Igreja, ao passo que o serviço
litúrgico é o ponto focai da Igreja ortodoxa.
A Igreja
católica romana
ABRANGÊNCIA
A Igreja católica romana é a maior de todas as
igrejas. Existem cerca de 1 bilhão de cristãos no mundo. Aproximadamente metade
deles pertence ao catolicismo.
ORGANIZAÇÃO
Uma das organizações mundiais mais fortes e mais
rigidamente estruturadas, a Igreja católica é governada por leis estabelecidas
com precisão. Sua hierarquia, composta pelo papa, pelos bispos e padres, possui
grande autoridade sobre a camada inferior, os leigos.
O PAPA
A posição proeminente do papa como líder de todos
os fiéis se baseia no fato de que ele é o sucessor do apóstolo Pedro.
As palavras de Jesus a Pedro: "E sobre esta
pedra edificarei a minha igreja" foram gravadas em ouro no domo da
catedral de São Pedro em Roma.
Em 1870, foi proclamado o dogma da infalibilidade
do papa em questões de fé. Em tais casos — na prática aconteceu apenas duas
vezes —, diz-se que o papa fala ex cathedra, isto é, de cadeira. Isso não significa
que o papa
esteja isento de
pecado; ele também
deve se confessar regularmente. Tampouco
ele pode introduzir
uma nova doutrina. Mas ele tem a
autoridade para decidir se algum assunto está em conformidade com a Bíblia e
com a tradição eclesiástica. Ele não toma essas decisões sozinho, e sim junto
com os bispos. O papa é igualmente um bispo, o bispo de Roma. Em tempos antigos
ele tinha grande poder temporal bem como espiritual e no decorrer da história já houve muitos conflitos agudos entre a
Igreja e o Estado. O papa continua sendo o chefe de um pequeno Estado, o
Vaticano, que tem sua própria moeda,
polícia, estação de rádio, seu próprio correio
e corpo diplomático.
BISPOS E PADRES
Assim como o papa é o sucessor de são Pedro, os
bispos seguem as pegadas dos apóstolos. Desde o tempo dos primeiros apóstolos,
novos líderes clericais foram ordenados pela imposição das mãos, e essa tradição (a sucessão apostólica)
perdura até hoje.
Uma das funções mais importantes de um bispo é
ordenar padres em sua diocese. A principal tarefa de um padre é dirigir sua
paróquia ou comunidade, pela pregação e pelo serviço divino, sobretudo pela
administração dos sacramentos. Embora a
participação ativa dos leigos na Igreja católica romana tenha aumentado em anos
recentes, os padres ainda
ocupam uma posição de maior autoridade nesta igreja do
que nas outras. Antes de mais nada, os padres têm autorização especial para
pregar a Palavra e administrar os sacramentos (considerados manifestações
visíveis da graça de Deus). Os padres são investidos dessa autorização
quando seus bispos os ordenam
(sacramento da ordem).
Como vemos, a organização estrita da Igreja
católica não é coincidência. Ela é vista como algo iniciado pelo próprio Jesus
e como uma expressão visível do reino de Deus aqui na terra.
Os padres devem dedicar sua vida
a Deus, à Igreja e à humanidade. Por
essa razão, não podem se casar e constituir família (celibato).
As mulheres não têm permissão de exercer o
sacerdócio na Igreja católica. Hoje, é um assunto em
discussão, principalmente nos Estados Unidos, e já se ressaltou que não existe
qualquer fundamento bíblico para tal proibição, apenas razões culturais e
tradicionais.
A IGREJA ÚNICA, SANTA, CATÓLICA, APOSTÓLICA
Os católicos ensinam que a
Igreja tem quatro características que também
distinguiram a primeira Igreja cristã.
* Ela
é una. Fiéis à Palavra de Jesus acerca da unidade, os apóstolos se esforçaram
para garantir que todos os cristãos aprendessem a mesma fé e a mesma maneira de
viver uma vida cristã. A expressão "Igreja una" significa ainda que
existe apenas uma única e verdadeira Igreja , e não várias.
* Ela
é santa. O catecismo católico diz: "A Igreja é santa porque ensina uma doutrina santa e oferece a todos
os meios para a santidade, sacramentos".
* Ela
é católica. Isso quer dizer que ela é universal, mundial, para todos. Os
primeiros cristãos atenderam o pedido de Jesus para levar o evangelho a todas
as pessoas, e a Igreja continua enviando
missões para o mundo inteiro.
* Ela é apostólica. Ela é comandada por pessoas
que são
os sucessores dos apóstolos, permanecendo fiéis a doutrina deles.
OS FUNDAMENTOS: A BIBLIA E A TRADIÇÃO
Naturalmente, é na Bíblia que a Igreja católica
baseia, em grande medida, sua vida e seu
dogma. Porém, a Bíblia é vista à luz da Tradição, isto é, da doutrina e dos
costumes que foram transmitidos pela Igreja desde a época dos apóstolos.
Evidentemente, a Tradição não é a transferência mecânica do
legado oral deixado pelos
apóstolos, e sim o desenvolvimento constante do potencial que existe no
evangelho. Com a ajuda do Espírito Santo, a Igreja será capaz de compreender e
revelar a mensagem de Deus de maneira
cada vez mais clara. Mas o que quer que se entenda por
"Tradição", há uma crença católica comum que diz que apenas a Igreja,
e não o crente como indivíduo, pode definir o que é Tradição.
Com base nisso é possível compreender as palavras
do catecismo católico: "Esta
transmissão viva realizada no Espírito Santo
é chamada de Tradição, uma vez que é distinta das
Escrituras Sagradas, embora intimamente ligada a elas. Através da
Tradição, a Igreja, em sua doutrina, em sua vida e sua adoração perpétua,
transmite a cada geração tudo aquilo que ela é, tudo em que ela acredita".
A noção
católica de salvação
A Igreja católica mantém uma série de doutrinas
importantes em comum com outras igrejas cristãs. Das escrituras fundamentais,
as principais são a Bíblia e os três Credos antigos. Examinaremos agora dois
aspectos nos quais a visão católica difere da visão das outras igrejas: a
salvação e os sacramentos.
SALVAÇÃO
O ponto de partida é a visão católica de
humanidade: o homem foi criado à imagem de Deus, e portanto tem uma
alma eterna e o livre-arbítrio. O
homem abusou de seu livre-arbítrio desobedecendo a Deus, e sua vontade o pôs no
caminho errado, um caminho que o afasta de Deus e da vontade de Deus. Essa
queda do estado de graça perseguiu o homem desde então, sob a forma de pecado original. O livre-arbítrio foi
reduzido, mas continua existindo. Depois da queda, o homem conservou a capacidade
de fazer boas ações, e estas são um pré-requisito para obter a salvação.
Mas o
homem não pode redimir a si mesmo.
É por meio de Cristo que o homem pode ser salvo —
por meio da vida de Cristo, com sua
obediência a Deus, por meio de sua expiação, seu sacrifício na cruz e sua
ressurreição.
Deus, porém, não impõe sua redenção ao homem. O
homem deve aceitar a salvação acreditando na Palavra de Deus como é
pregada peta Igreja. A salvação é vista como uma
ação conjunta entre Deus e o homem. Tanto a fé como a salvação
pressupõem a graça de Deus. Os sacramentos transmitem essa
graça. Deles os católicos recebem a
força para viver de acordo com a vontade de Deus. Mas a redenção final vem
apenas após a morte. Esta vida terrena é só uma preparação para ela.
OS SETE SACRAMENTOS
Os sacramentos são os sinais visíveis de
que Deus concede sua graça aos humanos. Normalmente
quem os administra é um bispo ou um padre. Devem ser recebidos "com
merecimento" (exceto o batismo de crianças), isto é, na fé e na vontade de
amar a Deus e a seus semelhantes. A Igreja católica tem sete
sacramentos.
1. Batismo.
A Igreja católica romana batiza as criancinhas. O batismo é o sacramento
básico: por meio dele a criança entra para a Igreja e recebe a graça abençoada.
2. Confirmação,
ou crisma. Costuma ser
administrada por um bispo quando a pessoa tem por volta de
doze anos e já recebeu uma instrução completa na doutrina da Igreja. A
cerimônia da confirmação é realizada em geral perto de Pentecostes. O clímax é
a unção com óleo.
3. A
eucaristia. E uma parte do serviço divino e consiste em pão e vinho, mas por
motivos práticos era comum até recentemente que os comungantes recebessem
apenas o pão consagrado, ou hóstia. Hoje é cada vez. mais comum que elas
recebam também o vinho. Quando o padre lê as palavras iniciais da eucaristia,
faz isso em nome de Jesus, como se o próprio Jesus estivesse presente. A Igreja
católica afirma que o pão e o vinho se transformam realmente no sangue e no corpo de Jesus Cristo, e que, portanto,
este se encontra em íntima proximidade de nós na eucaristia. A aparência, o
odor, e o sabor do pão e do vinho
permanecem iguais, mas aquilo que os filósofos denominam "substância"
se altera. Essa doutrina é conhecida como transubstanciação {ou seja,
"alteração da substância").
A cerimônia da eucaristia
proporciona aos crentes a participação no sacrifício de Jesus no Gólgota.
Trata-se da cerimônia de um sacrifício, no qual Cristo é oferecido em expiação
a Deus pelos pecados. Por essa razão a eucaristia também é chamada de
sacrifício da missa. Os que tomam parte nessa cerimônia recebem a remissão de
seus pecados em conseqüência da morte sacrificial de Jesus.
Outro termo para "eucaristia" — comunhão
— expressa mais um aspecto importante
desse sacramento: a união da comunidade reunida
para uma refeição comum.
As hóstias consagradas que costumam restar após a
eucaristia são guardadas num recipiente especial, o
tabernáculo, junto ao
qual se acende uma lâmpada
vermelha. Os fiéis se ajoelham e reverenciam seu conteúdo como se fosse o
Cristo vivo em forma de hóstia. Uma vez por
ano, na festa de Corpus Christi, a hóstia é levada solenemente em procissão
pelas ruas.
4. Penitência.
O sacramento da penitência consiste em confissão, absolvição e atos de
contrição.
Na confissão os pecados são relatados a um padre,
que concede o perdão (absolvição) ao contrito. Isto não significa que seja o
padre quem o está perdoando; ele simplesmente lhe transmite o perdão de Deus.
Para que esse sacramento seja válido, o penitente deve sentir remorso e
intenção sincera de não voltar a cometer o pecado. O padre estipula atos de
contrição, que em épocas antigas eram muito severos. Hoje, incluem orações,
jejum ou esmolas por caridade.
5. Unção
dos enfermos, O padre unge a pessoa doente na testa e nas mãos enquanto diz:
"Que o Senhor te assista pela graça do Espírito Santo, para que sejas
libertado de teus pecados. Que, em sua bondade, ele possa te salvar e te
levantar".
A unção se destina a dar aos doentes força
espiritual e consolo durante a enfermidade. Só são ungidos os que estão
gravemente doentes ou muito fracos. Antes, chamava-se esse sacramento
de "extrema-unção", pois era ministrado sobretudo aos moribundos.
6. Ordem.
Ordenação para o
status clerical. A ordenação dos
padres ê realizada por um bispo, utilizando-se de orações e da imposição
das mãos. Ela concede o direito
de administrar os
sacramentos da Igreja. A instituição do sacerdócio, segundo os
ensinamentos católicos, deveu- se
à instituição da eucaristia.
7. Matrimônio.
Aqui o elemento crucial não é a
bênção do padre,
mas os votos mútuos que fazem o noivo e a noiva na presença de
um sacerdote e de testemunhas. Os
católicos consideram o matrimônio indissolúvel e não reconhecem o divórcio.
Porém, quando não são seguidos os
critérios para um casamento adequado, pode-se anulá-lo. Uma encíclica papal de
1968 desencorajou o uso de anticoncepcionais artificiais, mas essa orientação não obteve
aceitação universal na Igreja católica. O uso dos anticoncepcionais em geral é
determinado por considerações culturais.
Sacramentais é o nome dado aos meios adotados pela
Igreja de implorar pelas bênçãos de Deus. Podem ser símbolos, cerimônias ou
objetos consagrados que despertam a devoção no fiel, por exemplo: abençoar um
doente ou uma criança; rosários, crucifixos e medalhas; água (água benta),
cinzas (na Quarta-Feira de Cinzas), folhas de palmeira (no Domingo de Ramos),
velas (no dia 2 de fevereiro) e fogo (véspera da Páscoa).
Diferentemente dos sacramentos, os sacramentais não
foram introduzidos por Jesus, e sim pela Igreja. Além disso, não se tornam
efetivos em virtude de um poder divino inato, como ocorre com os sacramentos,
mas graças às orações coletivas e particulares dos fiéis.
A MISSA
O serviço divino desempenha um papel fundamental na
Igreja católica romana. Segundo o catecismo católico, o fiel deve assistir à
missa todo domingo. Além da missa, há outros tipos de serviço, como as horas canônicas, assim chamadas porque
desde os tempos mais antigos sempre foram pronunciadas em horários determinados
do dia. É particularmente nos mosteiros que se faz esse
tipo de oração, a qual é dita como uma
antífona (com perguntas e respostas), às vezes pelo padre e pela congregação,
mas com mais freqüência pelos monges, padres, freiras etc. entre si. Em geral
se compõe de salmos de Davi, hinos e trechos da Bíblia.
A missa solene costuma ser celebrada no domingo de
manhã, e começa com a entrada do padre e dos coroinhas em procissão. As
partes da missa correspondem, usualmente, às do serviço luterano:
confissão dos pecados, glória (Glória a Deus nas alturas), o sermão, o Credo e
o clímax, que é a eucaristia. O padre
e suas ações no altar são o ponto focai para a assembléia;
isso, porém, não significa que ela seja passiva. Os fiéis participam cantando,
ajoelham-se, fazem o sinal-da- cruz e são atingidos pelo apelo sensorial
abrangente das cerimônias simbólicas: a água benta, o incenso, o beijo da paz,
as cores litúrgicas, a música.
Características
distintivas: o povo de Deus, a Virgem Maria e os santos
Os católicos acreditam que "o povo de
Deus", a grande comunidade de todos os crentes, a "comunhão dos
santos", inclui não apenas os vivos, mas também os mortos, isto é, os que
sofrem no purgatório e os bem-aventurados no céu.
A doutrina de que os mortos são purificados no
purgatório antes de ser salvos tem
raízes na Igreja antiga. Baseada em certas passagens bíblicas, afirma que as
almas destinadas à
bem- aventurança mas que não
estavam inteiramente puras quando
deixaram a terra, devem passar por um fogo purificador.
Esse fogo não deve ser compreendido literalmente, e
sim como uma purificação espiritual. Os crentes na terra podem abreviar o
tempo passado pelos mortos no purgatório dizendo orações que intercedem
por eles. Os mortos são lembrados num dia
especial do ano, chamado Dia de
Finados (dia 2 de novembro, um dia depois do
Dia de Todos os Santos).
Os crentes dirigem suas orações pelas almas não só
a Cristo, mas também à Virgem Maria e
aos santos, já que estes estiveram especialmente próximos a Cristo. Isso
explica o importante papel que os santos desempenharam na Igreja católica. Os
crentes os honram e reverenciam, e oram por sua intercessão, porém não os
adoram.
Imagens e estátuas da Virgem Maria e do Menino
Jesus se encontram por toda parte em países católicos — nas igrejas, nas
paredes das casas, à beira das estradas. Depois do pai-nosso, a oração
mais comum é a ave-maria:
Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco,
bendita sois vós entre as mulheres, bendito é o
fruto do vosso ventre, Jesus. Santa Maria, mãe de Deus,
rogai por nós, pecadores,
agora e na
hora da nossa morte,
amém.
Em épocas recentes o lugar da Virgem Maria na
doutrina da Igreja vem se definindo com mais precisão. Durante os últimos 150 anos, os papas anunciaram que ela é livre
de pecado original (Imaculada
Conceição), e que seu corpo e sua alma foram levados para o céu (Assunção). Essa doutrina dos católicos
romanos se baseia
numa tradição cristã muito antiga.
Os santos são pessoas que dedicaram a vida a
honrar a Deus de maneira excepcional, por exemplo, morrendo
como mártires ou fazendo milagres. Até o ano de 1172, os bispos podiam
decidir se alguém deveria ser canonizado; mas a partir
de então o papa
é o único que tem autoridade para isso. A
canonização só ocorre
depois de longas e exaustivas investigações sobre a vida do indivíduo
que irá recebê-la. Há igrejas e capelas que levam o nome de santos. Desde
épocas medievais várias profissões têm seu
santo padroeiro, e cada
dia do ano leva o nome de um dos santos do dia, geralmente com um nome
dominante.
MOSTEIROS E ORDENS
O sistema monástico se desenvolveu há muito tempo
na antiga Igreja, com base na vida dos eremitas. Há inumeráveis ordens de
monges e de freiras, todas com regras diferentes. Algumas são introspectivas e
dão grande importância à oração e à meditação;
outras têm interesse especial em pregar e participar de debates públicos; outras realizam trabalho missionário;
outras, ainda, dedicam a vida a
servir na área social. São comuns a todas elas três exigências básicas que
devem ser cumpridas durante toda a vida, a saber, os votos de pobreza, celibato
e obediência aos superiores da ordem.
Renovação católica
— o concilio do Vaticano
Desde a década de 1960 a Igreja católica vem passando por
uma vibrante renovação. O papa João XXIII foi, em parte, o inspirador
desse movimento, quando em 1962 organizou um encontro geral dos bispos, ou
concilio, no Vaticano.
Uma das decisões cruciais ali tomadas foi que os
serviços não mais deveriam ser realizados em latim, mas na língua do país onde
fossem celebrados.
Além disso, houve um apelo para que se lesse a
Bíblia, de preferência numa tradução moderna, e foram organizados grupos de
estudos bíblicos para os leigos. Depois da Reforma protestante, a Igreja havia
cessado de incentivar a leitura da Bíblia entre
os leigos, temendo que isso pudesse levar a ensinamentos
errôneos e a tendências heréticas.
O relacionamento da Igreja católica com outras
igrejas também vem se modificando durante os últimos anos. Ela não rejeita mais
o contato com as outras, tomando parte em muitas atividades ecumênicas. A
Igreja católica não é membro do Conselho Mundial de Igrejas, mas envia
observadores a suas assembleias. Ela vem participando de numerosos diálogos com
outras igrejas e religiões acerca de
questões humanas comuns como o casamento, a migração de trabalhadores, o contraste entre países
ricos e países pobres.
A Igreja ortodoxa
ABRANGÊNCIA
A Igreja ortodoxa costuma ser conhecida também como
Igreja ortodoxa oriental, já que tinha sua sede no Oriente Médio, por oposição
à Igreja ocidental, cujo centro era em Roma.
A Igreja ortodoxa se difundiu a partir de Jerusalém
e Istambul (Constantinopla) pela Bulgária, Romênia,
Grécia e Rússia, onde hoje tem seu baluarte. Além disso, há em torno de 5
milhões de ortodoxos nos Estados Unidos, resultado da imigração da Europa
Oriental. Em razão das condições políticas, não se sabe com exatidão o número
de pessoas que pertencem atualmente à fé
ortodoxa, mas se estima que os fiéis
totalizem cerca de 150 milhões.
ORGANIZAÇÃO ECLESIÁSTICA
Desde o início houve diferenças e desacordos entre
a Igreja ocidental, de fala latina, e as igrejas orientais, que não queriam
reconhecer a supremacia do papa. O rompimento com Roma acabou ocorrendo em
1054. As igrejas ortodoxas não têm nenhum chefe ou liderança em comum; são
autônomas e independentes. Cada uma
delas é dirigida por um patriarca.
Na Grécia, onde toda a população adota a fé
ortodoxa, ela se tornou a Igreja estatal. Na Finlândia, país que conta com 75
mil cristãos ortodoxos, ela também é Igreja estatal, juntamente com a luterana.
Por causa de seus fortes laços com o regime
czarista, a Igreja ortodoxa russa foi muito perseguida depois da Revolução de
1917.
O sacerdócio é composto de diáconos, padres,
bispos, arcebispos, metropolitas e patriarcas. O celibato é obrigatório apenas
para os bispos, não para os padres —
embora o casamento deva ocorrer antes da
ordenação. A Igreja ortodoxa tem claustros
e monges, mas não possui ordens separadas,
independentes, como a Igreja católica. Cada claustro tem sua própria ordem e
está sob a jurisdição do bispo local.
OS FUNDAMENTOS: A BÍBLIA E A TRADIÇÃO
O fundamento da doutrina ortodoxa é a Tradição,
conforme revelada na Bíblia e nos pronunciamentos dos primeiros sete concílios
ecumênicos {de 325 a 789). O mais importante de todos é o Credo niceno — a mais alta expressão da fé
ortodoxa.
Para a Igreja ortodoxa, porém, a Tradição não é
simplesmente um conjunto de doutrinas, mas, em suas próprias palavras, "a corrente
viva que flui através do passado e do presente da Igreja, sempre pulsando e sempre se renovando".
A NOÇÃO CATÓLICO-ORIENTAL DE SALVAÇÃO
A Igreja ortodoxa costuma ser chamada de Igreja da
Ressurreição, em virtude de sua ênfase na ressurreição de Cristo. O fundamental
é que Cristo, ao mesmo tempo plenamente humano e totalmente divino, traz a
salvação com sua vitória sobre a
morte. Essa vitória transformou a
natureza do homem em algo celestial. A ideia de que o homem é destinado à
divindade, destinado a ser preenchido pela presença de Deus, tem um lugar
importante na doutrina dessas igrejas.
Isso começou quando Cristo desceu à terra
e "tornou-se homem para que
nós possamos nos tornar divinos"
(Atanásio, c. 300).
OS SACRAMENTOS
Existem sete sacramentos, mas tudo o que a Igreja faz
é considerado sacramentai. O batismo de crianças é muito difundido e com
freqüência imediatamente seguido da
santa crisma (confirmação). Por esse motivo as crianças
também participam da eucaristia. É ortodoxa a crença de que o pão e o
vinho se transformam no sangue e
no corpo de Cristo pelo poder do Espírito Santo.
O Juízo FINAL
Quanto ao Juízo Final, geralmente se faz uma
distinção entre os salvos e os condenados; porém, muitos fiéis ortodoxos se
afastaram da doutrina da perdição eterna. Eles seguem a indicação de um antigo
padre da Igreja, Orígenes, que falou da "redenção de todas as coisas"
(apocatástase), ou seja: todas as pessoas serão salvas no final, até mesmo Satã
e seus anjos. Essa doutrina foi criticada num concilio da Igreja em 553, mas,
trazida novamente à tona por vários teólogos ortodoxos contemporâneos, não foi
tachada de herética pela Igreja.
SERVIÇO DIVINO
A fim de compreender o serviço, é necessário
primeiro nos familiarizarmos com o próprio edifício da Igreja, que é construído
como o Templo de Salomão, em Jerusalém.
Entra-se primeiro num vestíbulo, que contém a pia batismal, símbolo de que o
ingresso na Igreja se faz mediante o
batismo.
Em seguida vem a nave, onde a congregação se posta
durante o serviço. Oculto atrás de um biombo fica o santuário, que
corresponde ao Santo dos Santos no
Templo judaico do Antigo Testamento. Apenas o padre tem permissão de
entrar nesse santuário,
mas quando as portas estão
abertas a congregação pode ver
o que acontece ali.
O biombo se chama iconostas (parede de imagens),
porque é coberto de pinturas religiosas, ou ícones, tão característicos da
Igreja ortodoxa. São imagens de Jesus, da Virgem Maria e dos apóstolos, santos
e anjos. O fiel ortodoxo acredita que Deus se revela por meio
dos ícones. Essas imagens, que também se encontram nos lares, são usadas
na meditação.
O serviço ortodoxo já impressionou muita gente
com sua
beleza. Há procissões com luzes e incenso; velas são acesas e apagadas;
as pessoas se ajoelham e beijam os ícones. A música, em sua maior parte, é cantada por um coro, sem
acompanhamento instrumental, que utiliza
uma forma arcaica da linguagem vernácula.
O mais
importante, porém, não são esses aspectos externos, e
sim o que eles representam. O serviço é uma reafirmação simbólica de toda a história da salvação, desde a
criação, passando pela natividade e pela
morte de Jesus, até sua ressurreição.
O dia da igreja começa às seis da tarde e é
preenchido pelo ciclo do serviço
divino: serviço da noite, serviço da manhã e liturgia (missa). No início do
serviço da noite, a criação do mundo
é simbolizada quando o padre
entra na nave inteiramente iluminada, com
o acompanhamento de trechos dos
Salmos de Davi. Quando ele se retira e
fecha a porta do iconostas, as luzes
se apagam, como
símbolo da queda do homem e da porta fechada do paraíso.
Mais tarde, a volta do padre, que,
junto com seus
assistentes, caminha pela nave com velas e incenso, no início da
liturgia, simboliza que Cristo nasceu e está iluminando o caminho para o homem.
O clímax da liturgia é a eucaristia. Primeiro o pão
e o vinho são consagrados no
santuário, e o padre e o diácono recebem o sacramento no altar. Abre-se então a
Porta Real, o par central de portas duplas no iconostas. A congregação avança e
fica em pé para receber o corpo e o sangue de Cristo.
Por causa da ênfase que a Igreja ortodoxa dá à
ressurreição de Cristo, seu serviço anual mais relevante é o que se
realiza na noite do domingo de Páscoa.
A importância do serviço divino está ligada à
compreensão da fé, uma compreensão baseada sobretudo no Evangelho de
São João. A fé não nasce da especulação nem do estudo,
mas da imersão no grande mistério da cristandade. E isso se encontra em
primeiro lugar no serviço ortodoxo.
A Reforma
protestante
No século XVI uma grande revolução eclesiástica
ocorreu na Europa Ocidental, levando a mudanças consideráveis na esfera religiosa que, durante todo o período
medieval, estivera sob o
domínio da Igreja católica. Essa revolução nas mentalidades teve tanto causas políticas como religiosas.
Muitos monarcas estavam insatisfeitos com o enorme poder que o papa exercia no
mundo, ao mesmo tempo que muitos teólogos criticavam a doutrina e as práticas
da Igreja, sua atitude para com a fé e seu feitio organizacional. Ideias e
razões distintas deram origem a diversas comunidades eclesiais novas.
* Na
Inglaterra, o rei Henrique VIU rompeu com o papa porque este se negou a lhe dar
permissão para que se divorciasse, O rei se tornou, então, chefe da Igreja da
Inglaterra. Não houve cisma, mas a Igreja da Inglaterra aos poucos foi adotando
várias das ideias da Reforma. Hoje, o
anglicanismo é uma Igreja que engloba diferentes tendências e até mesmo
seitas, algumas com uma noção quase católica do serviço divino e outras que se
baseiam mais no puritanismo e nos novos movimentos e surtos de reavivamento.
* Foi
um monge alemão, Martinho Lutero, o maior responsável por esse conflito
teológico. Ele deu forte destaque à fé e à palavra (a Bíblia), como os
elementos mais significativos. Diversos príncipes eleitores, nobres governantes
alemães, insatisfeitos com o poder do papa, apoiaram Lutero e transformaram as
igrejas de seus próprios domínios em igrejas estatais, partindo do princípio de
que a religião do eleitor também era a de seus súditos.
* Os
reformadores suíços Calvino e Zuínglio defendiam um rompimento mais radical com
o catolicismo. Davam menos valor ao batismo e à eucaristia do que os católicos
e os luteranos, mas julgavam vital mexer
na organização da Igreja. Queriam seguir aquilo que consideravam os preceitos
do Novo Testamento. A Igreja é dirigida por representantes eleitos que,
juntamente com os ministros, constituem a Assembléia Gerai.
Esta é conhecida como presbitério (da palavra grega que significa
"conselho de anciãos"), e por isso a Igreja reformada é chamada
presbiteriana. Essa Igreja logo se tornou a principal seita protestante em
países cujos soberanos não
instituíram o cristianismo como religião do Estado; por exemplo, Holanda, Suíça
e Escócia.
A Igreja
luterana
ABRANGÊNCIA
O fundador da Igreja luterana, Martinho Lutero
(1483-1546), era alemão, e hoje, na Alemanha, a Igreja luterana é a mais
importante, ao lado do catolicismo romano. É apenas nos países escandinavos que
predomina o luteranismo (mais de 90% da população). Quando imigraram para os Estados Unidos, os
escandinavos e alemães difundiram sua fé, e atualmente, com 6 milhões de
adeptos, os luteranos constituem a quarta maior comunidade eclesiástica dos
Estados Unidos. O trabalho missionário dos luteranos durante os últimos 150
anos também estabeleceu muitas igrejas missionárias no mundo todo; a maior delas
é a Igreja batak, na Indonésia. A Noruega tem duas igrejas luteranas: a Igreja
da Noruega e a Igreja luterana evangélica livre.
ORGANIZAÇÃO
"A Igreja é a assembléia de santos na qual o
evangelho é ensinado de maneira pura e os sacramentos administrados de maneira
correta."
Essa definição luterana da Igreja dá mais ênfase à
missão da Igreja do que a sua organização prática.
A Igreja de Cristo é invisível e pode facilmente
incluir pessoas de várias igrejas. O que
é crucial não é a união de pessoas que compartilham as mesmas opiniões, e sim o
fato de que o
próprio Cristo fala e age
utilizando as palavras e o sacramento que
ele instituiu. Assim, o serviço divino é o verdadeiro eixo da Igreja.
Um ministro luterano não ocupa a mesma posição
especial em relação aos leigos que seu correspondente católico. Lutero
distinguiu entre o sacerdócio universal e o ministério clerical especializado.
O sacerdócio universal significa que, mediante o
batismo e a fé, cada cristão se torna seu próprio sacerdote, não precisando,
portanto, de nenhum intermediário quando se aproxima de Deus em suas orações.
O ministério clerical é muito diferente. Foi
estabelecido por Deus a fim de pregar o evangelho e administrar os
sacramentos. A ordenação não concede ao sacerdote nenhum
atributo especial. Ele é um cristão comum que recebeu uma posição especial
dentro da Igreja.
MULHERES PASTORAS
O sacerdócio ministerial nas igrejas protestantes
foi exclusivamente masculino até o século XX. Certas igrejas luteranas alemãs
empregaram pastores do sexo feminino desde a
década de 1920. Na Suécia, a
proibição constitucional do sacerdócio feminino foi abolida em 1945, na
Dinamarca em 1947 e na Noruega já em 1938, mas
com a restrição de que uma mulher não deveria ser
nomeada se a congregação se opusesse a
isso por princípio. Essa cláusula foi
anulada em 1956.
AS MULHERES NA VIDA PAROQUIAL
As mulheres sempre foram importantes na vida
oficial da Igreja e em muitas organizações voluntárias, como, por exemplo, as sociedades
missionárias. Entretanto, o papel por elas desempenhado tem sido secundário. Os
homens vêm ocupando as posições de
liderança e em certas organizações apenas eles ainda têm permissão de assumir
cargos administrativos e também de pregar. Isso se deve ao sistema patriarcal
que impregnou a Igreja até agora. Muitas vezes, cita- se Paulo quando se quer
falar na subserviência das mulheres aos homens (Efésios 5,22-24; Colossenses
3,18).
IGREJA ESTATAL
Desde o início, no século XVI, as igrejas luteranas
foram instituições estatais. O chefe da Igreja era o próprio soberano, que
nomeava os funcionários para administrá-la. As principais características desse
sistema sobrevivem até hoje em algumas igrejas; por exemplo, na Noruega.
Contudo, na Alemanha a Igreja e o
Estado se separaram em 1919, e
nos Estados Unidos as igrejas luteranas sempre foram independentes, assim como
todas as outras comunidades religiosas. Na Noruega é o rei — na
realidade, o governo — quem tem autoridade suprema sobre a
Igreja e nomeia os padres e os bispos. Em épocas mais recentes o Conselho
Episcopal, os capítulos diocesanos e o sínodo receberam maior autonomia, sobretudo
em assuntos práticos. Por exemplo, o direito de nomear padres deve ser dado à
Igreja, não ao governo.
OS FUNDAMENTOS: SÓ A BÍBLIA
Enquanto o fundamento da Igreja católica é a Bíblia
mais a Tradição, o princípio luterano é que a autoridade deriva apenas da
Bíblia. Lutero se rebelou contra diversos preceitos na Igreja católica porque
sua consciência o forçou a isso. Ele acreditava que sua consciência estava
sendo guiada pela Palavra de Deus, isto é, pela
Bíblia.
Até mesmo Lutero sabia que não bastava simplesmente
se referir à Bíblia, pois as pessoas a
interpretam de diferentes maneiras. Ele acreditava que era essencial estudá-la
profundamente em suas línguas originais, hebraico e grego, e isso continua
fazendo parte do treinamento dos pastores luteranos.
Tal estudo irá revelar a essência e o cerne do
cristianismo: a salvação pela fé em Cristo. Tudo o mais na Bíblia deve ser
visto à luz desse princípio orientador. Portanto, não basta basear um dogma ou
uma prática eclesiástica em uma ou duas passagens das escrituras; é preciso que
estejam em harmonia com o princípio central. Outra implicação disso é que nem
todas as partes da Bíblia são igualmente significativas.
Depois de certo tempo os líderes da Igreja tentaram
formular as doutrinas mais relevantes,
apoiando-as nesse princípio luterano fundamental. Isso resultou numa série de
confissões que resumem a doutrina luterana. A principal delas foi a Confissão
de Augsburgo (Augustana).
A NOÇÃO LUTERANA DE SALVAÇÃO: "SOLA FIDE"
O artigo mais importante da Augustana diz:
"Nossa Igreja também ensina que os homens não podem se justificar perante
Deus pela sua própria força, seus méritos ou suas obras, mas são plenamente justificados pelo amor de Cristo
por meio da fé, quando crêem".
Isso resume o princípio luterano básico da salvação
ou justificação só pela fé.
O homem é pecador e por si mesmo não pode se
libertar do pecado. O fato de praticar boas ações e seguir os ensinamentos da
Igreja não o torna digno da salvação.
Por causa de seu pecado o homem merece punição,
mas o Deus de bondade retira o castigo, absolve o homem.
É o que quer dizer a palavra
justificar. Isso acontece porque Cristo toma para si todos os pecados do homem e sofre em seu lugar.
Nesse caso, Deus está amorosamente oferecendo a
salvação que o homem pode aceitar
por meio da fé. Mas mesmo a fé não
é uma conquista; não basta
simplesmente aceitar um conjunto de doutrinas. Deve-se acreditar na graça de
Deus, na compaixão divina.
OS SACRAMENTOS
Segundo os ensinamentos luteranos, um
sacramento é "um
ato constituído por Cristo, no qual Deus, por meio de um sinal visível,
concede uma graça invisível". A justaposição de "palavras a
sacramento" é comum na Igreja luterana, para sublinhar que ambos são
fundamentais para a Igreja e para o indivíduo. A Igreja luterana reconhece dois
sacramentos: o batismo e a eucaristia.
* Batismo.
O batismo leva o indivíduo à comunhão com Deus, torna- o um "filho de
Deus". Diferentemente de outros reformadores, Lutero manteve o batismo de
crianças, porque ele realça a ideia de
que Deus está dando um presente
ao homem, o qual nada fez para merecê-lo. "Aquele que crer e for batizado
será salvo" (Marcos 16,16).
* Por
esse motivo a Igreja luterana tem feito muito esforço para educar num modo de
vida cristão os que são batizados {escolas dominicais, aulas de religião nas
escolas, aulas de primeira comunhão).
* A
eucaristia. A visão que a Igreja luterana tem da eucaristia está a meio caminho
entre a dos católicos e a de outros protestantes. Ela não adota o ponto de
vista cristão de que o pão e o vinho se transformam realmente no corpo e no
sangue de Jesus, mas também não aceita a convicção alternativa de que o pão e o
vinho são apenas símbolos. Lutero diz que o corpo e o sangue de Cristo estão de
fato presentes mas que os elementos da
eucaristia são meramente pão e vinho.
Para Lutero, o crucial na eucaristia é o
perdão dos pecados
concedido por Deus, como se destaca nas palavras iniciais desse
sacramento.
A vida: um
dom e um dever
Lutero pensava que a vida é um dom de Deus. A
abundância que há no mundo é parte da criação desse mesmo Deus, que com seu ato
salvífico mostrou seu amor pelos homens. Lutero rejeitava um estilo de vida
ascético. A gratidão pela vida e a alegria de viver devem caracterizar um
cristão. Em particular, o alto valor dado ao casamento e ao lar tem sido um
ponto característico do luteranismo.
Mas a vida é também um dever. Lutero desenvolveu
sua doutrina da ética vocacional em torno dessa ideia. Com "vocação"
ele quis dizer "posição social e trabalho". Quando um indivíduo
realiza sua vocação terrena conscienciosamente, com toda a sua capacidade,
presta um serviço a Deus. A Igreja vem imitando Lutero, pregando,
por exemplo, que uma vocação cívica
é um ato de devoção.
SERVIÇO DIVINO
A Palavra é e em todo o tempo foi central no
serviço luterano. O sermão ocupa um
lugar importante, já que deve revelar à congregação a Palavra de Deus. Os
hinos, cantados na língua vernácula (não
em latim), sempre foram significativos, e o próprio Lutero escreveu e traduziu
muitos deles. O serviço também vem sendo celebrado na linguagem de uso diário
desde a época de Lutero. Além disso, os luteranos conservaram muito mais do
antigo serviço católico do que outros protestantes. A decoração das igrejas é
quase idêntica à católica, exceto pela ausência de imagens da Virgem e dos
santos. O ano eclesiástico é organizado da mesma maneira, e o serviço divino
segue o padrão básico.
Movimentos
reformados radicais
As principais denominações protestantes que
surgiram da Reforma foram a Igreja luterana e a Igreja reformada. Mas já no
século XVI existia uma ala mais radical que desejava formar suas próprias
igrejas "puras".
BATISMO DE CRIANÇAS VERSUS BATISMO DE ADULTOS
A característica mais importante dessa ala é que
ela não reconhecia o batismo de crianças, mas só o
de adultos, isto
é, dos que creem conscientemente.
A admissão nessas seitas se dava
por meio do batismo, e como
muitos candidatos já tinham sido batizados anteriormente, seus adversários os
apelidaram de "rebatizadores" (anabatistas). O movimento começou na
Suíça, na Alemanha e na Holanda, mas a perseguição movida pelas autoridades
católicas e luteranas erradicou grande parte dele. Um pequeno grupo sobreviveu
na Holanda, e foi aí que os reformados ingleses exilados entraram em contato
com as novas ideias e, liderados pó John Smith, fundaram em 1609 a primeira das
"Uniões" batistas mais modernas.
No século XVII, surgiram numerosos movimentos que
se cristalizaram em novas comunidades eclesiais com muitas características
comuns. Os batistas, os adventistas e os pentecostais rejeitam o batismo de
crianças em favor do batismo de adultos, que inclui a imersão total na água. Os metodistas mantiveram o batismo de crianças, mas não as consideram
membros plenos da Igreja.
Isso só ocorre quando, na idade adulta, a pessoa reconhece sua aliança
batismal e declara sua concordância com as doutrinas da Igreja.
REAVIVAMENTO E CONVERSÃO
Dois conceitos-chave nas comunidades mais modernas
são "reavivamento" (do inglês revival) e "conversão
individual". Os cultos e as reuniões se caracterizam por uma maior
liberdade, isto é, não contam com uma liturgia fixa como nas igrejas católica e
luterana. Têm, porém, elementos regulares constantes, como a música cantada, a
leitura das escrituras, as orações espontâneas, o sermão e os testemunhos
individuais de fé. O interior da igreja e as vestes dos sacerdotes são
simplificados, quase sem traços distintivos, era particular nas igrejas
pentecostais, onde muitas vezes a decoração
não vai além de um crucifixo e
uma passagem da escritura
afixada na parede, e onde o líder da
congregação, o pastor, não usa nenhum traje especial.
Também sua organização é, de modo geral, menos
permanente. Em diversos casos cada congregação é de todo independente e
escolhe seus próprios líderes.
PIEDADE E MODERAÇÃO
Outro aspecto comum à maioria desses movimentos é o
legado puritano do calvinismo. Dá-se muita importância a uma vida de honestidade,
frugalidade e moderação, e se rejeita a idéia de luxos externos e
divertimentos. Contudo, a prosperidade do pós-guerra ocasionou grandes mudanças
nesses conceitos.
Algumas dessas igrejas, em especial a
metodista e o
Exército da Salvação, combinam a vida metódica com o trabalho em prol
dos menos privilegiados.
Os movimentos de reavivamento e a ênfase na
conversão individual não são exclusivos dessas igrejas. Penetraram também na
Igreja luterana, onde se manifestaram em movimentos leigos e organizações
missionárias.
Fonte: GAARDER, Josteins; HELLERN , Victor; NOTAKER, Henry. Livros das Religiões.